COLEÇÃO FEBRASGO Medicina Fetal Nilson Roberto de Melo Professor Livre Docente em Ginecologia pela Faculdade de Medicina da USP Diretor Científico da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia-FEBRASGO (2011 – 2015) Membro do Executive Board International Society of Gynecological Endrocrinology Presidente da Federacion Latino-Americana das Sociedades de Climatério y Menopausia – FLASCYM -(1996-1999) Presidente Honorário da Federacion Latino-Americana das Sociedades de Climatério y Menopausia- FLASCYM
Eduardo Borges da Fonseca Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust
ELSEVIER
Table of Contents
Instructions for online access Title page Copyright Dedicatória Agradecimentos Apresentação da Série Apresentação do livro Prefácio Colaboradores Capítulo 1: Padronização da Ultrassonografia Morfológica do Primeiro Trimestre INTRODUÇÃO ULTRASSONOGRAFIA MORFOLÓGICA E ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA: MUDANÇA DE PARADIGMAS PADRONIZAÇÃO DO EXAME MORFOLÓGICO DE PRIMEIRO TRIMESTRE AVALIAÇÃO DO CORAÇÃO FETAL NO PRIMEIRO TRIMESTRE AVALIAÇÃO DOPPLERVELOCIMÉTRICA DO DUCTO VENOSO E ANÁLISE DO FLUXO DA VALVA TRICÚSPIDE DETERMINAÇÃO DO RISCO FETAL E EXAME MORFOLÓGICO DE PRIMEIRO TRIMESTRE Capítulo 2: Diagnóstico de Cromossomopatia no Primeiro Trimestre de Gestação INTRODUÇÃO DIAGNÓSTICO DE ALTERAÇÕES CROMOSSÔMICAS CONSIDERAÇÕES FINAIS CARACTERÍSTICAS ULTRASSONOGRÁFICAS DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES CROMOSSÔMICAS NO PRIMEIRO TRIMESTRE MEGABEXIGA Capítulo 3: Translucência Nucal Aumentada: Aspectos Relevantes no Aconselhamento INTRODUÇÃO FISIOPATOLOGIA DA TN AUMENTADA RESULTADO DE GESTAÇÕES COM TN AUMENTADA ACONSELHAMENTO EM GESTAÇÕES COM TN AUMENTADA
Capítulo 4: Gestação Gemelar: Aspectos Importantes a Serem Observados no Primeiro Trimestre INTRODUÇÃO DETERMINAÇÃO DA IDADE GESTACIONAL DETERMINAÇÃO DA CORIONICIDADE RELAÇÃO COM ZIGOTICIDADE COMPLICAÇÕES EXCLUSIVAS DAS GESTAÇÕES MONOCORIÔNICAS RASTREAMENTO DE ANOMALIAS FETAIS Capítulo 5: Padronização da Ultrassonografia Morfológica do Segundo Trimestre INTRODUÇÃO OBJETIVO DO EXAME MORFOLÓGICO DE SEGUNDO TRIMESTRE PADRONIZAÇÃO DO EXAME MORFOLÓGICO DE PRIMEIRO TRIMESTRE AVALIAÇÃO SISTEMÁTICA DOS DIVERSOS SEGMENTOS FETAIS DOCUMENTAÇÃO DO EXAME ULTRASSONOGRÁFICO MORFOLÓGICO DE SEGUNDO TRIMESTRE A AVALIAÇÃO DO COLO UTERINO PELA VIA ENDOVAGINAL ESTÁ PREVISTA NO EXAME MORFOLÓGICO EXAME DE FETOS MALFORMADOS Capítulo 6: Características Ultrassonográficas das Principais Alterações Cromossômicas no Segundo Trimestre INTRODUÇÃO ULTRASSONOGRAFIA NO SEGUNDO TRIMESTRE Capítulo 7: Rastreamento das Alterações Cromossômicas no Segundo Trimestre INTRODUÇÃO ULTRASSONOGRAFIA NO SEGUNDO TRIMESTRE CONSIDERAÇÕES FINAIS Capítulo 8: Infecção Congênita INTRODUÇÃO Capítulo 8.1 Toxoplasmose e Rubéola na gestação TOXOPLASMOSE DIAGNÓSTICO PROFILAXIA DA INFECÇÃO FETAL TRATAMENTO DA INFECÇÃO FETAL RUBÉOLA PREVENÇÃO – VACINA Capítulo 8.2 Citomegalovirose, Parvovirose e Sífilis na Gestação
CITOMEGALIVIROSE DIAGNÓSTICO PARVOVIROSE DIAGNÓSTICO TRATAMENTO DA INFECÇÃO FETAL SÍFILIS DIAGNÓSTICO TRATAMENTO Capítulo 9: Anormalidades do Sistema Nervoso Central INTRODUÇÃO AVALIAÇÃO ULTRASSONOGRÁFICA DO SNC LESÕES CÍSTICAS INTRACRANIANAS Capítulo 10: Malformação de Face INTRODUÇÃO FENDAS LABIOPALATINAS SÍNDROMES DO PRIMEIRO E SEGUNDO ARCOS BRANQUIAIS SÍNDROME DE PIERRE ROBIN DISOSTOSE MANDIBULOFACIAL (SÍNDROME DE TREACHER COLLINS) MICROSSOMIA HEMIFACIAL (SÍNDROME DE GOLDENHAR) ANORMALIDADES DAS ÓRBITAS Capítulo 11: Malformações Toracicas não Cardíacas INTRODUÇÃO MALFORMAÇÕES BRONCOPULMONARES CONSIDERAÇÕES FINAIS Capítulo 12: Anormalidades da Parede Abdominal INTRODUÇÃO ONFALOCELE GASTROSQUISE ANOMALIA DE BODY STALK EXTROFIA DE BEXIGA E DE CLOACA SÍNDROME DE PRUNE BELLY Capítulo 13: Anormalidades Gastrointestinais e do Trato Biliar INTRODUÇÃO
ATRESIA DE ESÔFAGO ESTENOSE HIPERTRÓFICA DO PILORO ATRESIA DE DUODENO ATRESIA JEJUNOILEAL OBSTRUÇÕES INTESTINAIS BAIXAS PERITONITE MECONIAL Capítulo 14: Anormalidades Geniturinárias INTRODUÇÃO ANOMALIAS UROLÓGICAS NÃO OBSTRUTIVAS DUPLICAÇÃO RENAL ECTOPIA RENAL “DISPLASIA” RENAL MULTICÍSTICA (RINS MULTICÍSTICOS) RINS POLICÍSTICOS DO TIPO INFANTIL RINS POLICÍSTICOS DO TIPO ADULTO ANOMALIAS UROLÓGICAS OBSTRUTIVAS ANOMALIAS GENITAIS FETAIS ANOMALIAS GENITAIS, ANOMALIAS DO SEXO MASCULINO, HIPOSPÁDIAS OUTRAS ANOMALIAS GENITAIS Capítulo 15: Anormalidades das Extremidades Fetais INTRODUÇÃO AVALIAÇÃO ULTRASSONOGRÁFICA DO APARELHO LOCOMOTOR ANOMALIAS DOS MEMBROS OU AMPUTAÇÕES CONGÊNITAS SÍNDROME DAS MÃOS E PÉS SEPARADOS MÃO TORTA POLIDACTILIA SEQUÊNCIA DA ACINESIA FETAL Capítulo 16: Anormalidades do Sistema Esquelético INTRODUÇÃO OSTEOCONDRODISPLASIAS Capítulo 17: Tumores Fetais INTRODUÇÃO TUMORES INTRACRANIANOS TUMORES DA FACE E PESCOÇO
BÓCIO FETAL TUMORES DO TÓRAX FETAL TUMORES DO CORAÇÃO FETAL TUMORES DO ABDOME FETAL TUMORES DE TECIDOS MOLES NAS EXTREMIDADES FETAIS TUMORES DA PLACENTA E DO CORDÃO UMBILICAL Capítulo 18: Crescimento e Bem-estar Fetais INTRODUÇÃO REGULAÇÃO DO CRESCIMENTO FETAL FATORES GENÉTICOS REGULAÇÃO HORMONAL CRESCIMENTO MORFOLÓGICO PRINCIPAIS EVENTOS DA EVOLUÇÃO EMBRIOFETAL AVALIAÇÃO DO CRESCIMENTO FETAL BEM-ESTAR FETAL MÉTODOS DE AVALIAÇÃO FETAL Capítulo 19: Vitalidade Fetal INTRODUÇÃO INDICAÇÕES PARA AVALIAÇÃO DA VITALIDADE FETAL DOENÇAS MATERNAS INTERCORRÊNCIAS DA GESTAÇÃO DOENÇAS FETAIS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA VITALIDADE FETAL LINHA DE BASE VARIABILIDADE ACELERAÇÕES TRANSITÓRIAS DESACELERAÇÕES DESACELERAÇÃO PRECOCE OU DIP I DESACELERAÇÃO TARDIA OU DIP II DESACELERAÇÃO UMBILICAL OU VARIÁVEL OU DIP III DESACELERAÇÃO PROLONGADA ESPICAS OU DIP O Capítulo 20: Anormalidades do Líquido Amniótico
INTRODUÇÃO COMPOSIÇÃO DO LÍQUIDO AMNIÓTICO OLIGOÂMNIO POLIDRÂMNIO POLIDRÂMNIO Capítulo 21: Anomalias da Placenta, Cordão Umbilical e Membranas INTRODUÇÃO ANOMALIAS PLACENTÁRIAS TUMORES PLACENTÁRIOS ANOMALIAS DO CORDÃO UMBILICAL ANOMALIAS DAS MEMBRANAS OVULARES Capítulo 22: Restrição do Crescimento Fetal – Diagnóstico e Conduta INTRODUÇÃO AVALIAÇÃO DO GANHO PONDERAL MATERNO MEDIDA DA ALTURA UTERINA ULTRASSONOGRAFIA DOPPLERVELOCIMETRIA Capítulo 23: Anemia Fetal: Diagnóstico e Conduta INTRODUÇÃO FISIOPATOLOGIA DA ALOIMUNIZAÇÃO RH PREVENÇÃO DA ALOIMUNIZAÇÃO RH IDENTIFICAÇÃO DAS GESTAÇÕES COM RISCO PARA ANEMIA FETAL CONDUTA NA GESTAÇÃO RH-NEGATIVA SENSIBILIZADA TRANSFUSÃO INTRAUTERINA CAUSAS DE ANEMIA FETAL NÃO IMUNE Capítulo 24: Síndrome Transfusor-Transfundido INTRODUÇÃO GESTAÇÃO GEMELAR E CORIONICIDADE SÍNDROME DA TRANSFUSÃO FETOFETAL DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO EVOLUÇÃO NATURAL, TRATAMENTO E RESULTADOS PERINATAIS Capítulo 25: Derrame Pleural INTRODUÇÃO
PREVALÊNCIA ETIOLOGIA DIAGNÓSTICO CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS PROGNÓSTICO CONDUTA CONSERVADORA TERAPIA FETAL Capítulo 26: Conduta na Obstrução Congênita do Trato Urinário INTRODUÇÃO EPIDEMIOLOGIA ETIOLOGIA HISTÓRIA NATURAL OBSTRUÇÃO DA JUNÇÃO URETEROPÉLVICA (JUPE) OBSTRUÇÃO DA JUNÇÃO URETEROVESICAL (JUVE) REFLUXO VESICOURETERAL OBSTRUÇÃO BAIXA DO TRATO URINÁRIO OBSTRUÇÃO URETRAL CISTOSCOPIA IN UTERO PERCUTÂNEA DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL AVALIAÇÃO PRÉ-NATAL INTERVENÇÃO FETAL AVALIAÇÃO DA FUNÇÃO RENAL URINA FETAL OPÇÕES TERAPÊUTICAS TRATAMENTO CONSERVADOR TERAPIA MINIMAMENTE INVASIVA Capítulo 27: Hérnia Diafragmática: Diagnóstico e Conduta INTRODUÇÃO PREVALÊNCIA ETIOLOGIA Capítulo 28: Conduta nos Tumores Fetais INTRODUÇÃO CONDUTA NOS TUMORES DA FACE E PESCOÇO
CONDUTA NO BÓCIO FETAL CONDUTA NOS TUMORES DO TÓRAX FETAL CONDUTA NOS TUMORES DO CORAÇÃO FETAL CONDUTA NOS TUMORES DO ABDOME FETAL TUMORES DO FÍGADO FETAL CONDUTA NOS TUMORES DO RIM FETAL CONDUTA NO CISTO OVARIANO FETAL CONDUTA NO TUMOR DA ADRENAL FETAL CONDUTA NO TERATOMA SACROCOCCÍGEO Capítulo 29: Cirurgia Fetal nos Defeitos Abertos do Tubo Neural INTRODUÇÃO Capítulo 30: Aspectos Éticos da Terapêutica Fetal INTRODUÇÃO PAPEL DA DEONTOLOGIA MÉDICA A ÉTICA MÉDICA E A PROFISSÃO PAPEL DA BIOÉTICA O OBSTETRA E A BIOÉTICA: RELAÇÃO COM O PACIENTE AUTONOMIA DA PACIENTE (CASAL) CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO DIREITOS DO FETO DIREITOS FETAIS VERSUS DIREITOS DA GESTANTE REVELAÇÃO DO DIAGNÓSTICO TERAPÊUTICA FETAL ANALGESIA FETAL DURANTE PROCEDIMENTOS RECOMENDAÇÕES Capítulo 31: Ecocardiografia Fetal INTRODUÇÃO DEFININDO A ECOCARDIOGRAFIA FETAL EM NÍVEIS DE COMPLEXIDADE QUEM DEVE REALIZAR PERÍODO DE INDICAÇÃO EQUIPAMENTO RASTREAMENTO EM NÍVEL I PLANOS DE CORTE
ECOCARDIOGRAFIA FETAL ESPECIALIZADA EM NÍVEL II INDICAÇÕES ABSOLUTAS PARA A ECOCARDIOGRAFIA FETAL EM NÍVEL II – GESTAÇÃO DE ALTO RISCO PARA CARDIOPATIA FETAL INDICAÇÕES CONTROVERSAS PARA A ECOCARDIOGRAFIA FETAL EM NÍVEL II MALFORMAÇÕES CARDÍACAS CONCLUSÃO Capítulo 32: Arritmias Fetais: Diagnóstico e Conduta INTRODUÇÃO EXTRASSÍSTOLES ATRIAIS OU SUPRAVENTRICULARES EXTRASSÍSTOLES VENTRICULARES TAQUICARDIAS BRADICARDIAS COMENTÁRIOS FINAIS Capítulo 33: Aconselhamento Genético INTRODUÇÃO RECOMENDAÇÕES PRÉ-CONCEPCIONAIS RECOMENDAÇÕES PRÉ-NATAIS Capítulo 34: Procedimentos Invasivos em Medicina Fetal INTRODUÇÃO FUNDAMENTOS BÁSICOS PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS Capítulo 35: Drogas na Gravidez INTRODUÇÃO Capítulo 36: Repercussões Psicológicas Frente ao Diagnóstico de Alterações Fetais INTRODUÇÃO Capítulo 37: Uma Visão Moderna na Assistência Pré-Natal INTRODUÇÃO RASTREAMENTO PRECOCE PARA ANEUPLOIDIAS FETAIS DIAGNÓSTICO PRECOCE DAS ANORMALIDADES FETAIS RASTREAMENTO PRECOCE PARA PRÉ-ECLÂMPSIA DIABETES MELITO GESTACIONAL PARTO PREMATURO CONSIDERAÇÕES FINAIS Capítulo 38: Avanços na Indicação e na Interpretação da Ressonância Magnética Fetal
INTRODUÇÃO Capítulo 39: Principais Complicações da Gestação Gemelar Monocoriônica INTRODUÇÃO SÍNDROME TRANSFUSOR–TRANSFUNDIDO (STT) SEQUÊNCIA ANEMIA–POLICITEMIA (SAP) SEQUÊNCIA DE PERFUSÃO ARTERIAL REVERSA EM GÊMEO (GÊMEO ACÁRDICO) Capítulo 40: Aspectos Ultrassonográficos na Predição e Prevenção do Parto Pré-termo COLO UTERINO CURTO: PODEROSO PREDITOR DE PARTO PREMATURO NATUREZA SINDRÔMICA DO COLO UTERINO CURTO BIOLOGIA DO AMADURECIMENTO E REMODELAÇÃO DO COLO UTERINO PROGESTERONA: UM HORMÔNIO ESSENCIAL NA GRAVIDEZ EFEITO DA PROGESTERONA NO COLO DO ÚTERO PROGESTERONA PARA EVITAR O NASCIMENTO PREMATURO EM MULHERES COM COLO CURTO REVISÃO SISTEMÁTICA E METANÁLISE CONFIRMAM QUE PROGESTERONA VAGINAL REDUZ NASCIMENTOS PREMATUROS E MORBIDADE NEONATAL A PROGESTERONA VAGINAL EVITA PARTO PREMATURO EM MULHERES COM COLO CURTO E HISTÓRIA PRÉVIA DE PARTO PREMATURO? DOSE DA PROGESTERONA VAGINAL PARA PREVENÇÃO DE PARTO PREMATURO O CAPROATO DE 17-ALFA-HIDROXIPRO-GESTERONA É EFICAZ NA REDUÇÃO DA TAXA DE NASCIMENTO PREMATURO EM MULHERES COM COLO CURTO? A PROGESTERONA VAGINAL EVITA O NASCIMENTO PREMATURO EM GESTAÇÕES GEMELARES? CERCLAGEM VERSUS PROGESTERONA VAGINAL PROGESTERONA VS. CERCLAGEM CERVICAL EM MULHERES COM HISTÓRIA PRÉVIA DE PARTO PREMATURO E COLO CURTO (< 25 MM) PESSÁRIO CERVICAL PARA PREVENIR O NASCIMENTO PREMATURO Índice
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Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web Inclui índice ISBN 978-85-352-6515-6 (recurso eletrenônico) 1. Perinatologia. 2. Feto. 3. Diagnóstico pré-natal. 4. Feto - Desenvolvimento. 5. Feto - Doenças - Diagnóstico. 6. Feto - Anomalias. 7. Livros eletrônicos. I. Melo, Nilson Roberto de. II. Fonseca, Eduardo. III. Série. 12-7451. CDD: 618.32 CDU: 618.32 15.10.12 19.10.12
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Dedicatória Dedico este livro a Kypros Nicolaides, um pioneiro e idealizador da Medicina Fetal moderna.
Agradecimentos A Deus, que nos dá capacidade de prosseguir, e às nossas esposas, que nos permite um lar tranquilo aonde reestabelecemos as nossas forças.
Apresentação da Série Nilson Roberto de Melo Diretor Científico
A Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia nasce no dia 30 de outubro de 1959, em Belo Horizonte, tendo com objetivos fundamentais patrocinar, promover, manter e representar oficialmente os interesses dos obstetras e ginecologistas brasileiros. Nestes dez lustros, a FEBRASGO patrocinou o aperfeiçoamento técnico e cientifico através de eventos científicos, de publicações de vários artigos médicos em suas revistas de circulação nacional; promoveu a credibilidade da especialidade através da introdução do Título de Especialista em Ginecologia e Obstetrícia (TEGO); formatou o relacionamento com outras organizações médicas nacionais e internacionais, criando uma interface de diálogo e também os vários certificados de atuações; e, finalmente, representou oficialmente as Federadas Nacionais junto a autoridades federais, sendo a campanha de prevenção dos defeitos abertos do tubo neural ação que ganhou notoriedade na imprensa leiga, através de várias matérias publicadas nos maiores jornais da imprensa brasileira. Em 2011, com a mudança estatutária, as Federais Nacionais aprovam a criação de uma Diretoria Científica cuja principal ação seria formatar as diretrizes de conhecimento e cunhá-las em guias práticos de conduta, manuais, livros e compêndios que reflitam o melhor conhecimento científico, de forma eclética e democrática. Assim, nasce a série coleção FEBRASGO. Inicialmente, teremos o livro-texto de Medicina Fetal, editado com ajuda de vários colaboradores nacionais e internacionais de universidades com ações relevantes nessa área de atuação. Seguiremos com outros que observarão outras áreas de interesse nos diversos matizes da arte obstétrica e ginecológica, como: gestação de alto risco, reprodução humana, planejamento familiar, câncer genital, câncer de mama, doenças infecciosas em obstetrícia e ginecologia endócrina entre outros. Esperamos que esta nova ação da FEBRASGO, através da sua Diretoria Científica, agrade nosso associado e seja o norte da evolução científica para o próximo meio século de ação.
Apresentação do livro Etelvino de Souza Trindade Presidente da FEBRASGO
Surge o primeiro livro da Série FEBRASGO. A escolha para ter nosso primeiro livro nesta área de atuação considera o enfoque multidisciplinar do produto conceptual cuja ação primaria de atenção deve ser dispensada à mãe. Assim, na apresentação deste livro, gostaria de estabelecer o termo Medicina Materno-Fetal, pois como ginecologista e tocólogo de longa data, não concebo o feto sem a mãe, nem a medicina fetal sem a obstetrícia, em especial, a de alto risco. Dessa forma, a Medicina Materno-Fetal tornou-se um braço importante da obstetrícia moderna e passou a abranger outras áreas afins, incluindo a genética, a teratologia, o diagnóstico por imagem, a endocrinologia e a fisiologia materno-fetal. O feto outrora inacessível ao obstetra/perinatologista, tinha sua assistência médica dispensada, exclusivamente, à mãe com a esperança de que a simples melhoria das condições maternas beneficiaria o estado de saúde fetal. Nos últimos anos, o concepto tornou-se acessível, permitindo que doenças fetais fossem diagnosticadas e tratadas mesmo antes do nascimento. Assim, o feto emerge como um paciente; e a saúde materna entra em uma nova dimensão. Ele agora é visto como parte integrante dos processos fisiológicos ou patológicos do binômio materno-fetal e exige daqueles que lidam com a Medicina Materno-Fetal vasto conhecimento das complicações da gravidez que afetam a mãe e/ou o feto e com as várias modalidades disponíveis para o diagnóstico, a avaliação e o tratamento materno-fetal. Este livro é fruto dessa visão, amplamente discutida entre mim e o Professor Nilson Roberto de Melo, Diretor Científico da FEBRASGO. Finalmente, a colaboração de grandes nomes da literatura nacional e internacional nesse trabalho, encontrou no Professor Eduardo Borges da Fonseca, Presidente da Comissão Nacional Especializada em Medicina Fetal, a força e a competência para orquestrar essa tarefa, que unifica, de maneira simples e harmônica, o entendimento dos processos fisiológicos fetais e o conhecimento científico moderno, que devem nortear a assistência Materno-Fetal.
Prefácio “Para realizar grandes conquistas, devemos não apenas agir, mas também sonhar; não apenas planejar, mas também acreditar” Anatole France Em uma década de convivência diária na Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e após quase quatro anos vivenciado os conceitos filosóficos do professor Kypros Nicolaides, no King’s College, em Londres, fomos expectadores atuantes do desenvolvimento da medicina fetal brasileira que se tornou um importante braço acadêmico da obstetrícia atual, pois envolve de forma complementar, harmônica e integral a mãe e o feto, sendo, dessa forma, mais bem designada como Medicina Materno-Fetal. Fomos instados pelo Dr. Etelvino Trindade e pelo Dr. Nilson Roberto de Melo a congregar médicos que possuíssem formação e prática em Medicina Materno-Fetal, tendo como um simples objetivo: fixar conceitos e fornecer conhecimentos através do primeiro livro da Série FEBRASGO aos vários obstetras e ginecologistas brasileiros. Agradeço a todos os colaboradores que, de forma ágil e competente, escreveram estes 40 capítulos. Em especial, ao Professor Roberto Romero, principal pesquisador mundial dos processos fisiológicos e preventivos do parto pré-termo e ao Professor Kypros Nicolaides, médico e filósofo, que desenvolveu as principais técnicas de procedimento fetal e atuou na formação direta e indireta das grandes cabeças da Medicina Materno-fetal em todo mundo. Considerando a proposta da Assembleia Geral das Nações Unidas que realça a redução da mortalidade infantil como uma das Metas de Desenvolvimento do Milênio e que a principal causa de mortes infantis no Brasil são as decorrentes das condições perinatais (malformações fetais, partos pré-termos e restrição de crescimento fetal), sendo as malformações fetais responsáveis por 11,2% das mortes infantis nas últimas décadas. Sonhamos que este livro uniformize condutas e estimule os órgãos governamentais a criar estratégias de prevenção nestas três importantes causas de óbito perinatal. Todavia, sabemos que nem sempre é possível realizar a prevenção primária da maioria das malformações fetais, porém seu diagnóstico precoce, ainda na fase pré-natal, permite melhor condução clínica e medidas cirúrgicas programadas precocemente em Centros de Referências regionais e/ou nacionais. Eduardo Borges da Fonseca
Colaboradores Adolfo W. Lião Livre Docente em Obstetrícia, Professor Associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Adriana Gualda Garrido Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Ultrassonografia pela FEBRASGO e Colégio Brasileiro de Radiologia
Ana de Fátima de Azevedo Ferreira Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust Diploma em Medicina Fetal pela Fundação de Medicina Fetal (FMF), Londres Preceptora da Residência Médica em Ginecologia e Obstetrícia da Universidade de Pernambuco (UPE)
Ana Lúcia Letti Müller Doutora em Ciências Médicas – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – ênfase em Medicina Fetal Médica do Centro Obstétrico do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Anselmo Verlangieri Carmo Professor Adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso. Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust
Antonio Fernandes Moron Professor Titular do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)
Camilla Olivares Figueira Médica Ginecologista e Obstetra pela Universidade Estadual de Campinas
Cleisson Fábio Andrioli Peralta Médico Assistente Doutor, Pesquisador e Professor da Pós-Graduação do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital da Mulher Professor Doutor José Aristodemo Pinotti – UNICAMP Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Ultrassonografia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust
Cristiane Alves de Oliveira Professora Assistente de Obstetrícia da Universidade Federal Fluminense Mestrado em Ciências Médicas pela Universidade Federal Fluminense
Danielle do Brasil de Figueirdo Chefe do Serviço de Medicina Fetal do Centro de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário de Brasília Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust Diploma em Medicina Fetal pela Fetal Medicine Foundation Londres
Denise Araujo Lapa Pedreira Mestrado e Doutorado em Obstetrícia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Pesquisadora e Orientadora de Pós-graduação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Eduardo Borges da Fonseca
Professor Adjunto da Universidade Federal da Paraíba Doutor pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust
Eduardo Cordioli Médico Assistente da Universidade Federal de São Paulo Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Mestrado em Ciências Médicas pela Universidade Federal de São Paulo Coordenador Médico da Obstetrícia e Medicina Fetal do Hospital Israelita Albert Einstein Presidente da Comissão Especializada em Urgências Obstétricas da FEBRASGO
Edward de Araújo, Júnior. Professor Adjunto da Disciplina de Medicina Fetal do Departamento de Obstetrícia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Evaldo Trajano de Souza Silva Filho
Evaldo Trajano de Souza Silva Filho Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Habilitação em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO
Francisco Herlânio Costa Carvalho Professor do Departamento de Saúde Materno Infantil – Universidade Federal do Ceará Doutor em Obstetrícia pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Habilitação em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO
Gláucia Rosana Guerra Benute Psicóloga, Doutora em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Diretora Técnica de Serviço de Saúde da Divisão de Psicologia do ICHCFMUSP
Helvécio Neves Feitosa Professor do Departamento de Saúde Materno Infantil – Universidade Federal do Ceará Professor do Curso de Medicina da UNIFOR – Universidade de Fortaleza Doutor em Obstetrícia pela UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Habilitação em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO
Heron Werner, Júnior. Especialista em Ginecologia, Obstetrícia, Ultrassonografia e Medicina Fetal Mestrado em Obstetrícia – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Doutorando em Radiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Assistente Estrangeiro pela “Université René Descartes – Paris V”
Isabella Salvetti Valente Médica Ginecologista e Obstetra pela Universidade Estadual de Campinas
Jader de Jesus Cruz Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Mestrado em Medicina, Universidade Nova de Lisboa, Portugal Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust Diploma em Medicina Fetal pela Fundação de Medicina Fetal (FMF), Londres
João Bortoletti Filho Médico da Disciplina de Medicina Fetal da Universidade Federal de São Paulo Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO
Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Mestre em Ciências pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) Coordenador do Setor de Medicina Fetal do Hospital Santa Catarina
João Renato Bennini, Júnior. Médico Assistente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital da Mulher Professor Doutor José Aristodemo Pinotti – UNICAMP
Joelma Queiroz Andrade Médica Assistente da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade e São Paulo Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
José Antonio de Azevedo Magalhães Professor Doutor Chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e do Grupo de Medicina Fetal do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Juliana Silva Esteves Penha Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Especialista em Ultrassonografia em Obstetrícia e Ginecologia pela SBR Pós-graduada em Medicina Fetal
Kypros H. Nicolaides Professor de Medicina Fetal da Escola de Medicina do King’s College London
Lami Yeo Perinatology Research Branch, NICHD/NIH/DHHS, Bethesda, Maryland, and Detroit, Michigan, Estados Unidos Departmento de Obstetrícia e Ginecologia, Wayne State University/Hutzel Hospital, Detroit, Michigan, Estados Unidos
Lilian Cristina Caldeira Thomé Professora Obstétrica da Universidade Estadual do Pará. Coordenadora do Curso de Medicina da Universidade Estadual do Pará Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Habilitação em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO
Lilian M. Lopes Doutora em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo-FMUSP Reseach Fellow em Ecocardiografia Pediátrica e Fetal pela Universidade da Califórnia de São Francisco Responsável pelo Serviço de Ecocardiografia Pediátrica e Fetal do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo Responsável pelo Serviço de Ecocardiografia e Cardiologia Fetal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Lisandra Stein Bernardes Médica Assistente da Clínica Obstétrica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Mestre pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Especialização em Medicina Fetal e Ultrassonografia no Hospital Necker-Enfants Malades (Paris)
Luciana de Barros Duarte Professora Adjunta da Universidade Federal Fluminense Doutora pela Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto) Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust Médica Estrangeira do Setor de Medicina Fetal da Universidade de Granada-Espanha
Luciano Marcondes Machado Nardozza Professor Livre docente do Departamento de Obstetrícia da Escola Paulista de Medicina –UNIFESP
Luthgard Gomes Medeiros de Souza Médica Assistente da Maternidade do Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba
Manoel Martins Neto Preceptor da Residência Médica de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Geral e
Maternidade Cesar Calas – Secretaria de Saúde do Ceará Mestre em Tocoginecologia – Universidade Federal do Ceará Doutorado em Saúde Coletiva – Universidade Federal do Ceará Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Habilitação em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO
Mara Cristina Souza de Lucia Psicanalista, Doutora pela PUC-SP, Diretora da Divisão de Psicologia do ICHCFMUSP
Marcelo de Oliveira Lima Filippo Especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO Habilitação em Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia pelo Colégio Brasileiro de Radiologia Professor voluntário do Serviço de Medicina Fetal do Centro de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Universitário de Brasília.
Marcelo Zugaib Professor Titular de Obstetrícia do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Maria Amélia de Rolim Rangel Professora Associada do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Doutora em Medicina pela Universidade de São Paulo
Maria de Lourdes Brizot Livre docente em Obstetrícia, Professor Associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Maria Teresa Vieira Sanseverino Doutora em Pediatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – ênfase em Genética Médica Geneticista Clínica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Pedro Augusto Daltro Radiologista Pediátrico do Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ) e da Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI) Doutorado em Radiologia – Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Radiologia e Ex-presidente da Sociedade Latino Americana de Radiologia Pediátrica
Rafael Frederico Bruns Professor Adjunto do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná
Renata Lopes Ribeiro Assistente do Setor de Vitalidade Fetal da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade e São Paulo Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Renato Augusto Moreira de Sá Professor Associado de Obstetrícia da Universidade Federal Fluminense Presidente da Comissão Especializada em Perinatologia da FEBRASGO Pós-Doutorado em Medicina Fetal na Universidade de Paris V Coordenador do Serviço de Medicina Fetal da Perinatal Barra
Ricardo Barini Professor Livre Docente Associado da DiscipIina de Obstetrícia Departamento de Tocoginecologia da FCM UNICAMP
Rievani de Sousa Damião Professora Assistente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Universidade Federal da Paraíba Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO Mestrado em Tocoginecologia e Perinatologia – Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (SP) Research Fellow Harris Birthright Centre – King’s College Hospital NHS Foundation Trust
Roberto Romero Perinatology Research Branch, NICHD/NIH/DHHS, Bethesda, Maryland, and Detroit, Michigan, Estados Unidos
Rodrigo Ruano
Livre docente em Obstetrícia, Professor Associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil; Professor Associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Baylor College of Medicine, Houston, Texas, Estados Unidos
Rossana Pulcinelli Vieira Francisco Livre docente em Obstetrícia, Professor Associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Seizo Miyadahira Livre docente em Obstetrícia, Professor Associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Silvio Martinelli Médico Assistente do Setor de Baixo Pesso Fetal da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade e São Paulo Doutor em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Sonia Hassan Perinatology Research Branch, NICHD/NIH/DHHS, Bethesda, Maryland, and Detroit, Michigan, Estados Unidos Departmento de Obstetrícia e Ginecologia, Wayne State University/Hutzel Hospital, Detroit, Michigan, Estados Unidos.
Sônia Valadares Lemos da Silva Encarregada pelo Setor de Medicina Fetal do Hospital do Servidor Público Estadual-FMO Mestre em Ciência da Saúde pelo Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual Especialista em Ginecologia, Obstetrícia pela FEBRASGO Título de Habilitação em Medicina Fetal pela FEBRASGO
Taisa Davaus Gasparetto Radiologista Pediátrica da Clínica de Diagnóstico por Imagem (CDPI) Mestrado em Radiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Doutoranda em Radiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Victor Bunduki Livre docente em Obstetrícia, Professor Associado do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
Capítulo 1
Padronização da Ultrassonografia Morfológica do Primeiro Trimestre Rafael Frederico Bruns, Edward de Araújo Júnior, Luciano Nardozza
INTRODUÇÃO Há milhares de anos, a sobrevivência humana depende da padronização. No início não era necessário registrar os processos padronizados, pois as pessoas aprendiam observando e gravando na memória. Hoje é impossível imaginar como se viveria em um mundo sem padronização, onde o instrumental cirúrgico não fosse padronizado, e toda vez que precisássemos operar em um outro hospital deparássemos com materiais diferentes.
FIGURA 1.2 Osso nasal e Translucência Nucal.
FIGURA 1.3 Corte Transversal do Pólo Cefálico (A) e Abdome (B).
FIGURA 1.4 Translucência Intracraniana. Em a, corte sagital para obtenção da translucência nucal. Em b, esquema demonstrando as estruturas interna: tronco cerebelar, 4° ventrículo e cisterna magna. Coisas muito simples, como checklists padronizados, podem salvar vidas, como visto inclusive em recente estudo publicado no New England Journal of Medicine, em que um checklist em cirurgias diminuiu a mortalidade do grupo que recebeu a intervenção. Todo processo realizado de maneira padronizada tem instruções que preveem as operações a serem realizadas, a sequência de cada uma delas, o tempo necessário para a execução, os equipamentos e dispositivos necessários e também os parâmetros do processo, como regulagem de equipamentos e máquinas, entre outras.
O problema encontrado em exames de ultrassonografia em gestantes é a padronização de condutas, que consiste em explicar como é feito cada exame, quais estruturas devem ser analisadas e como devem ser analisadas. A instituição de padronização está relacionada à maneira como o ser humano erra e aos mecanismos que podem ser utilizados para evitar esse erro. Um deles é a criação de padrões e situações supostamente “à prova de erro”, por meio de protocolos. Nesse sentido, os médicos são a classe, em termos de assistência em saúde, que mais promove a cultura da padronização. Basta ver a quantidade de guidelines que são oficialmente elaborados por sociedades de especialidades e grupos de estudo para criar um padrão de conduta. Espera-se, com isso, um aumento, em larga escala, da chance de se adotar uma conduta ou intervenção bem estudadas. Como garantir ao paciente que o exame que ele está fazendo com um médico é semelhante ao exame que ele faria com outro médico? Certamente isso é impossível, pois quando falamos de ultrassonografia estamos falando de um exame que depende não só do examinador, mas também do equipamento utilizado, das condições maternas e fetais. Entretanto, existe uma maneira de tentar minimizar essas diferenças: a padronização do exame. Dessa forma, reduzimos o seu componente “artístico” e incrementamos o seu nível técnico.
ULTRASSONOGRAFIA MORFOLÓGICA E ULTRASSONOGRAFIA OBSTÉTRICA: MUDANÇA DE PARADIGMAS Atualmente, não é possível identificar na literatura o momento em que o termo “ultrassonografia morfológica” foi criado, nem é possível precisar como ele difere do “exame obstétrico de rotina”. Na literatura nacional, existem autores que, inclusive, afirmam não haver diferença entre um exame obstétrico e um exame morfológico. Não existem limites relacionados à quantidade de exames morfológicos que podem ser solicitados durante uma gestação, nem tampouco limites relacionados à idade gestacional. É claro que, quando falamos em exames de rotina, utilizados para rastreamento, a recomendação é a realização de pelo menos três exames, um em cada trimestre da gestação. Mas quando falamos de situações que fogem ao padrão, como, por exemplo, um feto com suspeita de malformação, o exame morfológico poderá ser solicitado em qualquer idade gestacional e repetido quantas vezes forem necessárias. Outra questão que deve ser abordada é a realização do exame obstétrico para a avaliação de crescimento fetal, líquido amniótico e placenta. Esse tipo de exame, que não avalia o feto da maneira mais completa possível, deveria ser abolido do rol de procedimentos médicos. Apesar de ser utilizado em países de Primeiro Mundo, como Inglaterra e Estados Unidos, esse exame é realizado por técnicos e não por médicos. No Brasil, o atual código de ética médica, em seu artigo 32, reza que é vedado ao médico deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento, cientificamente reconhecidos e a seu alcance, em favor do paciente. Portanto, o exame ultrassonográfico deve sempre primar por analisar a morfologia fetal, no maior nível de detalhamento possível, levando-se em consideração as limitações estabelecidas por idade gestacional, qualidade de imagem e posição fetal. Concluindo, uma vez que existe um exame mais simplificado (obstétrico) e outro exame mais detalhado e com maior capacidade diagnóstica (morfológico), não existe mais espaço para a solicitação ou execução do exame simplificado (chamado obstétrico) na medicina atual.
PADRONIZAÇÃO DO EXAME MORFOLÓGICO DE PRIMEIRO TRIMESTRE
Época de realização O exame morfológico de primeiro trimestre deverá ser realizado quando o feto medir entre 45 e 85 mm de comprimento cabeça-nádegas, o que corresponde, em idade gestacional, a cerca de 11 a 13 semanas e 6 dias. Na experiência dos autores, a época mais recomendada é o fim da 12ª semana e o início da 13ª semana. Nessa época, a imagem obtida é apresentada com melhor definição para a análise das estruturas anatômicas (Tabela 1.1).
TABELA 1-1 Sucesso na visualização/exame de estruturas entre 11 e 14 semanas (adaptada de Souka e Cicero)
Via de realização A via de realização do exame é preferencialmente abdominal, mas poderá ser complementada com o estudo endovaginal se o examinador achar necessário.
Sequência do exame Os objetivos deste exame são: (1) demonstrar a vitalidade fetal; (2) confirmar a idade gestacional por meio do comprimento cabeça-nádegas (Fig. 1.1); (3) determinar o número de fetos e a corionicidade nas gestações múltiplas; (4) identificar algumas anomalias fetais e (5) realizar o rastreamento para aneuploidias.
FIGURA 1.1 Medida do comprimento cabeça-nádegas. TABELA 1-2 Critérios para obtenção das imagens e medidas
Procedimento
• Medir o comprimento cabeça-nádegas, diâmetro biparietal, circunferência craniana, circunferência abdominal e comprimento do fêmur • Registrar a frequência cardíaca • Medir a translucência nucal • Avaliar a presença de osso nasal • Examinar a anatomia fetal • Em gestações múltiplas: Determinar a corionicidade/amnionicidade Rastrear evidências de transfusão feto–feto (discordância de tamanho fetal maior que 20%, translucência nucal ou líquido amniótico de volume discordante)
Armazenamento de imagens
• Corte sagital do feto para medida do comprimento cabeça-nádegas (Fig. 1.1) • Corte sagital da linha média fetal para avaliação da translucência nucal, osso nasal (Fig. 1.2) e tronco cerebral • Corte transversal do polo cefálico e do abdome fetal (Fig. 1.3).
AVALIAÇÃO DO CORAÇÃO FETAL NO PRIMEIRO TRIMESTRE O exame do coração fetal nesta fase é mais difícil devido às suas pequenas dimensões. O sucesso na visualização da imagem de quatro câmaras cardíacas varia na literatura entre 17% e 88% na 11ª semana, de 36% a 97% na 12ª semana e de 74% a 100% na 13ª semana. Durante o exame morfológico de primeiro trimestre recomendamos que, se for possível, seja registrada uma imagem das quatro câmaras cardíacas. De maneira semelhante, a visibilização das vias de saída varia de 0% a 75% durante a 11ª semana, de 40% a 93% durante a 12ª semana e de 38% a 100% na 13ª semana, sendo os estudos mais recentes os que apresentam maiores taxas de sucesso. Provavelmente, isso ocorre devido à melhora progressiva observada nos aparelhos de ultrassonografia comercializados. A ultrassonografia transvaginal também é capaz de aumentar a capacidade de identificação das estruturas em cerca de 5%.
AVALIAÇÃO DOPPLERVELOCIMÉTRICA DO DUCTO VENOSO E ANÁLISE DO FLUXO DA VALVA TRICÚSPIDE De acordo com os parâmetros preconizados por instituições internacionais, a avaliação do fluxo do ducto venoso e da valva tricúspide deveria fazer parte da avaliação morfológica do primeiro trimestre, pois é fundamental no rastreamento de aneuploidias e de malformações cardíacas. TABELA 1-3
Corte sagital (objetivo: medir o CCN)
O feto deve estar em posição de repouso, sem fletir exageradamente ou estender o corpo. O corte sagital deve ser obtido na linha média do feto e a imagem do corpo fetal deve ocupar cerca de 90% da extensão da tela. Os calibradores devem ser posicionados sobre imagem produzida pela pele da superfície do polo cefálico e da nádega fetal, no maior diâmetro possível. A medida deverá ser registrada em milímetros. Corte sagital na linha média fetal, incluindo somente a cabeça e o terço superior do tórax na imagem. A imagem deve ser ampliada o máximo possível, de forma que a cabeça fetal ocupe cerca de 75% da tela. A posição entre a cabeça e o tórax deve ser neutra, evitando a hiperextensão ou flexão (Fig. 1.2). O ganho deve ser diminuído para minimizar subestimações. Na imagem, deve-se tentar identificar as seguintes estruturas:
Imagem para obtenção da translucência nucal
• translucência nucal; • osso nasal; • translucência intracraniana (Fig. 1.4).
A translucência nucal deve ser medida no local de sua maior extensão, com o centro do calibrador posicionado sobre as linhas que delimitam a translucência. A medida deve ser realizada em milímetros com precisão de uma casa decimal. Deve-se também observar a presença ou ausência do osso nasal e distorções na imagem da translucência intracraniana (Fig. 1.4). Apesar de ser possível observar essas três estruturas em uma única imagem (corte sagital da linha média), por vezes são necessárias diferentes imagens para evidenciar uma ou outra estrutura.
Corte transversal do polo cefálico
O polo cefálico deve ocupar mais da metade da tela. Deve haver simetria entre os dois hemisférios cerebrais, os plexos coroides devem ter a forma de uma borboleta e a foice cerebral deve ser identificada. Neste plano, as principais malformações que devem ser afastadas são a holoprosencefalia e o complexo acrania/anencefalia.
Corte transversal do abdome fetal
O abdome deve ocupar mais da metade da tela. O plano deve ser simétrico (evitar cortes oblíquos) e bolha gástrica deve, preferencialmente, ser identificada. Após a realização desta imagem, o transdutor deve realizar báscula no sentido caudal do feto para observar o local de inserção do cordão umbilical. O exame do abdome fetal nesta fase deve ser dirigido para analisar a presença de defeitos da parede abdominal (gastrosquise, onfalocele e anomalia de body-stalk) e displasias renais. Por fim, a báscula deve continuar até a visualização da bexiga na pelve fetal com as duas artérias umbilicais lateralmente.
Todavia, considerando o sistema de saúde suplementar no Brasil, que, por determinação da Agência Nacional de Saúde (ANS), deve utilizar a Terminologia Unificada da Saúde Suplementar (TUSS), não existe previsão para o uso do Doppler em exame morfológico. Caso exista interesse na avaliação do ducto venoso, o obstetra deverá solicitar um código específico (4.09.01.386 – Doppler colorido de órgão ou estrutura isolada). Se houver interesse também na avaliação do fluxo na válvula tricúspide, deverá ser solicitada outra quantidade do mesmo código, pois trata-se de outra estrutura.
DETERMINAÇÃO DO RISCO FETAL E EXAME MORFOLÓGICO DE PRIMEIRO TRIMESTRE Considerando que um dos objetivos do exame ultrassonográfico de primeiro trimestre é a avaliação da translucência nucal para avaliar o risco de cromossomopatias, e que sua realização faz parte de um critério de qualidade preconizada por instituições internacionais, este procedimento deveria ser rotina no exame morfológico de primeiro trimestre. Todavia, novamente considerando a TUSS, o cálculo de risco fetal é um procedimento à parte, que tem a seguinte codificação e nomenclatura: 4.05.02.058 – Determinação do risco fetal com elaboração de laudo. Caso o obstetra deseje a realização do exame morfológico e o cálculo de risco fetal, deverá solicitar os dois procedimentos. Os marcadores que serão incluídos no cálculo de risco são aqueles solicitados no conjunto no exame.
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Capítulo 2
Diagnóstico de Cromossomopatia no Primeiro Trimestre de Gestação Danielle do Brasil de Figueiredo, Marcelo de Oliveira Lima Filippo, Evaldo Trajano de Souza Silva Filho
INTRODUÇÃO Em 1866, Langdon Down relatou que, em indivíduos acometidos pela trissomia do cromossomo 21, condição que hoje leva seu nome, a pele parecia excessiva para o corpo, o nariz era pequeno e o rosto, achatado. Na última década, tornou-se possível observar essas características durante o exame ultrassonográfico de primeiro trimestre da gestação, em especial um acúmulo excessivo de fluido na nuca do feto, conhecido como translucência nucal (TN), e a ausência do osso nasal do feto. Isso proporcionou um avanço enorme no aconselhamento do casal sobre os riscos de anomalias cromossômicas e determinou consideráveis mudanças no diagnóstico pré-natal de primeiro trimestre, pois aproximadamente 75% dos fetos portadores da trissomia do cromossomo 21 têm a medida da TN aumentada e em 60% a 70% o osso nasal está ausente. Neste capítulo, serão abordados os métodos de rastreio e diagnóstico de cromossomopatias no primeiro trimestre da gestação. Os principais marcadores bioquímicos e biofísicos atuais serão discutidos, assim como as perspectivas para o futuro. O enfoque é prático e visa auxiliar o clínico em seu exercício diário, em especial na sua forma de aconselhar casais durante a ultrassonografia de primeiro trimestre.
DIAGNÓSTICO DE ALTERAÇÕES CROMOSSÔMICAS A diferença entre métodos de diagnóstico e rastreamento (rastreio) de cromossomopatias muitas vezes gera erro na interpretação de seus resultados. Não é incomum que os pacientes, ou até mesmo os médicos, considerem o resultado de um teste de rastreamento como o diagnóstico final de uma doença. O teste de rastreio tem como objetivo selecionar, em uma população, indivíduos que possuem maior risco de acometimento para uma determinada doença. Já o teste de diagnóstico determina a presença ou não de determinada doença em um indivíduo.
Testes diagnósticos Os testes diagnósticos para cromossomopatia podem ser invasivos ou não invasivos.
Métodos Invasivos – Biópsia de vilo corial (BVC) e amniocentese São realizados por meio da coleta e análise citogenética do vilo corial (BVC) ou do líquido amniótico (amniocentese). A BVC consiste na punção e aspiração de fragmentos das vilosidades coriônicas por meio da inserção de uma agulha na placenta. Deve ser realizada entre 11 e 15 semanas, pois, quando realizada antes da 11ª semana de gestação pode causar malformação, como amputação transversa dos membros, e, após a 15ª semana, há redução da celularidade placentária, o que dificulta a análise citogenética. Na amniocentese, insere-se uma agulha na cavidade amniótica e aspira-se uma amostra de líquido amniótico para análise. Pode ser realizada a partir da 16ª semana, quando oferece menor risco de malformação congênita (pé torto) e rotura prematura da membrana. Ambos os testes invasivos, quando realizados nos períodos anteriormente definidos, apresentam risco de perda gestacional em torno de 1%.
Métodos não Invasivos – pesquisa de DNA fetal no sangue materno O estudo do DNA fetal no sangue periférico materno permite o diagnóstico de cromossomopatias fetais sem o risco de perda gestacional. Os estudos com sequenciamento de DNA fetal livre no plasma materno ainda apresentam resultados controversos na literatura, porém, no futuro, esses métodos poderão substituir os diagnósticos invasivos. Atualmente, os testes não invasivos são indicados em situações específicas, como a tipagem sanguínea fetal do sistema Rhesus em mães Rhesus negativa sensibilizadas com parceiro Rhesus positivo.
Rastreamento de alterações cromossômicas – Testes de Rastreamento O rastreamento pode ser definido como a seleção de um grupo, dentro da população em geral, que apresenta risco suficiente para uma determinada condição, justificando subsequentes investigações ou procedimentos diagnósticos geralmente mais complicados e com custo muito elevado. Os métodos de rastreamento são introduzidos com o objetivo de beneficiar preferencialmente grande parte da população em geral e, dentro deste aspecto, oferecer informação individual. O rastreamento pode ser realizado de maneira simples, por meio de perguntas, como, por exemplo, a idade materna (no rastreamento para trissomias), a história obstétrica, ou por meio de testes especiais, como a avaliação de proteínas no soro materno (no rastreamento bioquímico). Um teste de rastreamento identifica indivíduos com maior risco para uma determinada doença, e sua eficácia se dá por sua taxa de detecção (definida como sensibilidade do teste) para uma taxa de falso positivo para dada doença (que, no caso das cromossomopatias, será, de maneira prática, o número de indivíduos com indicação formal para realizar testes diagnósticos). Os testes de rastreio podem ser utilizados isoladamente, porém a associação de vários testes melhora de maneira significativa a taxa de detecção (maior sensibilidade) com uma menor taxa de falso positivo, ou seja, de indivíduos com indicação formal de realizar procedimentos invasivos para um diagnóstico definitivo. Todavia, os testes devem ser independentes entre si, caso contrário, haverá necessidade de utilizar tratamento estatístico específico para corrigir os vieses gerados pela inter-relação entre eles. No fim, teremos um fator de correção pelo qual o risco basal (história clínica da paciente ou fator de risco) é multiplicado, fornecendo um risco específico para aquela gestante. Toda mulher corre risco de ter um filho com anomalia cromossômica. Para se calcular esse risco individualmente, é necessário levar em consideração o risco basal ou risco a priori. Tal risco é oriundo da história clínica da paciente e comumente gera riscos gerais. Em relação às cromossomopatias, o risco basal é determinado basicamente pela idade materna, história pregressa de cromossomopatias e idade gestacional. Por exemplo, o risco de uma primigesta de 35 anos ter um filho com síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21), síndrome de Edwards (trissomia do cromossomo 18) e síndrome de Patau (trissomia do cromossomo 13) é de 1 em 356 (0,28%), 1 em 4.202 (0,02%) e 1 em 9.876 (0,01%), respectivamente.
Idade materna Desde 1909, quando Shuttleworth observou que um terço das crianças com síndrome de Down nasciam de gestantes próximas ao climatério, a idade materna foi identificada como importante método de identificação de risco (fator de risco) para a síndrome de Down. Assim, quanto maior a idade materna, maior será o risco para a cromossomopatia, ou seja, uma mãe de 20 anos tem risco menor que uma de 40 anos (Tabela 2-1). No entanto, a idade materna isolada apresenta baixa taxa de detecção, ou seja, se considerarmos as gestações que ocorrem em mulheres com idade igual ou superior a 35 anos, identificaremos aproximadamente 30% (taxa de detecção ou sensibilidade) dos fetos com trissomia do cromossomo 21 para uma taxa de falso positivo de aproximadamente 15%. Concluímos que a maioria desses fetos nasce de mães com menos de 35 anos.
TABELA 2-1 Risco estimado para trissomia dos cromossomos 21, 18 e 13 (estimada em 1/número apresentado na tabela) em relação à idade materna e à idade gestacional.
A exemplo do que ocorre com a síndrome de Down, o risco da maioria das alterações cromossômicas aumenta com o avançar da idade materna (Fig. 2-1). Por outro lado, a idade materna parece não interferir no risco de triploidia, de síndrome de Turner (45,X0) e de outras alterações dos cromossomos sexuais (47,XXX, 47,XXXY e 47,XYY).
FIGURA 2-1 Risco de alterações cromossômicas relacionado à idade materna (A) e à idade gestacional (B). Em B, as
linhas representam o risco relativo, de acordo com o risco na 10ª semana de gestação.
Idade gestacional (IG) A taxa de óbito fetal espontâneo aumenta com o avançar da idade gestacional em fetos com alterações cromossômicas (Fig. 21). A chance de um feto com Síndrome de Down morrer entre a 12ª e a 40ª semana de gestação é de 30%, e dos fetos com síndrome de Edwards e Patau é de 80%. Assim, o risco de uma primigesta de 35 anos ter um filho com síndrome de Down na 12ª semana de gestação é de 1 em 249 (0,4%) e, na 40ª semana, é de 1 em 356 (0,28%); o risco de a mesma primigesta ter um filho com síndrome de Patau na 12ª semana de gestação é de 1 em 1.826 (0,05%) e, na 40ª semana, é de 1 em 9.876 (0,01%) (Tabela 2-1). A prevalência da síndrome de Turner é de aproximadamente 1 em 1.500 (0,06%) na 12ª semana de gestação, 1 em 3.000 na 20ª semana (0,03%) e 1 em 4.000 na 40ª semana (0,025%). Para as outras alterações dos cromossomos sexuais (47,XXX, 47,XXXY e 47,XYY), a taxa de óbito fetal espontâneo não é maior do que em fetos normais, assim, a prevalência total é de, aproximadamente, 1 em 500 casos (0,20%) e não diminui com a idade gestacional. A poliploidia afeta aproximadamente 2% das concepções diagnosticadas, mas é altamente letal e, sendo assim, muito raramente é observada em nascidos vivos, ou seja, a taxa de óbito fetal espontâneo (letalidade) é de, aproximadamente, 100%. A prevalência dessa alteração na 12ª e na 20ª semana de gravidez é de, aproximadamente, 1 em 2.000 (0,05%) e 1 em 250.000 (0,0004), respectivamente.
História obstétrica Mães que já conceberam um feto com uma trissomia apresentam chance de recorrência de, aproximadamente, 0,75%. O risco é trissomia-específico, isto é, o risco está aumentado para a mesma trissomia. Por exemplo, o risco de recorrência de síndrome de Down em uma secundigesta com 35 anos é de 1 em 97 (1,03%, risco basal considerando a idade materna = 0,28% + risco de recorrência de 0,75%), o risco de recorrência de síndrome de Edwards em uma secundigesta com 35 anos é de 1 em 130 (0,77%, risco basal considerando a idade materna = 0,02% + risco de recorrência de 0,75%) e o risco de recorrência de síndrome de Patau em uma secundigesta com 35 anos é de 1 em 133 (0,76%, risco basal considerando a idade materna = 0,01% + risco de recorrência de 0,75%). O mecanismo possivelmente responsável pelo aumento no risco das pacientes com história anterior de cromossomopatia é o fato de que, em uma pequena proporção (menos de 5%) dos casais que tiveram uma gravidez previamente acometida, existe mosaicismo de um dos genitores ou um defeito genético que interfere no processo normal de disjunção. Todavia, não há necessidade de realizar o cariótipo de um casal que tenha apresentado um feto acometido por cromossomopatia, exceto na pesquisa de casais com diagnóstico de abortamento precoce habitual (três ou mais perdas fetais de primeiro trimestre).
Marcadores biofísicos Algumas alterações comuns aos fetos com cromossomopatias podem ser identificadas por meio do exame ultrassonográfico do primeiro trimestre e são, atualmente, utilizadas na identificação das gestantes com risco para cromossomopatias.
Translucência nucal A translucência nucal (TN) é a imagem ultrassonográfica do acúmulo de líquido que se forma na região da nuca fetal durante o primeiro trimestre da gestação (Fig. 2-2).
FIGURA 2-2 Feto de 12 semanas, retângulo evidencia o acúmulo de líquido na região nucal. Figura superior, aspecto real da translucência nucal. Figura inferior, imagem ultrassonográfica demonstrando translucência nucal aumentada. O acúmulo de fluido nucal no primeiro trimestre foi primeiramente descrito por Szabó e Gellen, em 1990, que observaram em 105 fetos um acúmulo superior a 3 mm em todos os fetos com trissomia do cromossomo 21 (sete casos) e em apenas um feto com cariótipo normal. Em 1992, o grupo do professor Nicolaides publicou estudo com 827 gestantes, com idade superior a 35 anos, que foram avaliadas no primeiro trimestre e optaram por realizar pesquisa do cariótipo fetal. Nesse estudo preliminar, foram diagnosticados 18 casos de síndrome de Down em um grupo de 51 fetos (35,2%) com translucência nucal maior ou igual a 3 mm e 10 casos em um grupo de 776 fetos (1,3%) com TN inferior a 3 mm. Esses estudos pioneiros foram seguidos por outros que determinaram diferentes pontos de corte para a anormalidade da translucência nucal. Em virtude desses estudos iniciais, surgiu um conceito hoje abandonado de que a translucência nucal estaria aumentada caso a espessura fosse maior ou igual a 2,5 mm. Em estudo organizado pela Fetal Medicine Foundation (FMF) no qual 100 mil gestações foram avaliadas no primeiro trimestre, demonstrou-se que, em fetos normais, a medida da TN aumenta com o CCN. A mediana e o percentil 95 da TN para um CCN de 45 mm são, respectivamente, 1,2 mm e 2,1 mm; os valores respectivos para um CCN de 84 mm são de 1,9 mm e 2,7 mm (Tabela 2-2). Essas especificações são utilizadas em um programa de rastreamento usado mundialmente. A TN aumentada refere-se a medidas acima do percentil 95 e o termo é utilizado independentemente de a coleção de fluido ser septada ou não, de estar restrita à região cervical ou de englobar todo o feto. O percentil 99 não se altera significativamente com o CCN, sendo de cerca de 3,5 mm. Após a 14ª semana, a TN aumentada geralmente se normaliza, mas, em alguns casos, evolui para edema nucal ou para higromas císticos.
TABELA 2-2 Distribuição normal da espessura da translucência nucal em fetos com comprimento cabeça nádegas (CCN) de 45 a 85 mm.
A TN aumentada está associada à trissomia do cromossomo 21, à síndrome de Turner, a outras anomalias cromossômicas, a cardiopatia congênita, malformações estruturais, infecções congênitas e também a síndromes genéticas. Quanto maior a medida da TN, maior o risco de anomalias cromossômicas (Tabela 2-3, Fig. 2-3).
TABELA 2-3 Estudo multicêntrico coordenado pela Fetal Medicine Foundation (FMF). Número de gestantes (N) com TN acima do percentil 95 e risco estimado para trissomia do cromossomo 21 de 1 em 300 ou mais, baseado na idade materna, na translucência nucal (TN) e no comprimento cabeça-nádegas (CCN).
FIGURA 2-3 Medida da TN em 326 fetos com T21, projetada no gráfico de distribuição normal para o CCN (5º e 95º percentis). Cortesia do Prof. Kypros H. Nicolaides, King’s College Hospital, Reino Unido.
A incidência dessas anomalias está relacionada à espessura da TN, e não à sua aparência. Assim, no primeiro trimestre de gestação, o termo TN é genérico, sendo utilizado independentemente de haver septações, e podendo restringir-se ao pescoço ou englobar todo o feto. A TN não deve ser utilizada como sinônimo de edema nucal ou higroma cístico, pois estas designações descrevem acúmulo excessivo de fluido na região cervical posterior do feto no segundo e terceiro trimestres de gestação. Durante o segundo trimestre a TN tende a desaparecer, porém, em alguns casos, evolui para edema nucal (espessamento da região cervical) ou higromas císticos (linfangioma, malformação linfática caracterizado por lesão cística septada encontrada mais frequentemente na região cervical) com ou sem hidropisia fetal. Em cerca de 75% dos fetos com higromas císticos existe uma anomalia cromossômica, e em 95% deles a anomalia é a síndrome de Turner. O edema nucal tem etiologia variada. Em um terço dos casos, anomalias cromossômicas são encontradas, e, em cerca desses, 75% são as trissomias dos cromossomos 21 ou 18. O edema também está associado a defeitos cardiovasculares e pulmonares, displasias esqueléticas, infecções e distúrbios metabólicos e hematológicos. Portanto, o prognóstico de fetos cromossomicamente normais com edema nucal é geralmente ruim. Com o objetivo de avaliar o risco individual de alterações cromossômicas, a medida da TN deve seguir o padrão descrito a seguir (Fig. 2-4, Fig. 2-5, Fig. 2-6): • A medida do CCN deve estar entre 45 e 84 mm. • A medida deve ser realizada em corte sagital de um feto em posição neutra, isto é, sem hiperflexão ou hiperextensão da cabeça. • A imagem deve ser ampliada de maneira que apenas a cabeça e a parte superior do tórax sejam vistas, e que um movimento mínimo do calibrador gere uma modificação de apenas 0,1 mm na medida. • A TN é um espaço anecoico localizado entre a pele e o tecido subcutâneo que recobre a coluna cervical, e deve ser medida em sua maior espessura (máxima lucência). • Para maior nitidez das linhas, recomenda-se reduzir o ganho e não utilizar harmônica. • A medida da TN deve ser realizada posicionando-se os calibradores de medida sobre as linhas, pele e tecido subcutâneo que a definem. • Devem-se realizar várias medidas da TN durante o exame e utilizar a maior delas.
FIGURA 2-4 Corte sagital para avaliação da translucência nucal.
FIGURA 2-5 Corte sagital do pólo cefálico e do tórax fetal demonstrando a técnica padrão para aferição da translucência nucal. Em A, corte sagital, com feto em posição neutra e magnificação de 75%. Identificação da máxima lucência (B). Colocação adequada dos calipers (C).
FIGURA 2-6 Corte sagital para avaliação da translucência nucal indicando o osso nasal. É de suma importância que a medida da TN seja feita dentro dos padrões estabelecidos para que a taxa de detecção (sensibilidade) seja acurada, com baixa taxa de falso positivo.
Frequência cardíaca fetal Em gestações normais, a frequência cardíaca fetal (FCF) aumenta de, aproximadamente, 100 bpm na quinta semana de gestação para 170 bpm na 10ª semana, para, então, diminuir para 155 bpm na 14ª semana. Entre a 11ª e a 13ª semana, a trissomia do cromossomo 13 e a síndrome de Turner estão associadas a FCF acima do percentil 95 para a idade gestacional e a trissomia do cromossomo 18 e as triploidias estão associados a FCF abaixo do percentil 5. Por outro lado, em fetos com síndrome de Down existe discreto aumento da FCF e é pouco provável que a medida
da FCF seja utilizada como teste de rastreamento na trissomia do cromossomo 21 no primeiro trismestre. Todavia, a FCF é importante na identificação de fetos com trissomia do cromossomo 13.
Osso Nasal (ON) Estudos antropométricos em pacientes com síndrome de Down relataram que a raiz nasal era anormalmente curta em 50% dos casos. De forma semelhante, estudos radiológicos post mortem em fetos com essa cromossomopatia revelaram ausência de ossificação ou hipoplasia do osso nasal em aproximadamente 50% dos casos. Estudos ultrassonográficos em gestantes com idade gestacional entre 15 e 24 semanas indicaram que cerca de 65% dos fetos com síndrome de Down apresentavam o osso nasal ausente ou curto. Assim como a TN, o ON também pode ser identificado à ultrassonografia quando o CCN estiver entre 45 e 84 mm. Os mesmos parâmetros de magnificação, corte sagital e correção de ganho, obrigatórios para a avaliação da TN, devem ser mantidos. Uma vez obtida essa imagem, três estruturas precisam ser observadas: a ponta do nariz em um nível superior, a pele e, logo abaixo, uma linha mais ecogênica e mais espessa que a pele, que corresponde ao ON (Figs. 2-5 e 2-6). Ao contrário do que ocorre no segundo trimestre, no primeiro trimestre não há necessidade de medir o osso nasal, avaliamos apenas sua presença ou ausência. Vários estudos têm demonstrado alta associação entre a ausência do osso nasal no primeiro trimestre (11ª e 13ª semanas) e a síndrome de Down e outras anomalias cromossômicas (Nicolaides, 2004). Nos dados combinados desses estudos, com um total de 15.822 fetos, o perfil fetal foi examinado com sucesso em 97,4% dos casos, estando o osso nasal ausente em 1,4% dos fetos cromossomicamente normais e em 69% dos fetos com trissomia do cromossomo 21. Esses estudos revelaram que a prevalência de ausência do osso nasal diminui proporcionalmente com o aumento do CCN, aumenta proporcionalmente com o aumento da espessura da TN e demonstra que sua prevalência é maior na população afro-caribenha do que na caucasiana. Assim, no cálculo de risco (likelihood ratio) para o rastreamento de cromossomopatia, ajustes estatísticos devem ser feitos levando-se em consideração esses fatores para que o resultado seja acurado.
Ducto venoso O ducto venoso (DV) é uma intercomunicação da circulação fetal que liga a veia umbilical à veia cava inferior. Com isso, promove o transporte da maior parte do sangue oxigenado para o coração fetal e, por meio de um fluxo preferencial do sangue através do forame oval para o átrio esquerdo, direciona o sangue bem oxigenado da veia umbilical para a circulação coronária e cerebral. O DV mede aproximadamente um terço da espessura da veia umbilical e pode ser identificado em toda a sua extensão através de um corte sagital do tronco fetal. Pode também ser visualizado por meio de corte transversal, discretamente oblíquo, do abdome fetal, a partir da altura da inserção do cordão umbilical. A porção intra-abdominal da veia umbilical é visualizada com o mapeamento colorido de fluxo, e a sua bifurcação em seio portal e DV é identificada, pois na sua porção inicial ocorre um turbilhamento do sangue, o que provoca um efeito de mistura de cores (aliasing). Nesse local, é possível obter o sonograma característico desse vaso (Fig. 2-7).
FIGURA 2-7 Corte parassagital do abdome e tórax fetal para avaliação do ducto venoso (A). Colocação da amostra de volume no ponto de turbilhonamento (aliasing). Fluxo normal caracterizado pela onda a positiva (B) e fluxo anormal caracterizado pela onda a negativa (C). O fluxo normal DV caracteriza-se por uma onda de alta velocidade durante a sístole ventricular (onda S), a diástole (onda D) e o fluxo positivo durante a contração atrial (onda a). O fluxo anormal, isto é, a onda a reversa, no DV, entre 11 e 13 semanas e 6 dias (CCN entre 45 a 84 mm), associa-se a anomalias cromossômicas, cardiopatias congênitas e óbito fetal. Para obter o sonograma do fluxo normal DV, é preciso estabelecer as seguintes condições: • O feto deve estar imóvel • A magnificação da imagem deve ocorrer de forma que o tórax e abdome fetais ocupem toda a tela, obtendo-se um corte parassagital direito do tronco fetal • A identificação da veia umbilical, do DV e do coração fetal deve ser realizada por meio do mapeamento com Doppler colorido • O tamanho do volume de amostra deve estar entre 0,5 e 1,0 mm e colocado sobre a área do turbilhamento do sangue aliasing • O filtro de parede deve ser ajustado em baixa frequência (50 a 70 Hz). • A velocidade de varredura deve ser alta (2 a 3 cm/s). Seguindo esses critérios, espera-se encontrar cerca de 3% de fetos euploides (cromossomicamente normais) com fluxo anormal no DV (onda a reversa). Observa-se alteração do fluxo nesse vaso em 65% dos fetos com síndrome de Down, 55% dos portadores de trissomia do cromossomo 18 e 55% daqueles com trissomia do cromossomo 13. Os fatores que elevam a probabilidade de que o fluxo se mostre alterado são os mesmos do ON, isto é, IG mais baixa, TN aumentada e raça negra.
Regurgitação da tricúspide (RT) O fluxo anormal na valva tricúspide no primeiro trimestre (entre 11 e 13 semanas) associa-se a anomalias cromossômicas e cardiopatias congênitas. Considera-se RT quando o pico do fluxo reverso atinge uma velocidade maior que 60 cm/s e permanece por aproximadamente metade da duração da sístole (Fig. 2-8).
FIGURA 2-8 Corte axial apical do tórax fetal identificando o coração na posição de quatro câmaras (A), posicionando a amostra de volume sobre a valva tricúspide. Fluxo normal (B) e fluxo anormal caracterizado pela regurgitação tricúspide (C). O seguintes critérios são necessários para a avaliação da valva tricúspide: • O feto deve estar imóvel e o CCN deve estar entre 45 e 84 mm • A magnificação da imagem deve ocorrer de forma que o tórax fetal ocupe toda a tela, obtendo-se um corte de quatro câmaras apical • Deve-se utilizar preset de ecocardiografia fetal, e não Doppler colorido • O tamanho do volume de amostra deve estar entre 2,0 e 3,0 mm e ser posicionado de maneira a abranger toda a valva tricúspide • O ângulo entre a amostra e o septo interventricular deve ter menos de 30 graus • Devem-se fazer três avaliações, alterando discretamente o local amostrado para se obter informações dos três folhetos. Seguindo esses critérios, espera-se encontrar RT, aproximadamente, em 1% de fetos euploides, em 55% dos fetos com síndrome de Down e 30% dos portadores de trissomia do cromossomo 18 ou 13. A TN aumentada e a IG mais precoce são fatores que elevam a probabilidade de haver RT. É importante ressaltar que tanto o DV quanto a avaliação da RT são de difícil execução e necessitam de operadores treinados e experientes.
Marcadores Bioquímicos Os marcadores bioquímicos são produtos fetoplacentários encontrados no plasma materno. Atualmente, é possível dosar a fração livre do β-hCG (β-hCG) e proteína plasmática A específica da gestação (PAPP-A) para o rastreio de aneuploidias no primeiro trimestre de gestação. O equipamento e os reagentes utilizados, a IG, o peso materno, a etnia materna, o tabagismo, o número de fetos e o fato de ser a gestação fruto de fertilização in vitro ou não são fatores que influenciam os níveis dos marcadores bioquímicos e precisam ser levados em consideração quando se utiliza esse método para o rastreio de anomalias cromossômicas. O nível sérico de β-hCG em gestações normais diminui com a IG, enquanto a titulação da PAPP-A aumenta. As aneuploidias mais comuns seguem um padrão característico de concentração dessas substâncias no soro materno (Tabela 2-4). TABELA 2-4 Desvio padrão (estimado em múltiplos da mediana – MoM) da concentração sérica de sérica de ß-hCG e PAPP-A em fetos euplóides e em portadores de aneuploidias entre 11 e 13 semanas e 6 dias. Cariótipo
β-hCG (MoM)
PAPP-A (MoM)
Euploides
1,0
1,0
Trissomia 21
2,0
0,5
Trissomia 18
0,2
0,2
Trissomia 13
0,4
0,3
Síndrome de Turner
1,2
0,5
Digínica
0,2
0,1
Diândrica
9,0
0,7
Triploidia
A performance da PAPP-A é melhor entre a 9ª e a 10ª semana do que na 13ª semana porque a diferença na titulagem entre fetos trissômicos e normais é maior. Essa diferença tem o comportamento inverso em relação à dosagem do β-hCG, uma vez que ela aumenta com a idade gestacional. No entanto, a magnitude dessa variação é menor que a da PAPP-A.
Rastreamento combinado Testes de rastreio podem ser associados à finalidade de aumentar a taxa de detecção e reduzir o falso positivo para dada doença. Existem várias estratégias para a realização desses testes. A Tabela 2-5 compara o resultado dos testes e comprova a melhoria da performance quando utilizados em conjunto. TABELA 2-5 Comparação da taxa de detecção (sensibilidade) e da taxa de falso positivo dos diferentes métodos de rastreamento da trissomia do cromossomo 21. Método de Rastreio
Taxa de Detecção (%)
Taxa de Falso Positivo (%)
Idade materna (IM)
30
15
IM + TN
75-80
5
IM + TN + ON
83
2,9
IM + TN + DV
85
2,7
IM + TN + RT
85
2,7
IM + β-hCG + PAPP-A
60-70
5
IM + TN + β-hCG + PAPP-A (teste combinado)
85-95
5
Teste combinado + ON ou RT ou DV
93-96
2,5
TN, translucência nucal; β-hCG, fração β-livre da gonadotrofina coriônica humana; PAPP-A, proteína plasmástica A específica da gestação; ON, osso nasal; RT, regurgitação da valva tricúspide; DV, ducto venoso.
Rastreio combinado com marcadores bioquímicos A utilização da IM, da IG, da FCF, da TN e dos marcadores bioquímicos β-hCG e PAPP-A, ou teste combinado, são suficientes para o rastreio em fetos com risco menor que 1 para 1.000, pois cria uma taxa de detecção em torno de 90% e um falso positivo de 5%. Essa eficácia é obtida quando a avaliação bioquímica é realizada com 12 semanas. Outra opção é realizar o rastreio com os marcadores bioquímicos entre 9 e 10 semanas e associá-lo ao exame ultrassonográfico na 12ª semana. Dessa forma, haverá aumento na taxa de detecção para 93% a 94%. Uma terceira alternativa seria a dosagem de PAPP-A com 9 a 10 semanas, avaliação ultrassonográfica com 12 semanas e dosagem de β-hCG na 12ª semanas ou depois, para uma taxa de detecção de 95%. Essas duas últimas estratégias visam otimizar a taxa de detecção, já com bons resultados, porém aumentam custos e geram inconvenientes que diminuem a adesão das gestantes. Em fetos cujo risco corrigido após o teste combinado estiver entre 1 para 51 e 1 para 1.000, outros marcadores biofísicos (ON ou DV ou RT) devem ser utilizados para melhorar a taxa de detecção e reduzir o falso positivo (96% e 2,5%, respectivamente). Para conceptos com o risco corrigido maior que 1 para 50, devem-se oferecer métodos invasivos para diagnóstico. Rastreio combinado sem marcadores bioquí-micos Diante da indisponibilidade do estudo bioquímico para o rastreio, devem-se utilizar a IM, a IG, a FCF e a TN associadas a outros marcadores biofísicos adicionais, como ON, DV ou RT, pois aumentam as taxas de detecção e reduzem o falso positivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Oferecer um serviço de rastreamento de qualidade no primeiro trimestre da gravidez aumenta significativamente a autonomia das gestantes. Assim, o rastreio de cromossomopatias no primeiro trimestre deve ser universal. Os marcadores bioquímicos deveriam ser usados no rastreio do primeiro trimestre, pois, além de aumentar a acurácia do rastreamento, possibilita uma avaliação combinada entre feto e produtos produzidos pela placenta. Contudo, na ausência desses, outros marcadores biofísicos podem substituí-los com bons resultados. Com o avanço da tecnologia, novos marcadores bioquímicos e biofísicos são descobertos e estudados. Recentemente, pesquisou-se o fluxo na artéria hepática para rastreamento de T21 com bons resultados iniciais. Da mesma forma, novos estudos indicam que a dosagem da alfafetoproteína e do estradiol previamente utilizados no segundo trimestre, pode reduzir a taxa de falso positivo no rastreio de T21 se associados ao teste combinado. Entretanto, a maior promessa para o futuro consiste na pesquisa de DNA fetal em sangue materno, a princípio como um método de rastreio e, quem sabe, como método de diagnóstico.
CARACTERÍSTICAS ULTRASSONOGRÁFICAS DAS PRINCIPAIS ALTERAÇÕES CROMOSSÔMICAS NO PRIMEIRO TRIMESTRE No primeiro trimestre, como descrito anteriormente, todas as alterações cromossômicas graves estão associadas à TN aumentada, o que faz da translucência nucal o principal marcador para todas as alterações cromossômicas graves. A TN segue dois tipos de distribuição, sendo uma dependente do CCN e outra independente do CCN. A distribuição em que a TN aumenta com o CCN é a mesma para fetos cromossomicamente anormais e normais, mas a proporção que segue essa distribuição é grande no grupo não afetado (cerca de 95%) e pequena no grupo com cariótipo anormal, sendo o aumento de cerca de 5%, 30%, 15% e 10% para trissomias 21, 18, 13 e síndrome de Turner, respectivamente. Em contraste, a proporção de casos em que TN não se altera com o avançar da gestação é pequeno para gestações com fetos cromossomicamente normais e grande para o grupo anormal. Além disso, a mediana da TN é diferente, sendo 2,0 mm para o grupo não afetado e 3,4 mm, 5,5, 4,0 e 7,8 para trissomias 21, 18, 13 e síndrome de Turner, respectivamente. Além de aumento da TN, cada alteração cromossômica tem um padrão de anomalias detectáveis. Na trissomia do cromossomo 21, 60% a 70% dos fetos não têm o osso nasal visível, 25% têm o maxilar superior curto e 80% apresentam fluxo anormal no ducto venoso observado ao Doppler. Na trissomia do cromossomo 18 existe restrição de crescimento intrauterino de início precoce, tendência a bradicardia, onfalocele em 30% dos casos, osso nasal não visível em 55% dos casos e artéria umbilical única em 75% dos casos. Na trissomia do cromossomo 13, há taquicardia em mais de 65% dos casos, restrição de crescimento intrauterino, megabexiga, holoprosencefalia ou onfalocele em cerca de 40% dos casos. Na síndrome de Turner, existe taquicardia em cerca de 50% dos casos com restrição de crescimento intrauterino de início precoce. Na triploidia existe restrição de crescimento intrauterino assimétrico e precoce, bradicardia em 30% dos casos, holoprosencefalia, onfalocele em cerca de 40% dos casos e alterações da placenta em cerca de 30% dos casos.
Restrição de crescimento intrauterino A trissomia do cromossomo 18 e a triploidia estão associadas à restrição de crescimento intrauterino moderada a intensa, enquanto a trissomia do cromossomo 13 e a síndrome de Turner estão relacionadas a uma leve restrição de crescimento; na trissomia do cromossomo 21, o crescimento é normal. Assim, sugerimos que a redatação da data provável do parto seja feita de maneira criteriosa após avaliação consistente da data da última menstruação, das características dos ciclos menstruais e dos prováveis medicamentos utilizados pela gestante que poderiam alterar o fluxo menstrual (indutores de ovulação e parada recente de anticoncepcional hormonal).
Onfalocele No primeiro trimestre, a incidência de onfalocele (Fig. 2-9) é de cerca de 1 em 1.000, quatro vezes maior do que em recémnascidos. A incidência de alterações cromossômicas em fetos com onfalocele, principalmente da trissomia do cromossomo 18, é de aproximadamente 60% no primeiro trimestre, comparada a aproximadamente 30% na metade da gestação e 15% em neonatos.
FIGURA 2-9 Corte sagital do abdome e tórax fetal evidenciando onfalocele. O risco de trissomia do cromossomo 18 aumenta com a idade materna, mas, pelo fato de essa cromossomopatia estar associada a alta mortalidade intrauterina, sua prevalência diminui com a idade gestacional. Por outro lado, a taxa de óbito em fetos cromossomicamente normais com onfalocele não é mais alta do que em fetos sem essa anomalia estrutural. Consequentemente, a prevalência de onfalocele e o risco associado de alterações cromossômicas aumentam com a idade materna e diminuem com a idade gestacional. Em fetos com onfalocele, a TN aumentada é observada em aproximadamente 85% daqueles com aberrações cromossômicas e em 40% dos cromossomicamente normais.
Artéria umbilical única A artéria umbilical única, encontrada em aproximadamente 1% dos recém-nascidos, está associada a malformações de todos os principais órgãos e a alterações cromossômicas graves. No primeiro trimestre de gravidez, as artérias podem ser visualizadas, por meio do mapeamento com Doppler colorido, em corte transverso oblíquo do abdome inferior do feto. Nessa época, a artéria umbilical única é encontrada em aproximadamente 3% dos fetos cromossomicamente normais e em 80% dos fetos com trissomia do cromossomo 18. Em fetos com artéria umbilical única, o número observado de indivíduos com trissomia do cromossomo 21 não é significativamente diferente do número estimado com base na idade materna e na medida da TN. Em contrapartida, a artéria umbilical única está associada a um aumento de sete vezes no risco de trissomia do cromossomo 18. No entanto, grande parte dos fetos com trissomia do cromossomo 18 tem outras anomalias graves que podem ser detectadas entre 16 e 20 semanas de gestação. Portanto, é pouco provável que o achado de artéria umbilical única seja, por si só, um fator de risco importante que possa gerar indicação para cariótipo fetal.
MEGABEXIGA A bexiga do feto pode ser visualizada por meio da ultrassonografia em cerca de 80% dos fetos na 11ª semana de gestação e em todos os casos na 13ª semana. Nessa idade gestacional, o comprimento da bexiga fetal é menor do que 6 mm. No primeiro trimestre, definimos megabexiga fetal como um diâmetro longitudinal maior ou igual a 7 mm, sendo encontrada em cerca de 1 a cada 1.500 gestações (Fig. 2-10).
FIGURA 2-10 Corte sagital do abdome e tórax fetal evidenciando megabexiga. Quando o diâmetro longitudinal da bexiga está entre 7 e 15 mm, a incidência de alterações cromossômicas, principalmente a trissomia dos cromossomos 13 e 18, é de cerca de 20%, mas, no grupo cromossomicamente normal, existe resolução espontânea em cerca de 90% dos casos. Quando a megabexiga tem diâmetro acima de 15 mm, a incidência de alterações cromossômicas é de aproximadamente 10%, mas no grupo cromossomicamente normal essa condição está invariavelmente associada a uropatia obstrutiva baixa. A megabexiga está associada ao aumento da TN, que foi observado em cerca de 75% dos fetos com anomalias cromossômicas e em cerca de 30% dos fetos com cariótipo normal. Levando-se em consideração a idade materna e a medida da TN, a presença de megabexiga aumentou a probabilidade de trissomia dos cromossomos 13 e 18 por um fator de 6,7.
Holoprosencefalia A holoprosencefalia ocorre em 1 a cada 10.000 nascidos vivos. Apesar de haver situações em que a anomalia é de origem cromossômica ou genética, na maioria delas a sua etiologia é desconhecida A prevalência total de holoprosencefalia em alterações cromossômicas é de 30%, sendo as mais comuns as trissomias dos cromossomos 13 e 18. A holoprosencefalia está comumente associada a anomalias da linha média da face, mas a incidência de cromossomopatias só está aumentada em fetos com holoprosencefalia e malformações não faciais, não naqueles em que a holoprosencefalia está isolada, ou é acompanhada somente por defeitos faciais.
Cistos de plexo coroide, pielectasia e foco ecogênico cardíaco Entre 11 e 13+6 semanas de gestação, a prevalência de cistos de plexo coroide, pielectasia (hidronefrose) e foco ecogênico cardíaco foi de 2,2, 0,9 e 0,6. Resultados preliminares sugerem que, da mesma maneira que no segundo trimestre, a prevalência desses marcadores no primeiro trimestre talvez seja mais elevada em fetos com alterações cromossômicas do que em fetos normais. No entanto, o cálculo dos riscos relativos requer o estudo de um número muito maior de fetos com aberrações cromossômicas para se poder determinar a incidência desses marcadores nesse período da gravidez.
Volume placentário O volume placentário, determinado por meio da ultrassonografia tridimensional entre 11 e 13+6 semanas de gravidez, aumenta com o CCN. Em fetos com trissomia do cromossomo 21, o volume placentário não é significativamente diferente do normal, mas, em gestações acometidas pela trissomia do cromossomo 18, o volume está substancialmente diminuído. Considerando que grande parte dos fetos com trissomia do cromossomo 18 tem outras anomalias graves que podem ser detectadas, é pouco provável que a avaliação do volume placentário por meio de ultrassonografia tridimensional seja um fator a ser considerado na avaliação de primeiro trimestre.
Dopplervelocimetria em outros vasos Artérias uterinas Estudos com Doppler entre 11 e 13+6 semanas de gestação não registraram diferença significativa entre os índices de pulsatilidade em fetos cromossomicamente normais e em anormais. Consequentemente, é pouco provável que a alta taxa de óbito intrauterino e a restrição de crescimento fetal, observados nas alterações cromossômicas, ocorram devido à placentação deficiente no primeiro trimestre da gestação. O Doppler da artéria uterina não é útil como teste de rastreamento para as alterações cromossômicas.
Artéria umbilical O Doppler da artéria umbilical não é útil para o rastreamento da trissomia do cromossomo 21. No entanto, na trissomia do cromossomo 18, a impedância ao fluxo está aumentada e, em cerca de 20% dos casos, existe diástole persistentemente reversa.
Veia umbilical O fluxo pulsátil na veia umbilical, em fetos de segundo e terceiro trimetres de gestação, é um sinal tardio e grave de comprometimento fetal. Entre 11 e 13+6 semanas de gestação, existe fluxo pulsátil na veia umbilical em aproximadamente 25% dos fetos cromossomicamente normais e em 90% dos fetos com trissomia dos cromossomos 18 ou 13. Entretanto, em fetos com trissomia do cromossomo 21, a incidência do fluxo venoso pulsátil não é significativamente diferente da encontrada em fetos cromossomicamente normais.
Veia jugular e a artéria carótida Não existem associações significativas entre o índice de pulsatilidade da veia jugular fetal e da artéria carótida e a TN, nem diferenças significativas entre os fetos cromossomicamente normais e os anormais.
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Capítulo 3
Translucência Nucal Aumentada: Aspectos Relevantes no Aconselhamento Danielle do Brasil de Figueiredo, Rievani de Sousa Damião
INTRODUÇÃO Como já afirmado nos capítulos anteriores, a TN aumentada é uma expressão fenotípica da trissomia do cromossomo 21 e de outras cromossomopatias, mas também está associada ao óbito fetal, a uma variedade de malformações e deformidades fetais e a várias síndromes genéticas.
FISIOPATOLOGIA DA TN AUMENTADA A heterogeneidade das condições associadas à TN aumentada sugere que pode não haver um único mecanismo envolvido na concentração de fluido na região cervical do feto. Os possíveis mecanismos envolvidos na gênese do aumento da espessura da TN incluem: • Disfunção cardíaca Independentemente do cariótipo fetal, há associação entre a TN aumentada e as anomalias do coração fetal. • Congestão venosa na cabeça e na região cervical A congestão venosa na cabeça e na região cervical pode ser resultado da constrição do corpo do feto, como observado na sequência da ruptura amniótica (anomalia de body stalk), da compressão do mediastino superior encontrada na hérnia diafragmática e do tórax estreito, no caso das displasias esqueléticas. • Composição alterada da matriz extracelular Muitos dos componentes proteicos da matriz extracelular são codificados nos cromossomos 21, 18 ou 13. Estudos imunohistoquímicos que examinaram a pele de fetos com aberrações cromossômicas demonstraram alterações específicas da matriz extracelular. Alterações na matriz extracelular também podem ser o mecanismo responsável pela TN aumentada em um crescente número de síndromes genéticas associadas a alterações no metabolismo do colágeno (p. ex., acondrogênese tipo II, síndrome de Nance-Sweeney e osteogênese imperfeita tipo II), com anomalias dos receptores do fator de crescimento do fibroblasto (como a acondroplasia e a displasia tanatofórica) ou com um distúrbio do metabolismo do fator da biogênese do peroxissomo (organela citoplasmática que armazena enzimas relacionadas ao metabolismo do peróxido de hidrogênio, substância altamente tóxica para a célula, ausente na síndrome de Zellweger). • Deficiência da drenagem linfática A dilatação dos sacos linfáticos jugulares, devido ao atraso no desenvolvimento da conexão com o sistema venoso ou a uma dilatação ou proliferação primária anormal dos canais linfáticos, pode ser um mecanismo possível para a TN aumentada. Em fetos cromossomicamente normais com a TN aumentada, a drenagem linfática deficiente, devido a vasos linfáticos aplásticos ou hipoaplásticos, é encontrada associada a síndrome de Noonan e linfedema congênito. Em distúrbios neuromusculares congênitos, como a sequência da acinesia fetal, distrofia miotônica e atrofia musculoespinhal, a TN aumentada pode ser consequência da drenagem linfática insuficiente devido à redução dos movimentos fetais. • Anemia fetal A anemia fetal está associada à circulação hiperdinâmica, que resulta no aparecimento de hidropisia fetal quando a concentração de hemoglobina é menor do que 7 g/dL. Todavia, na aloimunização pelo fator Rh não ocorre anemia fetal grave antes de 16 semanas de gestação, porque o sistema reticuloendotelial fetal é demasiadamente imaturo para fagocitar as hemácias encobertas por anticorpos. Por outro lado, causas genéticas de anemia (α-talassemia, anemia de Blackfan-Diamond, porfíria eritropoética congênita, anemia diseritropoética, anemia de Fanconi) e, possivelmente, anemia secundária à infecção podem estar presentes com a TN aumentada. • Hipoproteinemia fetal A hipoproteinemia está implicada na fisiopatologia da hidropisia fetal imune ou não imune. No primeiro trimestre, a hipoproteinemia devido à proteinúria pode ser o mecanismo responsável pela TN aumentada em fetos com síndrome nefrótica congênita do tipo finlandês e esclerose mesangial difusa.
• Infecção fetal Em cerca de 10% dos casos de hidropisia sem causa aparente no segundo ou no terceiro trimestres de gravidez, existe evidência de infecção materna recente e, nesses casos, o feto também está infectado. Em gestações com TN aumentada e cariótipo normal, em somente 1,5% das mães existe evidência de infecção recente e os fetos raramente estão infectados. Portanto, a TN aumentada em fetos cromossomicamente normais não é indicação para a busca de infecção materna, exceto quando a translucência evolui como edema nucal ou hidropisia no segundo ou terceiro trimestres de gestação. A única infecção relatada em associação com a TN aumentada foi a causada pelo parvovírus B19. Nessa condição, a TN aumentada foi atribuída à disfunção miocárdica ou anemia fetal devido à supressão da hematopoiese.
RESULTADO DE GESTAÇÕES COM TN AUMENTADA A relação entre a espessura da TN e as prevalências de cromossomopatias, de abortamento ou óbito perinatal e de malformações fetais graves está resumida na Tabela 3-1.
TABELA 3-1 Relação entre a espessura da TN e as prevalências de anomalias cromossômicas, abortamento ou óbito fetal e malformações fetais graves. A última coluna mostra a prevalência estimada de neonatos sem malformações graves.
Anomalias cromossômicas A prevalência de anomalias cromossômicas aumenta exponencialmente com a espessura da TN (Tabela 3-1). Dentre os fetos com TN aumentada que apresentam alguma alteração cromossômica, aproximadamente 50% apresentam síndrome de Down, 25%, síndrome de Edwards ou Patau, 10%, síndrome de Turner, 5%, triploidia e 10%, outras cromossomopatias.
Óbito fetal Nos fetos cujo cariótipo é normal, a prevalência de óbito também aumenta com a espessura da TN, sendo a prevalência 1,3%, naqueles com TN entre o percentil 95 e o 99 e, aproximadamente, 20% naqueles com medidas da TN maior ou igual a 6,5. A evolução para óbito fetal, geralmente, ocorre até a 20ª semana de gestação.
Malformações fetais Malformações fetais graves são definidas como as que requerem tratamento clínico ou cirúrgico ou estão associadas à deficiência mental grave. Vários estudos têm relatado que a TN aumentada está associada a uma alta prevalência de malformações fetais graves. A avaliação de 6.153 fetos cromossomicamente normais com a TN aumentada revela que a incidência de malformações graves é de 7,3%. No entanto, existem grandes discrepâncias entre os estudos com relação à prevalência de malformações graves, variando entre 3% e 50%, devido a diferenças na definição da espessura mínima da TN, que variou de 2 mm a 5 mm. A prevalência de malformações graves em fetos cromossomicamente normais aumenta com o aumento da TN: de 1,6%, em fetos com TN abaixo do percentil 95, para 2,5% naqueles com TN entre os percentis 95 e 99, chegando a 45% em fetos com TN maior ou igual a 6,5 mm. Várias malformações fetais têm sido relacionadas a fetos com aumento da TN (Tabela 3-2). Algumas dessas malformações apresentam prevalência similar no grupo de fetos com TN aumentada e TN normais. Dentre estas, citam-se: anencefalia, holoprosencefalia, gastrosquise, anomalias renais e espinha bífida. TABELA 3.2 Anomalias em fetos com translucência fetal aumentada. Anomalia do sistema nervoso central
Anomalia gastrointestinal
Anemia fetal
Acrania/anencefalia
Doença de Crohn
Anemia de Blackfan Diamond
Agenesia do corpo caloso
Atresia Duodenal
Porfiria eritropoiética congênita
Craniosinostose
Atresia do esôfago
Anemia diseritropoiética
Malformação de Dandy Walker
Obstrução do intestino delgado
Anemia de Fanconi
Diastematomielia
Infecção por parvovírus B19 α-Talassemia (*)
Encefalocele
Malformação genitourinária
Síndrome de Fowler
Genitália ambígua
Holoprosencefalia
Hiperplasia adrenal congênita
Defeito neuromuscular
Síndrome hidroletal
Síndrome nefrótica congênita
Sequência da acinesia fetal
Iniencefalia
Hidronefrose
Distrofia miotônica (*)
Síndrome de Joubert
Hipospádias
Atrofia musculoespinhal (*)
Macrocefalia
Rins policísticos tipo infantil
Microcefalia
Síndrome de Meckel-Gruber
Distúrbios metabólicos/erros inatos do metabolismo
Espinha bífida
Megabexiga
Síndrome de Beckwith-Wiedemann
Trigonocefalia C
Displasia renal multicística
Gangliosidose GM1 (*)
Ventriculomegalia
Agenesia renal
Deficiência da cadeia longa da 3-hidroxiacil-coenzima A desidrogenase (*) Mucopolissacaridose tipo VII (*)
Malformações faciais
Malformações esqueléticas
Síndrome de Smith-Lemli-Opitz (*)
Agnatia/micrognatia
Acondrogênese
Raquitismo resistente à vitamina D
Fenda facial
Acondroplasia
Síndrome de Zellweger (*)
Microftalmia
Distrofia torácica asfixiante
Sídrome de Treacher-Collins
Osteocondrodisplasia de Blomstrand
Outras anomalias
Displasia campomélica
Anomalia de body stalk
Defeito nucal
Displasia cleidocranial
Síndrome de Brachmann-de Lange
Higroma cístico
Hipocondroplasia
Associação CHARGE
Lipoma de região cervical
Hipofosfatasia
Deficiência do sistema imunológico
Síndrome de Jarcho-Levin
Linfedema congênito
Malformação cardíaca
Cifoescoliose
Síndrome EEC
Síndrome de Di George
Amputação de membros
Encefalopatia mioclônica neonatal
Síndrome de Nance-Sweeney
Síndrome de Noonan
Osteogênese imperfeita
Síndrome de Perlman
Malformação pulmonar
Malformação adenomatoide cística
Síndrome de Roberts
Síndrome de Stickler
Hérnia diafragmática
Síndrome de Robinow
Síndrome não especificada
Síndrome de Fryn
Síndrome da costela curta e polidactilia
Retardo grave do desenvolvimento neuropsicomotor
Sirenomelia Defeito de parede abdominal
Pé torto congênito
Extrofia de Cloaca
Displasia tanatofórica
Onfalocele
Associação de VACTERL
Gastrosquise
Por outro lado, a prevalência de malformações cardíacas, hérnias diafragmáticas, onfalocele, anomalia de body stalk, malformações esqueléticas e determinadas síndromes genéticas (hiperplasia adrenal congênita, sequência da acinesia fetal, síndrome de Noonan, síndrome de Smith-Lemli-Optiz e atrofia musculoespinhal) parece ser significativamente maior do que a encontrada na população em geral.
Malformações cardíacas Existe uma forte associação entre a TN aumentada e malformações cardíacas, independentemente do cariótipo fetal. Em uma avaliação que envolveu 67.256 gestações, a prevalência de malformação cardíaca foi de 37,5%. Em fetos cromossomicamente normais, a prevalência de malformações cardíacas graves aumenta exponencialmente, com a espessura da TN, de 1,6 por 1.000 em indivíduos com TN abaixo do percentil 95, para 1% quando a TN é de 2,5 mm a 3,4 mm; para 3% quando a TN é de 3,5 mm a 4,4 mm; para 7% quando a TN é de 4,5 mm a 5,4 mm; para 20% quando a TN é de 5,5 mm a 6,4 mm e para 30% quando a TN é maior ou igual 6,5 mm. A taxa de detecção (sensibilidade) de malformações cárdicas pela TN é de 37% e 31% para os respectivos pontos de corte nos percentis 95 e 99. A implicação clínica desses achados é de que a TN aumentada constitui uma indicação para a ecocardiografia fetal realizada por especialista. Atualmente, pode não haver ecocardiografistas fetais suficientes para comportar o aumento potencial na demanda se o percentil 95 da espessura da TN for utilizado como ponto de corte que gerará um encaminhamento. Por outro lado, se adotássemos como ponto de corte o percentil 99, a demanda seria menor e, nessa população, a prevalência de malformações cardíacas graves seria muito alta. Pacientes identificadas por meio da ultrassonografia como de alto risco para malformações cardíacas não precisam esperar até a 20ª semana de gestação para serem submetidas à ecocardiografia fetal. Aprimoramentos na resolução dos equipamentos de ultrassonografia tornaram possível a realização da ecocardiografia fetal no primeiro trimestre da gestação. Um exame por especialista a partir de 13 semanas indica, com segurança, a existência ou não de malformações cardíacas graves. Assim, a melhor estratégia para o rastreamento de malformações cardíacas graves é a realização de ecocardiografia fetal por especialista em pacientes cujos fetos tenham TN aumentada entre 11 e 13+6 semanas de gestação e em pacientes nas quais a imagem de quatro câmaras e vias de saída, observada ao exame ultrassonográfico de rotina do segundo trimestre, encontra-se anormal. Em um país como o Brasil, de proporções continentais e com poucos centros públicos que realizam cirurgia cardíaca neonatal, o diagnóstico pré-natal é a melhor arma para diminuir a mortalidade neonatal e minimizar a morbidade das cardiopatas congênitas a curto e a longo prazo, pois possibilita a transferência dessas gestantes para centros preparados para uma assistência precoce e efetiva.
Hérnia diafragmática A TN aumentada está presente em cerca de 40% dos fetos com hérnia diafragmática (em 80% dos que evoluem com óbito neonatal devido à hipoplasia pulmonar e em aproximadamente 20% dos sobreviventes). É possível que, em fetos com hérnia diafragmática e TN aumentada, a herniação intratorácica das vísceras abdominais ocorra no primeiro trimestre e a compressão prolongada dos pulmões cause a hipoplasia pulmonar. Nos casos de hérnia diafragmática com bom prognóstico, talvez a herniação intratorácica das vísceras somente ocorra mais tardiamente, no segundo ou no terceiro trimestre da gestação.
Onfalocele
Nos fetos com onfalocele, a TN acima do percentil 95 ocorre em aproximadamente 85% daqueles com aberrações cromossômicas e em 40% dos cromossomicamente normais. A cromossomopatia mais associada à onfalocele é a trissomia do cromossomo 18, que pode ocorrer em, aproximadamente, 60% dos casos.
Anomalia de body stalk Essa anormalidade letal e esporádica é encontrada em cerca de 1 a cada 10.000 fetos entre 11 e 13+6 semanas de gestação. As características ultrassonográficas são defeito grave de parede abdominal, cifoescoliose grave e cordão umbilical curto com artéria única. A parte superior do corpo do feto é vista na cavidade amniótica, enquanto a parte inferior está na cavidade celômica, sugerindo que uma rotura precoce do âmnio, antes da obliteração da cavidade celômica, é uma possível causa da síndrome. Embora a TN esteja acima do percentil 95 em, aproximadamente, 85% dos casos, o cariótipo geralmente é normal.
Síndromes genéticas As síndromes genéticas associadas a TN aumentada estão resumidas na Tabela 3-3.
TABELA 3.3 Síndromes genéticas relatadas em fetos com a TN aumentada. AR, significa herança autossômica recessiva e AD, autossômica dominante.
Atraso no desenvolvimento neuropsíquicomotor O seguimento a longo prazo de indivíduos anatômica e cromossomicamente normais que tiveram TN aumentada demonstra que a prevalência de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) é de 2% a 4%. Todavia, torna-se difícil avaliar o real significado desses achados, pois são muitas as variáveis envolvidas no DNPM. Estudos sugerem que, quando a TN é maior que 3,5 mm e o feto é cromossomicamente normal, a prevalência de alterações no DNPM é de, aproximadamente, 1%, enquanto nas TN inferiores a 3,5 mm é de 0,3%.
ACONSELHAMENTO EM GESTAÇÕES COM TN AUMENTADA Considerando o que foi exposto anteriormente (Tabela 3-1), o aconselhamento da gestante com TN aumentada nos permite, de início, estimar, para cada grupo, as chances de sobrevida e de nascimento de um recém-nascido saudável, sem malformações. Esses dados são úteis e nos permitem planejar a conduta a ser adotada.
TN aumentada (entre os percentis 95 e 99) Em gestações com a TN abaixo do percentil 99 (3,5 mm), a decisão dos pais a favor ou contra a cariotipagem fetal dependerá do risco de anomalias cromossômicas específico para cada paciente, que é derivado da combinação da idade materna com os resultados de exame ultrassonográfico e dosagem sérica da fração livre do b-hCG e PAPP-A entre 11 e 13+6 semanas de gestação. Os pais podem ser tranquilizados no sentido de que a probabilidade de ter um RN sem malformações graves é de 97% para a medida da TN abaixo do percentil 95 e de 93% para a TN entre os percentis 95 e 99. Além disso, muitas das malformações fetais graves já podem ser diagnosticadas ou, ao menos, pode-se levantar a suspeita da existência delas durante o exame ultrassonográfico entre 11 e 13+6 semanas de gestação. Em termos de seguimento nessa gestação, a melhor conduta seria realizar um exame ultrassonográfico detalhado na 20ª semana para determinar o crescimento fetal e diagnosticar, ou seja, confirmar ou não, malformações graves que não tenham sido identificadas por meio da ultrassonografia do primeiro trimestre. Nos 4% dos fetos com TN entre os percentis 95 e 99, deve-se ter cuidado especial para: • Prega nucal, avaliar sua espessura (normalmente menor que 6 mm). • Anatomia fetal, sabendo-se que a prevalência de malformações graves é de 2,5%, ao invés de 1,6% em fetos com TN abaixo do percentil 95. • Coração fetal, o ideal seria que esta avaliação fosse realizada por ecocardiografista fetal ou por alguém treinado em avaliação profunda do coração fetal.
TN acima do percentil 99 A TN acima de 3,5 mm é encontrada em cerca de 1% das gestações. O risco de cromossomopatias graves é muito alto e aumenta em, aproximadamente, 20% para TN de 4,0 mm, 33% para TN de 5,0 mm, 50% para TN de 6,0 mm e 65% para TN maior ou igual a 6,5 mm. Assim, a primeira conduta será oferecer ao casal a possibilidade de cariótipo fetal por biópsia de vilo corial (BVC). Em pacientes com história familiar de doenças genéticas que têm associação com a TN aumentada e são passíveis de diagnóstico pré-natal por análise de DNA (Tabela 3-3), a amostra obtida por meio da BVC deve também ser utilizada para o diagnóstico ou exclusão dessas síndromes. Ademais, entre 11 e 13+6 semanas de gestação, deve-se realizar um exame ultrassonográfico detalhado, para buscar várias outras malformações que sejam associadas à TN aumentada (Tabela 3-3) e completar a avaliação seriada com exame morfológico de segundo e terceiro trimestres.
Normalização da TN aumentada No grupo cromossomicamente normal, um exame ultrassonográfico detalhado, incluindo ecocardiografia fetal, deve ser realizado entre 14 e 16 semanas de gestação para determinar a evolução da TN e confirmar ou excluir a presença de malformações fetais. Se esse exame demonstrar normalização da TN ou ausência de qualquer malformação grave, os pais poderão ser assegurados de que o prognóstico é provavelmente bom e de que a chance de ter um bebê sem malformações graves é maior do que 95%. A única investigação adicional necessária a ser realizada é o exame ultrassonográfico entre 20 e 22 semanas de gestação para exclusão ou confirmação de malformações graves ou mais brandas, que estão associadas às síndromes genéticas apresentadas na Tabela 3-3.
A evolução do edema nucal A persistência da TN aumentada, sem causa aparente, observada ao exame ultrassonográfico de segundo trimestre, ou mesmo a evolução para edema nucal ou hidropisia fetal, aumenta a possibilidade de infecção congênita ou síndrome genética. Avaliar a sorologia materna para toxoplasmose, citomegalovirose e parvovirose B19 deve ser a próxima ação. Os exames ultrassonográficos de seguimento, que definirão a evolução do edema, devem ser realizados a cada quatro semanas. Além disso, deve-se considerar a possibilidade de realizar testes de DNA para certas condições genéticas, como a atrofia musculoespinhal, mesmo quando não existir história familiar para essas doenças. O edema nucal sem causa aparente observado no segundo trimestre da gestação aumenta a probabilidade de hidropisia fetal, óbito perinatal, ou o nascimento de um RN com síndrome de Noonan. Nessa situação, o risco de atraso no DNPM é de 3% a 5%.
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Capítulo 4
Gestação Gemelar: Aspectos Importantes a Serem Observados no Primeiro Trimestre Adolfo W. Lião, Maria de Lourdes Brizot, Rossana Pulcineli Vieira Francisco
INTRODUÇÃO Com a realização rotineira de exames ultrassonográficos durante o seguimento pré-natal, o diagnóstico de gestação gemelar tem sido realizado, com maior frequência, em fase inicial e precoce da gestação. Além das questões importantes habitualmente avaliadas no exame ultrassonográfico do primeiro trimestre da gestação, tais como a localização da gestação e a viabilidade embrionária, alguns aspectos merecem destaque devido às suas importantes contribuições no manejo clínico das gestações gemelares, que permitem fornecer adequada orientação aos casais.
DETERMINAÇÃO DA IDADE GESTACIONAL A prematuridade, tanto espontânea quanto iatrogênica, é o principal fator determinante das altas taxas de morbidade e mortalidade associadas às gestações múltiplas. Assim, conhecer com exatidão a idade gestacional é requisito fundamental para nortear decisões clínicas como a tocólise diante de quadro de trabalho de parto prematuro, pois facilita, sobremaneira, o acompanhamento do crescimento fetal e diagnóstico de restrição do crescimento no segundo e terceiro trimestres da gestação. Além disso, pode ajudar a definir o melhor momento para o parto diante de quadros de insuficiência placentária grave. Excetuando-se os casos concebidos por meio de técnicas de reprodução assistida, em que a idade gestacional é determinada com acurácia a partir do dia da fecundação, as gestações concebidas espontaneamente necessitam de confirmação ultrassonográfica da idade gestacional, mormente calculada a partir da data da última menstruação. O melhor parâmetro ultrassonográfico para a determinação da idade gestacional no primeiro trimestre da gestação é a medida do comprimento do embrião ou do comprimento cabeça–nádegas. Para essas medidas utiliza-se o corte longitudinal do feto, e os marcadores de medidas são posicionados da parte externa do polo cefálico à parte externa da nádega fetal. Os membros e a vesícula vitelínica não devem ser incluídos erroneamente nessa medida. A variação biológica do CCN no início da gestação é pequena. Sua medida em uma fase precoce da gestação pode estimar a idade gestacional com desvio de ± 2,7 a ± 4,7 dias.
DETERMINAÇÃO DA CORIONICIDADE A distinção das gestações monocoriônicas e dicoriônicas é outro elemento fundamental no manejo clínico, uma vez que o primeiro grupo está associado a maior frequência de complicações fetais e pior prognóstico gestacional. Esse aumento de risco é atribuído ao compartilhamento da circulação placentária, evento que ocorre exclusivamente nas gestações monocoriônicas. Portanto, na prática, a determinação da corionicidade, em vez da zigoticidade, é o passo fundamental para nortear a conduta pré-natal e o principal fator determinante do resultado e do prognóstico da gestação. A corionicidade pode ser determinada com acurácia por meio da ultrassonografia no primeiro trimestre da gestação. Nessa fase, a acurácia do exame ultrassonográfico chega a 100%. O melhor período é entre 6 e 9 semanas de gestação, e a via preferencial do exame é a endovaginal. A gestação dicoriônica pode ser definida a partir da quinta semana pela visualização de mais de um saco gestacional e da presença de septo espesso entre eles. A partir de nove semanas, a projeção do componente coriônico entre as membranas amnióticas, identificado na base da inserção placentária, forma o sinal do “lambda”, característico das gestações dicoriônicas (Fig. 4-1).
FIGURA 4-1 Imagens ultrassonográficas de gestação gemelar dicoriônica. A (superior esquerda): 5 semanas; B (superior direita): 6 semanas; C (inferior esquerda): 8 semanas; D (inferios direita): 12 semanas, demonstrando sinal do “lambda”. Com a evolução da gestação, ocorre a regressão da camada coriônica e o sinal do lambda torna-se progressivamente mais difícil de ser identificado. Nas gestações monocoriônicas, a partir da sétima semana, há identificação de mais de um embrião com vitalidade fetal no interior do mesmo saco gestacional, e o âmnio torna-se visível a partir da nona semana. No final do primeiro trimestre, há fusão das membranas amnióticas adjacentes, dando origem a um septo fino entre as duas cavidades amnióticas que se insere de maneira abrupta na placenta, formando o sinal do “T” (Fig. 4-2).
FIGURA 4-2 Em A (superior esquerda), 6 semanas; em B (inferior, centralizado), 8 semanas e em C (superior direita), 12 semanas, demonstrando sinal do “T).
RELAÇÃO COM ZIGOTICIDADE A monocorionicidade sempre implica monozigoticidade. Gestações dicoriônicas, por sua vez, podem ter origem tanto mono como dizigótica. Nesses casos, a polizigoticidade somente pode ser inferida quando há discordância entre os sexos fetais ou pode ser investigada por meio de estudos do DNA (gêmeos com sexos diferentes são sempre dizigóticos e dicoriônicos, enquanto gêmeos do mesmo sexo podem ser tanto monozigóticos como dizigóticos). Conhecer essa relação é fundamental para resolver questões relacionadas ao rastreamento de aneuploidias fetais (veja adiante em “Rastreamento de anomalias cromossômicas fetais”).
COMPLICAÇÕES EXCLUSIVAS DAS GESTAÇÕES MONOCORIÔNICAS Anomalias fetais, como feto acárdico e gêmeos unidos, são de ocorrência exclusiva em gestações monocoriônicas, e o seu diagnóstico é possível já no final do primeiro trimestre da gestação. Nesses casos, o diagnóstico precoce é fundamental para que haja tempo hábil para avaliar o prognóstico gestacional e discutir eventuais opções de tratamento. Outra intercorrência característica é a síndrome da transfusão fetofetal. Trata-se de complicação grave, que acomete cerca de 10% a 15% das gestações monocoriônicas. É de instalação aguda (ao redor de 16 a 24 semanas) e, quando não tratada, está associada a sobrevida menor do que 10%. A partir da identificação das gestações monocoriônicas no primeiro trimestre da gestação, está recomendado o seguimento quinzenal para diagnóstico precoce dessa complicação e instituição do tratamento em casos graves.
RASTREAMENTO DE ANOMALIAS FETAIS O período entre 11 semanas e 13 semanas e 6 dias constitui momento oportuno e recomendado para o rastreamento de anomalias fetais. Nessa ocasião, o exame fetal cuidadoso e detalhado permite diagnóstico precoce de cerca de 40% das gestações com anomalias “major”. E, nos casos graves e letais, pode-se recorrer ao fetocídio seletivo, mediante autorização judicial, para reduzir o risco de parto prematuro para o cogemelar normal. No que se refere ao rastreamento de anomalias cromossômicas fetais em gestações gemelares, em que pode ocorrer discordância entre os cariótipos fetais, diversas discussões clínicas, técnicas e éticas podem ser suscitadas. A estrutura psicológica de muitos casais que albergam uma gestação gemelar é, frequentemente, muito delicada devido ao elevado custo emocional que já passaram nas sucessivas tentativas de concepção durante o tratamento pelas técnicas de reprodução assistida. Somam-se a isso a média de idade mais elevada que caracteriza essa população e o risco inerente de aneuploidias fetais. Essa combinação de fatores torna imperativo um adequado aconselhamento prévio, quando esses casais são informados sobre as alternativas de rastreamento e diagnóstico invasivo, além da segurança e dos riscos relacionados a cada uma das propostas e das implicações de cada resultado. O conhecimento da corionicidade é um dos requisitos fundamentais para que se proceda adequadamente ao rastreamento e ao diagnóstico de anomalias cromossômicas fetais. Em gestações dicoriônicas, o risco de trissomias fetais é calculado separadamente para cada feto, e as chances de anomalia para a gestação, como um todo, resultam da soma dos riscos individuais. Já nas gestações monocoriônicas, deriva-se um único risco para a gestação como um todo. O método de eleição para a determinação do risco de anomalias cromossômicas em gestações gemelares é a medida da translucência nucal realizada entre 11 e 13 semanas de gestação. A avaliação ultrassonográfica permite identificar e diferenciar os fetos, realizar a medida da translucência nucal de cada um e proporcionar a oportunidade de um exame da morfologia fetal, em busca de outros marcadores ou anomalias estruturais precoces. Sebire et al., examinando 448 gestações gemelares, relataram que medidas de translucência nucal acima do percentil 95 identificaram 88% dos fetos com trissomia do cromossomo 21, desempenho semelhante ao observado em gestações únicas. Entretanto, a especificidade do exame é menor nas gestações múltiplas. Esse aumento da taxa de falsos positivos se deve à ocorrência de translucência nucal aumentada em gestações monocoriônicas com cariótipo normal (monocoriônicas, 8,4%, versus dicoriônicas, 5,5%). O rastreamento combinado, empregando marcadores ultrassonográficos e bioquímicos do sangue materno (fração beta livre da gonadotrofina coriônica humana e proteína A plasmática da gravidez), também pode ser realizado nas gestações gemelares e parece reduzir a taxa de falsos positivos.
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Capítulo 5
Padronização da Ultrassonografia Morfológica do Segundo Trimestre Rafael Frederico Bruns, Edward de Araújo, Júnior. , Antonio Fernandes Moron
INTRODUÇÃO Após termos discorrido sobre as diferenças de um exame obstétrico simples e morfológico no Capítulo 3, cabe-nos agora discutir a possibilidade de se padronizar um exame ultrassonográfico no segundo trimestre. O escore de imagem ultrassonográfica foi introduzido como peça fundamental no controle de qualidade de imagens para medir a translucência nucal. A padronização e a criação de um escore para avaliar a imagem permitiu que, ao longo do tempo, a metodologia fosse mais reprodutível, proporcionando melhor qualidade ao exame. Programas de treinamento e certificação demonstram melhora na qualidade do rastreamento de malformações e aumentam a reprodutibilidade do método, sendo, portanto, necessários. O escore de imagens também pode ser utilizado em imagens obtidas no segundo trimestre, tanto para análise da biometria quanto da anatomia do segundo trimestre e, especificamente, para o exame do coração. Além disso, a realização de programas de auditoria após o estabelecimento de critérios demonstra melhora progressiva na qualidade das imagens obtidas. No Brasil, ainda não dispomos de programas de auditoria, entretanto, esse é um objetivo que deve ser perseguido futuramente, tanto para as imagens do primeiro quanto do segundo trimestres.
OBJETIVO DO EXAME MORFOLÓGICO DE SEGUNDO TRIMESTRE Fundamentalmente, como qualquer outro exame de rotina no pré-natal, o exame morfológico de segundo trimestre é um teste de rastreamento. Como tal, é caracterizado pela identificação de uma doença ou fator de risco não reconhecido. Os testes de rastreamento simplesmente separam os indivíduos potencialmente doentes daqueles com baixo risco de doença. No caso da ultrassonografia morfológica, o objetivo é separar os indivíduos com alto risco para malformações congênitas daqueles com baixo risco. Entretanto, é importante ressaltar que a aplicação clínica de um teste de rastreamento deve ser norteada pela premissa de que o diagnóstico permita uma conduta que altere o desfecho daquele caso. Ou seja, para que o teste de rastreamento seja aplicado na população é importante que o resultado dele permita ao médico exercer alguma conduta em benefício do paciente. Então, em nossa opinião, os planos analisados no exame morfológico deveriam levar em consideração as situações nas quais seja possível realizar algum procedimento que beneficie o binômio concepto-mãe, e o exame deveria ser denominado exame “morfológico de rastreamento”. Após um exame de rastreamento positivo, em um segundo momento deveria ser realizado o exame de diagnóstico, no qual o examinador avaliaria minúcias para tentar chegar a um diagnóstico da patologia, da mesma forma que é feito para o exame do coração. Inicialmente, o especialista em Medicina Fetal realiza o exame básico do coração e, na presença de um indício de alteração, o exame é complementado pelo especialista naquele órgão, ou seja, o cardiologista fetal. Apenas para ilustrar, um outro exemplo: em uma displasia esquelética, durante o exame de rastreamento, o médico observaria inicialmente o encurtamento dos ossos longos. Então, considerando esse exame como rastreamento positivo, o médico com habilitação em Medicina Fetal observaria detalhes para identificar o tipo de displasia esquelética, por exemplo, a hipoplasia de escápula (presente na displasia campomélica); ou o dedão de caroneiro (presente na displasia diastrófica). Por outro lado, a presença de hipoplasia de escápula ou o quinto quirodáctilo na posição de “dedão de caroneiro” não são malformações comuns e não devem ser rastreadas rotineiramente na população de fetos sem evidências de alterações morfológicas. Além disso, deve-se considerar também a prevalência das malformações e o exame de rastreamento deve levar em conta a identificação das malformações mais prevalentes na população.
PADRONIZAÇÃO DO EXAME MORFOLÓGICO DE PRIMEIRO TRIMESTRE
Requisitos de equipamento Recomenda-se que o exame seja realizado com ultrassonografia de tempo real com uma sonda de cerca de 3 a 5 MHz. Não existe recomendação específica sobre o modelo ou marca do aparelho e não há indicação da necessidade de recurso de Dopplervelocimetria.
Idade gestacional A idade gestacional ideal para sua realização na rotina pré-natal é entre a 20ª e a 24ª semana, preferencialmente entre a 22ª e a 23ª semana de gestação.
Biometria A recomendação em relação à biometria é unânime em indicar que sejam medidos os seguintes parâmetros: • Diâmetro biparietal. • Diâmetro occipto-frontal. • Circunferência craniana. • Circunferência abdominal. • Comprimento do fêmur. • Comprimento do úmero. Com essas medidas, deverá ser estimado ainda o peso fetal. O protocolo inglês enfatiza que a medida deverá ser unilateral. Obviamente, quando algum desses parâmetros estiver alterado ou desproporções forem observadas, outras medidas deverão ser realizadas, direcionadas para o achado. Além disso, a biometria das seguintes estruturas deverá ser realizada quando a análise qualitativa demonstrar alteração: • Prega nucal. • Cisterna magna. • Cerebelo. • Corno posterior do ventrículo lateral.
AVALIAÇÃO SISTEMÁTICA DOS DIVERSOS SEGMENTOS FETAIS
Polo cefálico Quatro características da calota craniana devem ser avaliadas rotineiramente: • Tamanho: avaliado por meio das medidas do diâmetro biparietal e da circunferência craniana. • Forma: a calota craniana geralmente tem forma oval, sem protrusões ou defeitos, e seu contorno é interrompido sutilmente pelas suturas ósseas. • Integridade: não devem existir defeitos ósseos. • Densidade: a densidade craniana normal produz uma linha ecogênica (branca) interrompida apenas em posições anatômicas pelas suturas ósseas. Artefatos acústicos podem dificultar a visualização de estruturas cerebrais no hemisfério mais próximo ao transdutor. A ausência de linha ecogênica ou facilidade em visualizar os dois hemisférios cerebrais deve levantar a suspeita de hipomineralização.
Planos analisados e documentados: • Plano Biparietal (ou Transtalâmico). Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte axial do polo cefálico fetal no nível dos tálamos. • Ângulo de insonação de aproximadamente 90º com a foice cerebral. • Aspecto simétrico dos dois hemisférios cerebrais. • Linha média contínua, interrompida apenas pelos tálamos e pelo cavum do septo pelúcido • Cerebelo não visualizado. • Ventrículos laterais não visualizados. • Imagem do polo cefálico ocupando pelo menos 50% da tela.
Medidas A mensuração do diâmetro biparietal deve seguir a padronização da tabela utilizada no sistema, uma vez que diversas maneiras de medir o diâmetro biparietal estão descritas. É desejável que o diâmetro occipitofrontal e a circunferência craniana também sejam medidos, uma vez que diversas situações podem produzir dolicocefalia e braquicefalia, prejudicando a avaliação da idade gestacional e o crescimento fetal quando apenas o diâmetro biparietal é utilizado. • Plano transventricular. Critérios anatômicos para obtenção da image:m • Corte axial do polo cefálico fetal acima do nível do tálamo. • Ângulo de insonação de aproximadamente 90 graus com a foice cerebral. • Aspecto simétrico dos dois hemisférios cerebrais. • Linha média contínua, interrompida apenas pelo cavum do septo pelúcido. • Cerebelo não visualizado. • Tálamo não visualizado. • Imagem do polo cefálico ocupando pelo menos 50% da tela.
Medidas A medida do átrio ventricular é recomendada, pois diversos estudos sugerem que este é o método mais eficaz para avaliar a integridade do sistema ventricular. A medida deve ser realizada no nível do glomus do plexo coroide, perpendicular à cavidade do ventrículo, posicionando os calipers no contorno interno da parede lateral do ventrículo. Valores superiores a 10 mm devem ser considerados suspeitos. • Plano transcerebelar. Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte oblíquo do polo cefálico obtido a partir do plano transtalâmico com leve inclinação da parte posterior do transdutor no sentido caudal do feto. • Ângulo de insonação de aproximadamente 90º com a foice cerebral. • Aspecto simétrico dos dois hemisférios cerebrais.
• Linha média contínua, interrompida apenas pelos tálamos e cavum do septo pelúcido. • Cerebelo visualizado. • Cisterna magna visualizada. • Tálamos visualizados. • Porção posterior dos ventrículos laterais não visualizada. • Imagem do polo cefálico ocupando pelo menos 50% da tela.
Medidas O diâmetro transverso do cerebelo deve ser obtido medindo-se o maior eixo transversal, colocando o caliper na linha que delimita o contorno externo do cerebelo. A medida do diâmetro transverso do cerebelo corresponde a aproximadamente 1 mm por semana de idade gestacional entre 14 e 21 semanas. A cisterna magna deve ser medida posicionando-se o caliper entre o vérmis cerebelar e a face interna do osso occipital. A profundidade da cisterna magna geralmente varia entre 2 e 10 mm. A prega nucal, quando subjetivamente aumentada, deverá ser mensurada neste plano. A medida é realizada da tábua externa do occipital à superfície externa da pele, sendo considerados aumentados valores maiores que 6 mm.
Face fetal A avaliação mínima da face deve incluir a visualização do lábio superior para excluir fendas labiais. Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte coronal da face. • Lábio superior visível. • Narinas visíveis. • Ângulos da boca visíveis. • Lábios ocupando mais de 50% da área da imagem. Não há necessidade de medidas neste plano. Se tecnicamente for possível, uma imagem do perfil fetal e das órbitas oculares também deve ser obtida.
Pescoço fetal O pescoço fetal normalmente é visualizado como uma estrutura cilíndrica entre o polo cefálico e o tórax. Massas na região cervical, como higromas ou teratomas, devem ser documentadas.
Tórax e coração O tórax fetal deve ser uma estrutura regular com leve transição para o abdome. As costelas devem ter a curvatura normal e não devem apresentar deformidades (como fraturas). Ambos os pulmões devem ser homogêneos e sem evidências de desvio do mediastino ou massas. A interface diafragmática pode ser visualizada com um corte coronal entre abdome e tórax e tem aspecto de uma linha hipoecoica dividindo o conteúdo abdominal e torácico. Quatro planos do tórax devem ser documentados: • Quatro câmaras cardíacas. Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte axial do tórax na altura do coração. • Quatro câmaras cardíacas visualizadas. • Ápice do coração visualizado. • Crux cordis visualizada. • Veias pulmonares visualizadas. • Aorta descendente sendo o único vaso atrás do coração, entre o átrio esquerdo e a coluna. • Coração ocupando cerca de um terço da tela. • Imagem observada de dois ângulos diferentes: o primeiro com cerca de 90º entre o feixe sonoro e o septo interventricular para avaliação do septo; posteriormente gira-se o transdutor colocando-se o septo em zero grau com o feixe sonoro para a avaliação das válvulas mitral e tricúspide. • Via de saída do ventrículo esquerdo. Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte axial do tórax na altura do coração. • Ângulo de insonação de aproximadamente 90º com o septo interventricular. • Rotação do transdutor de 20º a 30º em direção ao polo cefálico fetal após a visualização das quatro câmaras cardíacas. • Átrio esquerdo visualizado. • Ventrículo esquerdo visualizado. • Ventrículo direito visualizado. • Válvula aórtica não posicionada sobre o septo interventricular. • Via de saída do ventrículo esquerdo (aorta ascendente) direcionada para o ombro fetal direito. • Coração ocupando cerca de um terço da tela. • Via de saída do ventrículo direito. Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte axial do tórax na altura do coração. • Ângulo de insonação de aproximadamente 90º com o septo interventricular. • Transdutor levemente movido em direção ao polo cefálico após a visualização da via de saída do ventrículo esquerdo. • Ventrículo esquerdo visualizado. • Ventrículo direito visualizado. • Válvula pulmonar sobre o ventrículo direito • Via de saída do ventrículo direito (artéria pulmonar) direcionada para o ombro fetal esquerdo, cruzando sobre a via de saída
do ventrículo esquerdo. • Coração ocupando cerca de um terço da tela. • Três vasos e traqueia (3VT). Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte axial do tórax acima do coração. • Transdutor movido no sentido do polo cefálico fetal, sem angular, após a visualização do corte de quatro câmaras. • Artéria pulmonar visualizada em corte oblíquo, portanto com aspecto cilíndrico. • Aorta ascendente visualizada como círculo (corte axial). • Veia cava superior visualizada como círculo (corte axial). • Artéria pulmonar, aorta ascendente e veia cava superior formando linha reta no sentido esquerda-anterior para direitaposterior e com diâmetros discretamente decrescentes. • Área de interesse ocupando cerca de um terço da tela.
Abdome O situs visceral deve ser analisado. O estômago fetal deve ser identificado em sua posição normal no lado esquerdo. O intestino deve estar dentro da cavidade abdominal e o cordão umbilical, inserido na parede abdominal intacta. Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte axial do abdome fetal. • Estômago visualizado. • Seio portal visualizado. • Rins não visualizados. • Imagem do abdome ocupando pelo menos 50% da tela.
Medidas A medida da circunferência abdominal deve ser realizada colocando-se os calipers na linha externa da pele fetal. A inserção do cordão umbilical no abdome, os rins fetais e a bexiga devem ser documentados. Se houver dilatação das pelves renais, elas devem ser medidas no seu diâmetro anteroposterior e descritas no laudo.
Coluna Uma análise completa da coluna fetal requer conhecimento e exame minucioso, e os resultados são extremamente dependentes da posição fetal. A mielomeningocele, mais frequente alteração de coluna, geralmente está associada a anomalias intracranianas como a dilatação dos ventrículos laterais, o cerebelo deformado em forma de banana e a obliteração da cisterna magna. Entretanto, a obtenção de imagens transversais e longitudinais da coluna geralmente é bastante informativa e ajuda a identificar outras anomalias vertebrais.
Membros e extremidades A presença ou ausência de membros superiores/mãos e membros inferiores/pés deve ser sistematicamente observada. A contagem de dedos não deve fazer parte do exame. O fêmur deve ser avaliado quantitativamente para cálculo da estimativa de peso fetal e idade gestacional.
Fêmur Critérios anatômicos para obtenção da imagem: • Corte longitudinal da coxa fetal. • Ambas as extremidades do fêmur identificadas. • Ângulo do fêmur a aproximadamente 90º em relação ao feixe sonoro. • Imagem do fêmur ocupando pelo menos 50% da tela.
Medidas O caliper deve ser posicionado no maior eixo longitudinal do fêmur. Caso a medida do fêmur não seja compatível com a idade gestacional, a análise quantitativa deve ser realizada também em todos os outros segmentos dos membros.
Placenta Durante o exame a localização da placenta, seu aspecto e sua relação com o orifício cervical interno devem ser avaliados e descritos. Não há necessidade de medir a espessura da placenta quando sua análise subjetiva for normal.
Genitália A avaliação da genitália externa não é considerada mandatória no exame de segundo trimestre. Entretanto, muitas vezes é desejo dos pais conhecer o sexo fetal, e a sua avaliação permite identificar casos de genitália ambígua.
Líquido amniótico Uma maneira qualitativa ou semiquantitativa de avaliar o volume de líquido amniótico deve ser utilizada. É muitas vezes preferível utilizar a avaliação qualitativa, pois os métodos semiquantitativos disponíveis apresentam grande variabilidade e baixa reprodutibilidade.
DOCUMENTAÇÃO DO EXAME ULTRASSONOGRÁFICO MORFOLÓGICO DE SEGUNDO TRIMESTRE O gabarito de documentação sugerido encontra-se na Figura 5-1. Idealmente, o exame morfológico deverá conter essas imagens. Se não for possível obter alguma imagem ou se a sua qualidade estiver comprometida pela posição fetal ou atenuação do feixe sonoro nos tecidos maternos, isso deverá ser descrito no laudo do exame.
FIGURA 5-1 Gabarito de imagens recomendadas para o exame morfológico de segundo trimestre.
A AVALIAÇÃO DO COLO UTERINO PELA VIA ENDOVAGINAL ESTÁ PREVISTA NO EXAME MORFOLÓGICO Considerando que recentes estudos demonstraram a possibilidade de redução da incidência de parto pré-termo e suas complicações neonatais por meio da avaliação do comprimento do colo uterino e da utilização da progesterona para pacientes com colo curto, embora essa avaliação não esteja incluída no exame morfológico de rotina, ela poderia ser solicitada pelo obstetra complementarmente por meio da ultrassonografia transvaginal.
Critérios anatômicos para obtenção da imagem • A paciente deve esvaziar a bexiga e ficar em posição ginecológica; a medida sempre deve ser realizada pela via endovaginal. • O transdutor é introduzido na vagina e direcionado ao fórnice anterior. Deve-se cuidar para não exercer muita pressão, o que poderia, falsamente, reduzir a medida • Um corte sagital do colo uterino deve ser obtido usando-se o eco glandular endocervical como guia para facilitar a identificação dos orifícios cervicais interno e externo • A imagem do colo deve ocupar pelo menos 75% da tela.
Medidas: O caliper deve ser posicionado nos orifícios cervicais interno e externo, fazendo uma linha reta entre estes dois pontos.
EXAME DE FETOS MALFORMADOS O exame de um feto malformado talvez seja um dos mais complexos dentro da ultrassonografia. Ele muitas vezes é dificultado por situações que reduzem a qualidade da imagem, como a presença de oligoâmnio. Não é possível padronizar previamente esse tipo de exame, pois ele deve ser dirigido para a patologia apresentada pelo feto, sem entretanto deixar de reavaliar o feto dos pés a cabeça. A biometria deve ser sempre realizada e este exame deve ser sempre solicitado como exame morfológico, independentemente da idade gestacional ou do número de avaliações já realizadas. A avaliação do feto malformado deverá incluir todas as medidas necessárias para a avaliação do caso em questão (p. ex., em hérnias diafragmáticas congênitas deve ser calculada a relação pulmão/cabeça; em ventriculomegalias deve ser medido o átrio do ventrículo lateral etc.).
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Capítulo 6
Características Ultrassonográficas das Principais Alterações Cromossômicas no Segundo Trimestre Kypros H. Nicolaides, Jader de Jesus Cruz
INTRODUÇÃO As anomalias cromossômicas são universalmente uma das principais causas de óbito perinatal e limitações na infância. Assim, não é surpresa que o alto risco para doenças cromossômicas é o motivo que mais leva gestantes a se submeterem à realização de procedimentos invasivos de diagnóstico pré-natal, como a biópsia de vilo corial e a amniocentese. Nos anos 1970, o principal método de rastreamento para aneuploidias era a idade materna. Na década de 1980, era realizado por meio de bioquímica do soro materno e exame de ecografia detalhado no segundo trimestre. Nos anos 1990, a ênfase foi direcionada ao primeiro trimestre ao se perceber que a maioria das aneuploidias poderia ser detectada pela combinação da idade materna, espessura da translucência nucal no feto (TN), medida no soro materno da fração beta livre da gonadotrofina coriônica humana (β-hCG livre) e da proteína plasmática A associada à gestação (PAPP-A). O rastreamento por esse teste combinado pode identificar 90% dos fetos com trissomia 21 e outras aneuploidias importantes para uma taxa de falso positivo de 5%. Acrescentando a este teste novos marcadores ecográficos como a avaliação do osso nasal, fluxo de sangue no ducto venoso e na artéria hepática e regurgitação tricúspide é possível aumentar a taxa de detecção para 96% com um falso positivo de 2,5%.
ULTRASSONOGRAFIA NO SEGUNDO TRIMESTRE No primeiro trimestre, uma característica comum a muitas das anomalias cromossômicas é a espessura aumentada da translucência nucal. Mais tarde na gestação, no segundo trimestre, cada alteração cromossômica tem seu próprio padrão sindrômico (Tabela 6-1). As anomalias cromossômicas mais comuns são a trissomia dos cromossomos 21, 18 e 13; síndrome de Turner, anomalias dos cromossomos sexuais (47 XXX, 47 XXY, 47 XYY) e triploidia.
TABELA 6-1 Defeitos estruturais relacionados a anomalias cromossômicas.
Trissomia do cromossomo 21 A trissomia do cromossomo 21 em 95% dos casos é devida à trissomia completa deste cromossomo, 3% das vezes é devida a translocações e 2%, a mosaicismos. A síndrome de Down está associada a malformações estruturais como braquicefalia, hipoplasia ou ausência do osso nasal (Fig. 6-1), ventriculomegalia moderada (Fig. 6-2), edema da prega nucal (Fig. 6-3), defeitos cardíacos, principalmente defeitos do septo atrioventricular (Fig. 6-4), atresia duodenal (Fig. 6-5), intestino hiperecogênico (Fig. 6-6), hidronefrose moderada (Fig. 6-7), fêmur e úmero curtos, espaçamento aumentado entre o primeiro e o segundo pododáctilo, conhecido como sandal gap (Fig. 6-8) e clinodactilia (hipoplasia da falange média do quinto dedo da mão) (Fig. 6-9).
FIGURA 6-1 Perfil fetal no segundo trimestre. A seta mostra ausência do osso nasal.
FIGURA 6-2 Corte transversal da cabeça fetal no segundo trimestre. A seta mostra ventriculomegalia moderada.
FIGURA 6-3 Corte transversal da cabeça fetal mostrando edema da prega nucal.
FIGURA 6-4 Coração fetal no primeiro trimestre no plano das quatro câmaras. A seta mostra o defeito do septo atrioventricular (VE = ventrículo esquerdo, VD = ventrículo direito).
FIGURA 6-5 Corte transversal do abdome fetal no segundo trimestre. Ambas as figuras mostram o sinal da “dupla bolha” característica da atresia duodenal.
FIGURA 6-6 Corte sagital do tronco fetal no primeiro trimestre mostrando intestino hiperecogênico. Note a mesma ecogenicidade entre o intestino e o osso, na coluna posteriormente.
FIGURA 6-7 Corte transversal do abdome fetal mostrando hidronefrose bilateral moderada.
FIGURA 6-8 Espaçamento entre o primeiro e o segundo quirodáctilo aumetado, revelando o sinal denominado “sandal gap”.
FIGURA 6-9 Clinodactilia: encurvamento da falange média de quinto dedo.
A trissomia do cromossomo 18 É a segunda mais comum anomalia cromossômica, com múltiplas malformações. A síndrome de Edwards está a associada a malformações estruturais como crânio em formato de morango, cistos de plexo coroide (Fig. 6-10), ausência de corpo caloso (Fig. 6-11), cisterna magna aumentada, fendas faciais (Fig. 6-12), micrognatia (Fig. 6-13), edema da prega nucal (Fig. 6-3), defeitos cardíacos, hérnia diafragmática (Fig. 6-14), atresia esofágica, onfalocele (principalmente as pequenas, que contêm somente intestino) (Fig. 6-15), artéria umbilical única (Fig. 6-16), defeitos renais, intestino hiperecogênico (Fig. 6-6), mielomeningocele (Fig. 6-17), restrição de crescimento, membros curtos, pé torto, mão em garra e pés do tipo rocker bottom.
FIGURA 6-10 Corte transversal da cabeça fetal mostrando cistos de plexo coroide bilateral no segundo trimestre.
FIGURA 6-11 A) corte sagital da cabeça fetal no segundo trimestre com Doppler color mostrando a ausência parcial da artéria pericalosa. B) Corte sagital da cabeça fetal no segundo trimestre com Doppler color mostrando a artéria pericalosa. C) Corte transversal da cabeça fetal mostrando a ausência do cavum do septo pelúcido (círculo) e o ventrículo lateral com o sinal da gota de lágrima (seta).
FIGURA 6-12 As imagens mostram fendas faciais. A) Fenda palatina bilateral na 12ª semana. B) Fenda palatina central em feto na 22ª semana. C e D) Fenda labial central em feto com 22 semanas.
FIGURA 6-13 Corte sagital da face fetal mostrando micrognatia.
FIGURA 6-14 Corte transversal do tórax fetal mostrando em A) conteúdo abdominal contendo estômago, porém sem fígado, e em B) conteúdo abdominal contendo o fígado. Note o desvio do coração apontado pelas setas.
FIGURA 6-15 Imagens de onfalocele. A, C e D) grande onfalocele contendo também estômago e fígado, B) onfalocele pequena.
FIGURA 16 Artéria umbilical única.
FIGURA 6-17 A) Sinal do limão, no corte transversal da cabeça fetal. B) Sinal da banana, ao se avaliar o cerebelo no segundo trimestre. C) Espinha bífida aberta.
A trissomia do cromossomo 13 É a terceira anomalia cromossômica mais comum, com múltiplas malformações. A síndrome de Patau está associada a malformações estruturais como a holoprosencefalia (Fig. 6-18) e defeitos faciais associados (Fig. 6-19), microcefalia, defeitos cardíacos e renais, onfalocele (Fig. 6-15) e polidactilia (principalmente em posição contra-axial) (Fig. 6-20).
FIGURA 6-18 Holoprosencefalia alobar. Em A, feto na 12ª semana de gestação. B, na 14ª semana e C, na 22ª semana.
FIGURA 6-19 A) Ciclopia (círculo) e proboscis (seta). B) Hipotelorismo grave.
FIGURA 6-20 Polidactilia contra-axial no segundo trimestre.
Triploidias As triploidias em que os cromossomos extras são de origem paterna estão associadas a placentas grandes e císticas (placenta molar) (Fig. 6-21). Quando o cromossomo extra tem origem materna, a placenta é fina e tem ecogenicidade habitual e o feto apresenta restrição de crescimento assimétrica grave (Fig. 6-22). As malformações estruturais apresentadas são ventriculomegalia (Fig. 6-2), micrognatia (Fig. 6-13), malformações cardíacas, mielomeningocece (Fig. 6-17) e sindactilia.
FIGURA 6-21 As imagens mostram placenta de volume aumentado e com cistos (molar).
FIGURA 6-22 Corte sagital de feto no primeiro trimestre mostrando restrição de crescimento assimétrica grave na triploidia. Note a importante desproporção entre a cabeça e o corpo e micrognatia.
Turner A síndrome de Turner pode apresentar-se de duas formas. Uma forma é letal, e está associada a edemas muito importantes da prega nucal, edema generalizado, derrames pleurais, ascite e malformações cardíacas (Fig. 6-23). O tipo não letal pode não demonstrar nenhuma alteração ecográfica.
FIGURA 6-23 Imagem de feto com síndrome de Turner. As setas indicam edema nucal acentuado, edema generalizado e derrame pleural. Estudos demostram que as anomalias cromossômicas são frequentemente associadas a múltiplas anormalidades anatômicas fetais. Na prática, o que isso quer dizer é que, uma vez identificado um defeito estrutural em exame ecográfico de rotina, é importante realizar cuidadosa e extensiva avaliação da anatomia fetal a fim de encontrar outros defeitos que possam estar associados, pois a presença de defeitos adicionais aumenta substancialmente o risco de anomalias cromossômicas.
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Capítulo 7
Rastreamento das Alterações Cromossômicas no Segundo Trimestre Kypros H. Nicolaides, Jader de Jesus Cruz
INTRODUÇÃO As anomalias cromossômicas são universalmente consideradas uma das principais causas de óbito perinatal e limitações na infância. Assim, não é surpresa que o alto risco para doenças cromossômicas é o motivo que mais leva gestantes a serem submetidas à realização de métodos invasivos de diagnóstico pré-natal, como a biópsia de vilo corial e a amniocentese. O primeiro método para selecionar grupos de risco que se beneficiariam da realização de cariótipo fetal com a finalidade de diagnóstico pré-natal de anomalias cromossômicas foi baseado em observações feitas por Shuttleworth em 1909. Essas observações concluíam que a incidência de alterações cromossômicas está associada ao avanço da idade materna. Nos anos 1970, quando a amniocentese foi introduzida como método de diagnóstico pré-natal, o risco relativo ao procedimento era incerto e, por isso, oferecido somente às mulheres com idade superior a 40 anos. Com o passar do tempo, à medida que a amniocentese foi-se tornando mais difundida e segura, o grupo de “alto risco” foi redefinido para incluir também as gestantes com idade superior a 35 anos. Coincidentemente, esse novo grupo de “alto risco” representava aproximadamente 5% da população de gestantes. Os dados estatísticos disponíveis sobre a incidência de trissomia do cromossomo 21 relacionada à idade materna eram baseados em nascidos vivos com essa trissomia e se pensava que, para uma mulher de 35 anos de idade, o risco era de 1 em 250. Esse risco era, convenientemente, similar ao risco que se estimava para o abortamento decorrente da amniocentese. Assim, estava criado o conceito, que nos perseguiu por muitos anos, de que procedimentos diagnósticos invasivos deveriam ser oferecidos a 5% das gestantes ou quando o risco de que a gestação pudesse ser afetada fosse igual ou superior ao risco de abortamento pela amniocentese. Hoje em dia, sabemos que o risco de uma mãe com 35 anos de idade tem de ter um bebê com trissomia do cromossomo 21 é de 1 em 385 e que o risco de abortamento pela amniocentese realizada por um profissional qualificado e experiente é de aproximadamente 1 em 100. Além disso, a proporção de gestantes com idade superior a 35 anos atualmente gira em torno de 8% a 10% e não mais os 5% dos anos 1970. Também devemos considerar que esse mesmo grupo de gestantes corresponde a somente 20% a 30% dos bebês com alterações cromossômicas. Ou seja, existe claramente necessidade de redefinir as regras para oferecer o cariótipo fetal.
O rastreamento no primeiro trimestre Nos anos 1970, o principal método de rastreamento para aneuploidias era a idade materna. Na década de 1980, o rastreamento era feito com base na bioquímica materna e na ecografia no segundo trimestre. Nos anos 1990, o enfoque do rastreamento passou a ser o primeiro trimestre quando se percebeu que a maioria dos fetos aneuploides pode ser identificada por meio da associação da idade materna, transluscência nucal fetal, níveis séricos maternos da fração beta da gonadotrofina coriônica humana livre (β-hCG livre) e niveis séricos maternos da proteína plasmática A associada à gestação (abreviada do inglês: PAPP-A). O rastreamento realizado com essa combinação consegue identificar cerca de 90% dos fetos com trissomia do 21 e outras aneuploidias maiores, com taxa de falso positivo de 5%. Estudos mais recentes demonstraram que é possível melhorar a performance desse teste com a inclusão de novos marcadores ecográficos no primeiro trimestre, como o osso nasal, fluxo de sangue no ducto venoso, na artéria hepática e através da válvula tricúspide. Esse método de rastreio no primeiro trimestre é o melhor método no que se diz respeito a taxas de detecção e falsos positivos (conforme exemplificado na Tabela 7-1), e deve, sempre que possível, ser o método de escolha para o rastreamento das anomalias cromossômicas na gestação. TABELA 7-1 Comparativo entre diferentes métodos de rastreamento. Taxa de detecção (%)
Taxa de falso positivo (%)
Idade materna (IM)
30
5
IM + translucência nucal (TN)*
75
5
IM + TN + β-hCG and PAPP-A*
90
5
IM + bioquímica (2º trimestre)
60-70
5
Rastreio ecográfico no 2º trimestre
75
10-15
*Entre
11-13+6d semanas.
O rastreamento no segundo trimestre Princípios básicos de rastreamento Toda mulher tem uma chance, ou risco, de que seu bebê, ou feto, tenha uma anomalia cromossômica. Ao aconselhar uma gestante diante desses riscos na gestação com a finalidade de se tomar uma decisão sobre proceder ou não a um teste invasivo, nossa responsabilidade é de avaliar as chances de que essa gestação seja afetada utilizando o método mais preciso possível e dar aos pais informações suficientes para que eles próprios decidam a favor ou contra uma amniocentese ou biósia de vilo corial. Fórmulas arbitrárias são contrárias ao princípio básico do consentimento informado. Para cada gestante é possível calcular um risco específico. Para isso, deve-se levar em consideração o risco basal (o qual depende da idade materna e da idade gestacional) e multiplicá-lo por uma série de fatores, que dependem dos achados ecográficos e dos resultados de testes bioquímicos no soro materno, realizados durante a gestação. Cada vez que um teste é realizado, o seu risco relativo é multiplicado ao risco basal, o que gera um novo risco que passa a ser o risco basal para um novo teste. Esse processo é conhecido como rastreio sequencial.
Idade materna e idade gestacional O risco para muitas anomalias cromossômicas aumenta com a idade materna. Porém, o risco para anomalias cromossômicas diminui com a idade gestacional, uma vez que fetos com defeitos cromossômicos são mais propensos a morrer in utero do que fetos euploides. Na última década, com a introdução de testes bioquímicos e avaliação ecográfica para o rastreamento de anomalias cromossômicas, tornou-se necessário estabelecer os riscos para anomalias cromossômicas nas diferentes idades gestacionais e para diferentes idades maternas. Cada um desses riscos foi estimado por meio da comparação entre a prevalência dos nascimentos de bebês com trissomia 21 e a prevalência de fetos com esta trissomia encontrados em mães que realizaram amniocentese no segundo trimestre ou biósia de vilo corial no primeiro trimestre. Assim, foi possível também encontrar a taxa de óbito de fetos com trissomia do 21, que, por exemplo, entre 12 semanas e o termo é de aproximadamente 30% e entre 16 semanas e o termo é de aproximadamente 20%. O risco para trissomias 13 e 18 aumenta com a idade materna e diminui com a idade gestacional. A taxa de óbito in utero dessas trissomias entre 12 e 40 semanas é de aproximadamente 80%. A síndrome de Turner, diferentemente das trissomias, não se relaciona com a idade materna, mas tem relação com idade gestacional. Sua prevalência é de cerca de 1 em 1.500 12ª semana, 1 em 3.000 20ª semana e 1 em 4.000 na 40ª semana. Nas anomalias ligadas aos cromossomos sexuais (47 XXX, 47 XXY e 47 XYY), a idade materna não influencia na prevalência e, uma vez que a taxa de óbito in utero não é maior que as dos fetos euploides (cerca de 1 em 500), a prevalência não diminui com a idade gestacional. A poliploidia afeta cerca de 2% das gestações, porém é altamente letal e raramente observado em nascidos vivos. Sua prevalência é de 1 em 2.000 na 12ª semana e 1 em 250.000 na 20ª semana.
História prévia de gestações afetadas O risco de trissomias em mulheres com história prévia de fetos com trissomias é maior do que nas mulheres sem história prévia. Estudos demonstraram que o risco de uma mulher com história anterior de trissomia 21 é 0,75% maior do que o risco pela idade materna e pela idade gestacional. Ou seja, se uma gestante de 35 anos teve uma gestação anterior afetada por trissomia 21, seu risco basal passa a ser de 1 em 87 em vez de 1 em 249. O risco para trissomia 18 também aumenta em torno de 0,75% para as gestantes com história prévia de fetos com trissomia 18. É importante ressaltar que o aumento do risco é específico para cada anomalia cromossômica, ou seja, uma história anterior de trissomia 21 não aumenta o risco para trissomia 18, nem uma gestação prévia afetada por trisomia 18 aumenta o risco de trissomia 21.
ULTRASSONOGRAFIA NO SEGUNDO TRIMESTRE No primeiro trimestre, uma característica comum a muitas das anomalias cromossômicas é a espessura aumentada da translucência nucal. Mais tarde na gestação, no segundo trimestre, cada alteração cromossômica tem seu próprio padrão sindrômico. A trissomia do cromossomo 21 é associada a braquicefalia, ventriculomegalia moderada, hipoplasia do osso nasal, edema nucal, defeitos cardíacos (principalmente defeitos do septo atrioventricular), atresia duodenal, intestino hiperecogênico, hidronefrose moderada, fêmur e úmero curtos, sandal gap, clinodactilia ou hipoplasia da falange média do quinto dedo da mão. A trissomia do cromossomo 18 é associada a alterações como crânio em formato de morango, cistos de plexo coroide, ausência de corpo caloso, cisterna magna aumentada, fendas faciais (palato e/ou lábio), micrognatia, edema nucal, defeitos cardíacos, hérnia diafragmática, atresia esofágica, onfalocele (principalmente as pequenas, que contêm somente intestino), artéria umbilical única, defeitos renais, intestino hiperecogênico, mielomeningocele, restrição de crescimento, membros curtos, pé torto, mão em garra e pés do tipo rocker bottom. A trissomia do cromossomo 13 é associada a holoprosencefalia e defeitos faciais, microcefalia, defeitos cardíacos e renais, onfalocele e polidactilia (principalmente em posição contra-axial). As triploidias podem se apresentar de duas formas, dependendo da origem do cromossomo extra: paterna ou materna. As que têm origem paterna são associados à placenta molar. Quando o cromossomo extra tem origem materna, a placenta é fina mas tem ecogenicidade habitual e o feto apresenta restrição de crescimento assimétrica e grave.
Os marcadores do segundo trimestre A presença de defeitos menores isolados raramente constitui risco em relação a sequelas e deficiências, a menos que estejam associados a uma anomalia cromossômica. • Prega Nucal O edema da prega nucal no segundo trimestre é achado em cerca de 0,5% dos fetos e é definido pela medida que vai da linha externa do osso occipital à linha externa da pele, mostrando-se aumentado quando está acima do percentil 95 para a idade gestacional. Além de anomalias cromossômicas, também pode indicar defeitos cardíacos. • Intestino hiperecogênico O intestino hiperecogênico também é encontrado em cerca de 0,5% dos fetos. Além de um marcador para anomalias cromossômicas, também pode estar presente após sangramento intra-amniótico (causa mais comum) e fibrose cística. • Fêmur curto O fêmur curto pode ser utilizado como um marcador para anomalias cromossômicas, mas também pode estar presente nas acondroplasias. • Foco hiperecogênico intracardíaco O foco hiperecogênico intracardíaco é encontrado em cerca de 4% das gestações e, em si, não representa um problema cardíaco. É um dos marcadores para anomalia cromossômica, mas sua presença também pode indicar um defeito cardíaco. • Osso Nasal Dos “novos” marcadores, o que tem demonstrado maior impacto no rastreamento de trissomia 21 é o osso nasal ausente ou sua hipoplasia. Uma característica comum aos indivíduos com trissomia do cromossomo 21 é o nariz pequeno, já descrito por Langdon Down em 1866. Estudos demonstraram que o osso nasal é ausente em cerca de 1% a 3% dos fetos euploides e em 65% dos fetos com trissomia 21 no primeiro trimestre entre as semanas 11 e 13+6d. No segundo trimestre, o osso nasal está ausente em cerca de 27% a 30% desses fetos. O maior problema ao se examinar o osso nasal no segundo trimestre é a grande diferença nos limites normais e curvas de crescimento relatados nos vários estudos já publicados sobre esse assunto. Por
exemplo, o percentil 5 na 20ª semana varia entre 4,410 e 6,0 mm entre os diferentes artigos. Uma possível explicação para essa diferença é que as ecografias em 2D, utilizando os pontos de referência que conhecemos para conseguir um corte sagital, não nos dão a certeza de que medimos o osso nasal no plano sagital médio exato. Estudos demonstram que medidas parassagitais e oblíquas podem produzir erros, subestimar ou superestimar a medida do osso nasal quando comparadas à medida realizada no plano sagital médio. No primeiro trimestre, o plano sagital médio é definido basicamente pela presença da ponta do nariz e pelo formato retangular do palato. Pequenos desvios desse plano causam a não visualização da ponta do nariz e a visualização do processo frontal da maxila como uma estrutura hiperecogênica entre o osso nasal acima e a face anterior da maxila abaixo. No segundo trimestre, a não visualização do processo frontal da maxila não é útil para assegurar que o plano de corte é mesmo o sagital médio, pois a maxila é mais larga e o processo frontal fica mais lateralizado em comparação com o primeiro trimestre. Da mesma forma, os pontos de referência comumente utilizados para examinar o perfil fetal e medir o osso nasal, no segundo trimestre, como o nariz, lábios superior e inferior, maxila e queixo, também são visíveis em cortes parassagitais e oblíquos do perfil fetal. O osso vômer (Fig. 7-1) é visível ao corte sagital médio e permanece visível se o desvio no plano for de até 1 mm parassagital e a 10º de rotação em relação à linha média. Nos desvios de até 1 mm parassagital e a 10º de rotação, as diferenças nas medidas são muito pequenas quando comparadas ao corte sagital médio exato, diferentemente do que ocorre quando as variações ultrapassam esses limites. Com grandes desvios do plano sagital médio, deixa-se de ver o osso vômer e isso é associado a subestimações e superestimações da medida do osso nasal. No segundo trimestre da gestação, a hipoplasia do osso nasal é um dos mais importantes marcadores para a trissomia do cromossomo 21 (Fig. 7-1), junto com a medida da prega nucal e a espessura pré-nasal. No entanto, um pré-requisito para a sua incorporação é a boa reprodutibilidade das medidas. A inclusão do osso vômer como um dos pontos de referência para encontrarmos o plano sagital médio exato pode reduzir a variação entre medidas a níveis aceitáveis. • Espessamento pré-nasal
FIGURA 7-1 Corte sagital médio da face fetal (A). Osso vômer no perfil fetal (B). Medida do osso nasal (C). Medida da espessura pré-frontal (D). Note que todas essas avaliações são feitas no mesmo corte ultrassonográfico. O espessamento pré-nasal é uma medida realizada entre o ângulo frontonasal e a linha externa que define a pele logo acima (Fig. 7-1). Em fetos euploides, a espessura pré-nasal aumenta com a idade gestacional, de uma média (percentil 50) de 2,4 mm na 16ª semana até 4,6 mm na 24ª semana. Essa medida está aumentada, ou seja, acima do percentil 95 para a idade gestacional, em cerca de 70% dos fetos com trissomia 21 e não foi encontrada associação significativa com outros defeitos comuns a essa aneuploidia, o que a torna um marcador independente, que permite seu uso combinado com outros marcadores para aumentar a taxa de detecção dos fetos afetados. Estudos em larga escala são necessários para definir melhor a
performance de um rastreamento do segundo trimestre utilizando uma combinação entre a espessura pré-nasal e outros marcadores, como o osso nasal. • Ângulo facial frontomaxilar Uma característica comum aos indivíduos com trissomia 21 é a face plana. O ângulo facial frontomaxilar é a medida de um ângulo que se forma de duas linhas, uma que passa horizontalmente pela face superior do palato e outra que passa pela face externa do osso fontal. No ponto onde essas linhas se cruzam é medido o ângulo facial frontomaxilar (Fig. 7-2). Dois cuidados especiais na medida do ângulo facial frontomaxilar são necessários. O primeiro é que o transdutor deve estar a 45º como o palato. O segundo cuidado é com o osso vômer fetal, que entre 11 e 13+6d semanas está aparentemente “integrado” ao palato e a imagem visualizada na ecografia é a de uma área hiperecogênica retangular; já no segundo trimestre o vômer aparece como uma área adicional acima do palato e, quanto mais posterior, mais divergentes são esses pontos (Fig. 7-1). Para a medida do ângulo facial, é necessário utilizar a linha superior do palato e não a borda superior do vômer (Fig. 7-2). Uma vez respeitados esses cuidados, a medida do ângulo facial frontomaxilar não se altera, no segundo trimestre, com a idade gestacional (período compreendido entre 16 e 25 semanas) e o percentil 95 é de 88,5º. Nos fetos com trissomia 21, o ângulo está acima do percentil 95 em 65% dos fetos afetados. É uma medida reprodutível em 95% das vezes, e a variação entre duas medidas realizadas por um mesmo observador é de menos de 5º. Como o perfil fetal faz parte da rotina, no exame ecográfico do segundo trimestre não há necessidade de desenvolver habilidades adicionais para a avaliação deste marcador. • Razão do espaço pré-frontal
FIGURA 7-2 Medida do ângulo frontofacial. Um outro marcador recentemente descrito é chamado de razão do espaço pré-frontal. Assim como o ângulo facial, ele estuda a hipoplasia da face média em fetos com trissomia 21, porém utilizando elementos superficiais do perfil fetal e sem a necessidade de desenhar uma linha sobre o palato, o que pode levar a erro na medida caso o vômer não seja considerado. Outra vantagem é que estuda também a espessura da pele pré-frontal. Estudos iniciais demonstram que essa razão está significativamente reduzida nos fetos com trissomia 21 se comparada aos fetos euploides. O problema com esse marcador é que ainda precisa de estudos em larga escala para definir melhor o seu papel no rastreamento do segundo trimestre.
Risco específico baseado nos achados ecográficos Estudos demostram que as anomalias cromossômicas são frequentemente associadas a múltiplas anormalidades anatômicas fetais. O Gráfico 7-1 demonstra que o risco de se estar diante de um feto aneuploide aumenta de acordo com a taxa de defeitos estruturais identificados. Na prática, isso significa que, uma vez identificado um defeito estrutural maior ou menor (marcadores) em exame ecográfico de rotina, é importante realizar uma cuidadosa e extensiva avaliação da anatomia fetal a fim de encontrar outros defeitos que possam estar associados, pois a presença de defeitos adicionais aumenta substancialmente o risco de anomalias cromossômicas. Por outro lado, a ausência de qualquer defeito maior ou menor está associada a uma redução no risco basal para aneuploidias.
GRÁFICO 7-1 Incidência de anomalias cromossômicas em relação ao número de defeitos estruturais diagnosticadas no segundo trimestre da gestação. Se, na ecografia no segundo trimestre, for encontrado um defeito maior, é aconselhável oferecer à gestante a opção de realizar um teste diagnóstico invasivo para a detecção de defeitos cromossômicos mesmo que essa malformação seja aparentemente isolada. Em países onde há política pública de rastreamento de aneuploidias, oferecer a opção de amniocentese nesses caso é viável, pois, como a prevalência desse tipo de defeito estrutural é baixa, o impacto nos custos é pequeno. Mesmo nos casos em que a malformação é considerada letal, o cariótipo fetal intrauterino deve fazer parte da investigação para definir a possível causa com a finalidade de conhecer as chances de recorrência, e ele também serve para detectar malformações que podem levar a deficiências graves. Nos casos de malformações que podem ser corrigidas com cirurgia intrauterina e/ou pós-natal, como a hérnia diafragmática, é mandatória a avaliação do cariótipo para identificar os casos que estão ligados a uma anomalia cromossômica, mesmo porque alguns casos são associados às trissomias do 13 ou do 18. Os defeitos menores, ou marcadores, são comuns e geralmente não constituem risco em relação a sequelas e deficiências, a menos que estejam associados a uma anomalia cromossômica. Oferecer cariótipo a todas as gestantes em que são encontrados esses marcadores na ecografia do segundo trimestre traz grandes implicações, tanto em relação a abortamento (como consequência do procedimento) quanto em termos de custos (principalmente em países que oferecem política pública de rastreamento de aneuploidias). Nesses casos, a melhor política é a de basear-se em um risco específico e individualizado para aneuploidias em vez de aceitar conceitos arbitrários de que a presença desses marcadores torna a gestação em uma gestação de “alto risco”. O risco pode ser estimado multiplicando-se o risco basal (baseado na idade materna, idade gestacional, história prévia de aneuploidias ou no resultado do rastreamento do primeiro trimestre fundamentado na translucência nucal) pelo fator de verossimilhança de cada marcador. A incidência de um marcador nos fetos com trissomia 21 pode ser dividida pela sua incidência nos fetos euploides. O resultado obtido é conhecido como valor de verossimilhança, específico desse marcador. Por exemplo, o foco ecogênico intracardíaco é encontrado em 28,2% dos fetos com trissomia 21 e em 4,4% dos fetos euploides, resultando em um fator de verossimilhança positivo de 6,41(28,2/4,4) e negativo de 0,75(71,8/95,6). Ou seja, a presença do foco ecogênico
intracardíaco aumenta o risco basal a um fator de 6,41, mas ao mesmo tempo a ausência desse marcador reduz o risco em cerca de 25%. O mesmo princípio se aplica aos principais marcadores que estão na Tabela 7-2. Em um outro exemplo, utilizando os marcadores em conjunto, uma gestante de 25 anos realiza uma ecografia na 22ª semana de gestação e tem como risco basal 1 em 1.000. Se na ecografia for encontrado um foco ecogênico intracardíaco, porém a prega nucal não estiver aumentada, o úmero e o fêmur não forem curtos, não houver hidronefrose ou intestino hiperecogênico, nem nenhum defeito maior, a razão de verossimilhança combinada seria de 1,1 (6,41 × 0,67 × 0,68 × 0,62 × 0,85 × 0,87 × 0,79; consulte a Tabela 7-2) e, consequentemente, seu risco permaneceria em cerca de 1 em 1.000. TABELA 7-2 Valores de verossimilhança (VV) positivos e negativos para cada marcador ecográfico no segundo trimestre. VV positivos
VV negativos
Prega nucal
53,05
0,67
Úmero curto
22,76
0,68
Fêmur curto
7,94
0,62
Hidronefrose
6,77
0,85
Foco hiperecogênico intracardíaco
6,41
0,75
Intestino hiperecogênico
21,17
0,87
Defeitos maiores
32,96
0,79
CONSIDERAÇÕES FINAIS • O melhor método de rastreamento de aneuploidias é o teste combinado, com base na idade materna + marcadores ecográficos (como a translucência nucal, osso nasal, regurgitação da válvula tricúspide, fluxo sanguíneo no ducto venoso e na artéria hepática + marcadores bioquímicos como β-hCG e PAPP-A), realizado no primeiro trimestre, entre as semanas 11 e 13+6d. Assim, o rastreamento das anomalias cromossômicas no segundo trimestre não deve ser considerado um método principal de rastreamento, e sim complementar. • No primeiro trimestre, a translucência nucal aumentada é uma característica comum a muitas anomalias cromossômicas. Já no segundo trimestre, cada defeito cromossômico tem seu próprio padrão sindrômico. • No segundo trimestre, quanto maior o número de malformações encontradas em um exame ecográfico, maior é a chance de se estar ante uma anomalia cromossômica. • É interessante oferecer a opção de cariótipo pré-natal quando uma malformação maior for encontrada, porém, malformações menores ou marcadores devem ser avaliados num contexto geral. • No segundo trimestre é possível estabelecer um risco específico para cada gestante multiplicando-se o risco basal desta gestante pelos valores de verossimilhança negativos ou positivos de cada marcador avaliado durante a ecografia.
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Capítulo 8
Infecção Congênita Joelma Queiroz Andrade, Rossana Pulcinelli Vieira Francisco, Marcelo Zugaib
INTRODUÇÃO Durante o período gestacional, muitas infecções podem ser transmitidas verticalmente e colocar em risco a gestação, comprometendo a evolução do concepto e alterando o desenvolvimento neonatal. Alguns agentes são francamente teratogênicos, e outros podem causar doenças de gravidades variáveis. A transmissão vertical depende de vários fatores, incluindo a imunidade materna. Assim, a infecção primária na gestação é muito mais danosa que as infecções secundárias ou a reativação de infecção antiga. O fenótipo fetal depende da época em que a infecção tenha ocorrido. Geralmente, as infecções fetais no primeiro trimestre são mais graves e, consequentemente, apresentam maior risco de alterações estruturais. Tendo em vista essas considerações, concluímos que a consulta pré-concepcional é instrumento importante na melhoria dos índices de morbidade e mortalidade materna e infantil e a investigação das principais infecções deveria ser realizada neste momento, pois possibilitaria o tratamento adequado e o planejamento para a futura gestação. Neste capítulo, abordaremos as principais infecções congênitas e suas repercussões sobre o produto conceptual.
Capítulo 8.1 Toxoplasmose e Rubéola na gestação Joelma Queiroz Andrade, Rossana Pulcinelli Vieira Francisco, Marcelo Zugaib
TOXOPLASMOSE A toxoplasmose congênita é causada pela transmissão vertical do protozoário T. gondii na gestante que apresenta o quadro agudo durante a gravidez (primoinfecção). Tem sido associada a abortamento, prematuridade e baixo peso ao nascer, bem como doença fetal disseminada. A taxa de transmissão vertical do toxoplasma cresce proporcionalmente à idade gestacional, sendo de 14% no primeiro trimestre, 29% no segundo e 59% no terceiro. No termo, a referida taxa se encontra próximo a 80%. Por outro lado, gravidade do comprometimento fetal é muito maior nos casos em que a doença ocorre na primeira metade da gravidez. No terceiro trimestre não são mais relatados casos de calcificação cerebral ou hidrocefalia, podendo ocorrer, apenas, a coriorretinite como expressão da doença, com sequelas oculares importantes. No ciclo de vida desse protozoário capaz de infectar os mamíferos e algumas aves, os felinos são os hospedeiros definitivos, nos quais ocorre o ciclo reprodutivo. Os outros animais, incluindo o homem, são hospedeiros intermediários. A contaminação pode ocorrer por três vias: ingestão de oocistos espalhados pelo meio ambiente (solo, frutas, verduras); ingestão de cistos teciduais contidos principalmente nas carnes de ovinos, suínos e bovinos e pela transmissão maternofetal (transmissão vertical). Assim, a introdução do rastreamento pré-natal universal, as orientações dieto-higiênicas para as gestantes suscetíveis, a disponibilização da espiramicina nas unidades de saúde, a definição de centros especializados, o diagnóstico e o tratamento da infecção congênita são medidas fundamentais no controle dessa doença e na adequada assistência à saúde maternoinfantil.
DIAGNÓSTICO A pesquisa de anticorpos para toxoplasmose deve ser realizada em todas as gestantes, na primeira consulta de pré-natal, se não realizada antes da concepção. • A presença de anticorpos IgG reagente e IgM não reagente descreve infecção crônica sem risco de acometimento fetal. • A ausência de anticorpos (IgG e IgM) específicos para T. gondii identifica as pacientes suscetíveis, com risco eventual de desenvolver a infecção durante o período gravídico. A repetição sorológica para essas pacientes deve ser mensal ou bimensal, com o intuito de diagnosticar a soroconversão e possibilitar o início imediato da quimioprofilaxia da transmissão vertical. Todas as gestantes suscetíveis devem receber orientações de como evitar a toxoplasmose. Essas informações devem ser fornecidas pela equipe de saúde (Tabela 8-1). • Os anticorpos da classe IgG surgem após 2 semanas do início da infecção, atingem o pico com 6 a 8 semanas e persistem por período indefinido. Por outro lado, os anticorpos da classe IgM podem ser detectados precocemente, com uma semana de infecção, e geralmente desaparecem em torno de 12 semanas; mas, também, podem persistir durante tempo indeterminado. Então, a sorologia com IgG não reagente e IgM reagente necessita ser repetida em 2 semanas. Durante esse período, até o resultado final, a gestante deverá receber espiramicina. Se a segunda amostra mantiver o mesmo resultado com IgG não reagente e IgM reagente, representa falso positivo de IgM. Essa paciente pode ser acompanhada normalmente, sem espiramicina. • Caso o resultado evidencie IgG e IgM reagentes, a situação é de soroconversão e a gestante deve seguir as orientações descritas a seguir. As pacientes com sorologia suspeita de infecção aguda, IgG e IgM reagentes devem ser encaminhadas para teste confirmatório em centro especializado. A presença de IgM nem sempre representa quadro agudo. Pode corresponder a um resultado falso positivo de IgM ou à persistência da imunoglobulina após infecção passada. Essas gestantes devem procurar os serviços especializados em medicina fetal. Nesses serviços, elas devem ser orientadas sobre os possíveis riscos para o feto, e deve ser pesquisado um possível quadro clínico nos exames de pré-natal anteriores para tentar definir o momento do evento agudo. Em todos os casos suspeitos da doença na gestação, recomenda-se o início imediato da profilaxia da transmissão vertical com espiramicina (espiramicina, 1,5 U MI, dois comprimidos por via oral, três vezes ao dia), até descartar o caso como doença aguda, e, se isso não for possível, deve-se mantê-la até o final da gravidez. Esse medicamento pode ser utilizado no primeiro trimestre da gravidez e não atravessa a barreira placentária. Também, nos casos suspeitos, orienta-se nova sorologia com teste diferente do rastreamento inicial. A imunofluorescência indireta (IFI) é uma técnica manual que necessita de pessoal treinado e é utilizada em alguns laboratórios como teste confirmatório de IgM. Os resultados com IgM reagente nos testes de rastreamento, após a repetição no teste IFI IgM, mostrarão não reagentes, falsos positivos ou até mesmo títulos muito baixos, sem significado clínico relevante. • Para definir o momento da doença aguda utiliza-se a titulação seriada da IgG. Duas amostras colhidas com intervalo de 2 semanas, analisadas no mesmo laboratório e simultaneamente, com aumento significativo do título, sugerem quadro agudo. O teste de avidez de IgG avalia a afinidade entre o anticorpo da classe IgG e o antígeno. Esse teste auxilia na diferenciação de uma infecção recente de outra passada, uma vez que a afinidade do anticorpo pelo antígeno tende a aumentar com o intervalo de tempo. Assim, a presença de alta avidez permite definir que a infecção ocorreu há mais de 12 a 16 semanas, e a baixa avidez indica que a infecção ocorreu nos 3 meses anteriores. Embora esteja documentado que a alta avidez pode indicar infecção crônica, a presença de IgG de baixa avidez por si só não é suficiente para indicar quadro agudo, já que há fatores que interferem na maturação da IgG durante a gestação. Essa maturação é variável e depende da idade gestacional no momento da infecção, da utilização da espiramicina e, também, de fatores individuais. Tais variáveis devem ser consideradas durante a interpretação dos resultados dos exames. Não se sabe se o retardo na maturação da IgG interfere na taxa de transmissão vertical da toxoplasmose. A baixa avidez durante a gestação não deve ser analisada isoladamente. TABELA 8-1 Medidas higiênicas e dietéticas utilizadas na prevenção primária de toxoplasmose durante a gestação. • Não ingerir carnes cruas ou malcozidas. Cozinhar as carnes e derivados até atingir temperatura superior a 67º ou congelá-
las (−18º durante 10 dias) • Tratar a água ou fervê-la • Lavar frutas e verduras adequadamente com água corrente • Usar luvas para manipular carnes cruas e evitar contato com qualquer material que possa estar contaminado com fezes de gatos, como solo, gramados e caixas de areia • Proteger os alimentos de moscas e baratas • Ferver e pasteurizar o leite antes do consumo Observação: Gatos de estimação devem ser alimentados com carnes bem cozidas ou rações comerciais e suas fezes devem ser desprezadas diariamente, com lavagem do recipiente com água quente. Com essa medida, o oocisto não se torna infectante, já que necessita de 24 ho-ras, em temperatura ambiente, para atingir esta fase.
Ultrassonografia O exame ultrassonográfico normal é tranquilizador, porém não é possível excluir a infecção fetal, pois as alterações ultrassonográficas são observadas em aproximadamente 28% dos fetos infectados. É importante realizar acompanhamento ultrassonográfico quinzenal para detectar alterações tardias que possam modificar a condução do caso. Os principais achados são: hidrocefalia (Fig. 8-1), calcificações intracranianas (Fig. 8-2), hepatomegalia, esplenomegalia (Fig. 8-3), ascite fetal e espessamento da placenta. Catarata, hidropisia fetal e intestino ecogênico também podem ser encontrados.
FIGURA 8-1 Corte transverso do polo cefálico: dilatação do ventrículo lateral.
FIGURA 8-2 Corte transverso do polo cefálico: setas – pontos ecogênicos – calcificações.
FIGURA 8-3 Corte transverso do abdome fetal: esplenomegalia.
Diagnóstico da infecção fetal A coleta de líquido amniótico para pesquisa do toxoplasma está indicada nos casos de infecção aguda confirmada durante a gravidez, como soroconversão no pré-natal ou quadro clínico e quando há alterações ultrassonográficas que sugiram toxoplasmose congênita, entre 18 e 26 semanas. A sensibilidade do diagnóstico molecular por PCR no líquido amniótico está em torno de 81% e 100%. O tratamento com as drogas pode afetar a sensibilidade do método e a coleta do líquido amniótico deve ser realizada após 4 semanas do início da infecção, durante a fase de parasitemia materna. Há também diferença de sensibilidade entre os tipos de Primer de PCR utilizados, sendo mais utilizados os Primers para os genes B1 e SAG1 e para o DNA ribossomal 18S. A sensibilidade do teste é maior quando a amniocentese é realizada após a 21ª semana de gestação.
PROFILAXIA DA INFECÇÃO FETAL Consideramos que o uso da espiramicina, 1,5 MUI (2 cps., VO, 8/8h), instituída a partir da suspeita da infecção materna aguda, é capaz de reduzir a transmissão vertical em até 60%, conforme demonstrado na Tabela 8-2. TABELA 8-2 Variação da transmissão vertical da toxoplasmose segundo a idade gestacional e o uso da espiramicina. Espiramicina
Usada
Não usada
Periconcepcional
−
1,2%
Primeiro trimestre
15%
4,5%
Segundo trimestre
30%
17,3%
Terceiro trimestre
60%
28,9%
É importante salientar que não instituímos o tratamento com espiramicina para gestantes sem doenças imunossupressoras com imunidade prévia para a toxoplasmose por não causar acometimento fetal. Em gestantes imunossuprimidas, que estejam apresentando CD4 < 200 céls./mm3, preconizamos o tratamento tríplice ilustrado a seguir, a partir de 17 semanas, alternando com espiramicina até o termo, para a prevenção da TV.
TRATAMENTO DA INFECÇÃO FETAL Confirmada a infecção fetal, o tratamento baseia-se na utilização da pirimetamina, da sulfadiazina e do ácido folínico. As dosagens são: sulfadiazina, 3,0 gramas/dia (dois comprimidos de 500 mg em três tomadas); pirimetamina, 50 mg/dia (um comprimido de 25 mg em duas tomadas) e ácido folínico, 10 mg/dia (uma tomada). Esses três medicamentos são alternadas com a espiramicina (3,0 gramas ao dia) a cada 3 semanas, até o termo. A pirimetamina e a sulfadiazina atuam sinergicamente no ataque aos taquizoítas e podem causar supressão da medula óssea com aparecimento de anemia, leucopenia e plaquetopenia, e ainda falência renal reversível. Devido à toxicidade desses fármacos, a sua utilização deve ser limitada aos casos comprovados de infecção fetal, não havendo benefícios maternos com o uso desses medicamentos. Durante o tratamento, é necessária a realização de hemograma quinzenal e, se forem observadas alterações no hemograma, os medicamentos devem ser suspensos. O tratamento com os três fármacos é contraindicado durante o primeiro trimestre da gestação e pode ser iniciado a partir da 16ª semana. Durante o primeiro trimestre, utiliza-se apenas a espiramicina. Nos casos com resultado negativo da pesquisa do toxoplasma no líquido amniótico, a espiramicina tem de ser mantida até o final da gestação. Para as pacientes não gestantes, que adquirirem toxoplasmose aguda, recomenda-se intervalo de 6 meses entre o quadro clínico ou a confirmação sorológica da doença e a concepção. A rubéola é uma doença em erradicação no Brasil. A vacinação contra essa doença faz parte do calendário vacinal desde o ano 2000, com a primeira dose aplicada aos 12 meses e reforço entre 4 e 6 anos de vida. Com essa medida, campanhas de vacinação em massa da população e programas educativos nos meios de comunicação, a circulação viral foi reduzida e o número de casos da doença foi drasticamente reduzido.
RUBÉOLA A rubéola é uma doença exantemática aguda, de distribuição universal, que ocorre predominantemente na infância e na adolescência. É transmitida, principalmente, por contato direto com indivíduos infectados, por meio de gotículas de secreções nasofaríngeas. Como a doença é assintomática na maioria dos casos, o seu diagnóstico é sorológico. No Brasil, ocorreu surto de rubéola em adultos jovens, no final da década de 1990 e, consequentemente, ocorreram inúmeros casos de síndrome da rubéola congênita. Esse surto desencadeou, em todo o território nacional, a primeira campanha de vacinação de mulheres em idade fértil, entre 15 e 29 anos, em 2001. Como continuaram ocorrendo casos, principalmente no sexo masculino, em 2008 houve nova campanha, que imunizou também os homens. Os anticorpos específicos aparecem durante a fase exantemática da doença. Tanto a IgG quanto a IgM atingem os níveis mais elevados em torno de 7 a 10 dias após o início dos sintomas. Os anticorpos da classe IgM desaparecem em torno de 3 a 7 semanas depois da fase exantemática, enquanto os da classe IgG permanecem indefinidamente. Atualmente, utilizando testes extremamente sensíveis, é possível detectar IgM após um período de tempo superior ao citado anteriormente, o que provoca grande dificuldade na definição do momento da doença aguda. A sorologia para rubéola faz parte da rotina de exames da primeira consulta do pré-natal, com o objetivo de detectar as pacientes sem imunidade. As suscetíveis devem ser vacinadas no momento da alta do serviço de saúde onde foram atendidas, mesmo que estejam amamentando o recém-nascido. Essa dose da vacina é fundamental na erradicação da doença. No atendimento de pré-natal, para as pacientes com resultado de sorologia com IgM e IgG reagentes, que configuram possível quadro agudo, deve ser solicitado o exame confirmatório, como o teste da avidez de IgG, em serviço de referência, e verificar se a gestante já foi vacinada, se teve possível contato ou quadro clínico. Se o quadro for somente de sorologia positiva, deve-se tranquilizar a gestante. O mais frequente nessa situação é a persistência da IgM ou falso positivo do exame. A avidez de IgG nas infecções há 3 a 4 meses geralmente é baixa. A doença assintomática raramente pode levar consequências para o feto, porém com risco inferior aos sintomáticos. As manifestações da síndrome da rubéola congênita incluem surdez, defeitos cardíacos como defeito de septo ventricular, persistência do canal arterial, estenose pulmonar e coartação de aorta, retinopatia e alterações do sistema nervoso central. Essas alterações são observadas em torno de 50% das crianças acometidas. Outras manifestações, como restrição de crescimento, encefalite, microcefalia e retardo mental, são encontradas em 10% a 20% dos casos. As gestantes infectadas no primeiro trimestre de gestação têm 20% de chance de ter uma criança com síndrome da rubéola congênita. O risco de infecção e acometimento fetal no primeiro trimestre é extremamente elevado e, após a 17ª semana, teoricamente não há mais risco de doença grave. Na avaliação de casos suspeitos de infecção, exame ultrassonográfico auxilia, mas não é método sensível na detecção dos fetos acometidos. As seguintes alterações já foram descritas: restrição do crescimento fetal, microcefalia, microftalmia, malformações cardíacas (estenose pulmonar, coartação da aorta, defeitos septais), intestino ecogênico, hidropisia fetal, hidrocefalia, catarata, espessamento placentário e alterações do volume de líquido amniótico. A ecocardiografia fetal faz parte da rotina da avaliação de casos suspeitos de infecções congênitas.
PREVENÇÃO – VACINA A vacina contra rubéola é composta de vírus vivo atenuado e foi desenvolvida há mais de 40 anos. A taxa de soroconversão é de 95%, após uma dose de vacina. A vacinação de gestantes não é recomendada, mesmo em períodos epidêmicos. As mulheres vacinadas deverão evitar a gravidez por período de 30 dias após a data da aplicação. Em estudos e acompanhamentos realizados nos EUA com a atual cepa vacinal da rubéola RA 27/3, 272 mulheres suscetíveis foram vacinadas antes e/ou durante o início da gestação e 272 nascidos vivos dessas pacientes foram avaliados, não tendo sido detectado nenhum caso de síndrome da rubéola congênita. A preparação para a campanha de vacinação em todo o território brasileiro, no ano de 2001, envolveu diversos setores e as mulheres gestantes não deveriam receber a dose. Mesmo com todas as orientações, só no Estado de São Paulo foram vacinadas 6.473 gestantes e, dessas, 811 eram suscetíveis no momento da imunização. Foi organizado um grupo multidisciplinar para acompanhar essas pacientes com a coordenação do Centro de Vigilância Epidemiológica de São Paulo. Dessas gestantes, 20 recém-nascidos (4,7%) apresentaram IgM no sangue do cordão. Porém, todos os recém-nascidos foram acompanhados e, até o momento, não foram observados sinais de rubéola congênita. É inadmissível a abordagem sobre interrupção da gravidez para mulheres que foram vacinadas e desconheciam o seu estado de gravidez inicial, ou mesmo que tenham engravidado antes dos 30 dias recomendados. A rubéola e a síndrome da rubéola congênita são doenças de notificação compulsória. A notificação de casos suspeitos e/ou confirmados de rubéola é importante auxílio na caracterização de como e onde ocorre a circulação viral, na efetividade das medidas de controle e prevenção adotadas e no seguimento de possíveis gestantes suscetíveis e dos casos de síndrome da rubéola congênita.
Capítulo 8.2 Citomegalovirose, Parvovirose e Sífilis na Gestação Eduardo Cordioli, João Bortoletti Filho, Antonio Fernandes Moron
CITOMEGALIVIROSE O citomegalovírus (CMV), um herpes-vírus formado por uma dupla hélice de DNA, transmitido pelo contato com sangue, saliva, urina, ou pelo contato sexual com pessoas infectadas, é um dos agentes etiológicos mais comuns de infecção congênita e perinatal em diversas partes do mundo. Ocorre em 0,2 a 2,2% dos recém-nascidos, com incidência maior em populações de baixo nível socioeconômico. Aproximadamente 1% dos fetos nascidos nos EUA apresenta infecção congênita por CMV, o que corresponde a 40.000 recém-nascidos por ano. Desses, 3.000 a 4.000 são sintomáticos ao nascimento, e um adicional de 4.000 a 6.000 apresentam desenvolvimento neurológico ou auditivo anormal nos primeiros anos de vida. A infecção por CMV é a causa mais comum de perda auditiva na infância, sendo considerada um problema de saúde pública nos EUA. O custo estimado anual para cuidar de crianças portadoras de infecção congênita por CMV naquele país é de 1,86 bilhão de dólares. Como os outros herpes-vírus, o CMV tem a habilidade de causar infecções latentes e apresentar reativação. Infecções in vivo e in vitro pelo CMV apresentam citopatologia característica; as células citomegálicas são aumentadas de tamanho e contêm inclusões intranucleares e citoplasmáticas. Todavia, a infecção recorrente materna tem efeitos menos devastadores, sendo os fetos, aparentemente, assintomáticos ao nascimento. Em alguns casos, pode haver algum tipo de sequela até os 5 anos de idade, sendo a mais comum a perda auditiva. O período de incubação do CMV é de 28 a 60 dias, com uma média de 40 dias. As infecções primárias produzem uma resposta humoral por IgM que desaparece em média de 30 a 60 dias, que pode, em kits ultrassensíveis, permanecer, positiva por até 300 dias.
DIAGNÓSTICO O diagnóstico de CMV congênito pode ser suspeitado pela documentação da infecção primária ou recorrente materna. A infecção primária em adultos geralmente é assintomática, e o vírus tem tropismo por células epiteliais. Ocasionalmente, os pacientes apresentam uma síndrome “mononucleose-like”, com leucocitose, linfocitose, testes hepáticos anormais, febre, malestar, mialgia e calafrios. Após a infecção inicial, o CMV permanece latente nas células do hospedeiro. A reinfecção pode ocorrer por reativação do vírus em latência, o que é um processo comum nos hespes-vírus, e ocorre em 5% a 15% das vezes em indivíduos acometidos pela doença. A excreção viral pode durar anos após a infecção primária. Dos fetos com infecção congênita decorrente de infecção primária materna, 10% a 15% apresentam sintomas ao nascimento, sendo as manifestações clínicas mais comuns a hepatoesplenomegalia, calcificações intracranianas periventriculares, icterícia, restrição de crescimento simétrica, microcefalia, coriorretinite e perda auditiva. As alterações laboratoriais mais frequentes são trombocitopenia, hiperbilirrubinemia e transaminases hepáticas elevadas. Aproximadamente 30% dos recém-nascidos gravemente infectados evoluem para óbito, e 80% dos sobreviventes irão apresentar sequelas neurológicas graves. Cerca de 85% a 90% dos fetos infectados são assintomáticos ao nascimento. Desses, 10% a 15% apresentarão uma ou mais sequelas até os 2 anos de vida, como perda auditiva neurossensorial, coriorretinite, defeitos dentários, retardo mental e atrofia do nervo óptico. Estudos atuais comprovam a antiga teoria de que, quanto mais prematuramente a infecção ocorre na gestação, pior é o prognóstico fetal.
Ultrassonográfico O diagnóstico de CMV congênito pode ser suspeitado principalmente após a detecção de achados ultrassonográficos sugestivos de infecção. Esses sinais estão apontados na Tabela 8-3.
TABELA 8-3 Sinais ultrassonográficos de infecção fetal por CMV.
O diagnóstico de infecção primária materna é obtido atualmente pela soroconversão de IgM anti-CMV, detectada por meio de kits comerciais do teste ELISA (enzyme-linked immunossorbent assay), ou pela presença de IgG anti-CMV em pacientes sabidamente negativas em algum momento pré-concepção. Já o diagnóstico da infecção recorrente é suspeitado quando há aumento dos títulos de IgG anti-CMV, ou nova soroconversão de IgM, na presença de IgG positivo previamente. O uso do teste de avidez IgG específico anti-CMV mostrou-se eficaz em datar a infecção primária, sendo a presença de anticorpos de baixa avidez, resultado do exame índice < 30%, presente no sangue materno até 20 semanas após o contato com o vírus. Já Baccard-Longere e colaboradores propuseram aumentar o índice de alta avidez para 80%, para excluir com certeza a infecção por CMV até 12 semanas da data do exame. Porém, esse teste não é eficaz para diferenciar infecção recorrente de tardia e, visto que há a possibilidade de acometimento fetal nessa modalidade de infecção, esse teste isolado não é totalmente seguro para descartar o acometimento do concepto. O padrão-ouro para confirmar a infecção congênita por CMV é o isolamento do vírus por meio da cultura de urina ou saliva do recém-nascido, até três semanas do nascimento, e realizado em fibroblastos humanos. Nos últimos anos, tem sido demonstrada, por meio de vários ensaios clínicos, a utilidade do método da reação em cadeia da polimerase (PCR), na confirmação da infecção do feto, obtendo-se amostras de líquido amniótico, sangue ou placenta para análise, com a sensibilidade variando entre 77 e 100%, e a especificidade entre 95% e 100%. Liesnard e colaboradores realizaram um estudo da ferramenta diagnóstica com acompanhamento pós-natal até 2 anos de idade. Foram estudadas 210 pacientes com o diagnóstico de infecção aguda pelo CMV. Dessas pacientes, 55 transmitiram o vírus para o feto (26%). Aproximadamente 18% dos recém-nascidos com a doença congênita diagnosticada pelo método apresentaram sequelas neurológicas graves. O estudo da PCR no líquido amniótico permitiu sensibilidade global de 80%, mas os autores observaram que, quando o exame era realizado após 21 semanas ou era respeitado um intervalo de 7 semanas entre o diagnóstico materno e a amniocentese, sua precisão aumentava.
Tratamento da infecção fetal Embora haja fármacos antivirais específicos para o tratamento da citomegalovirose, como ganciclovir e foscarnet, seu uso para o tratamento da infecção por CMV congênito é incerto, devido à escassez dos dados. Atualmente, apenas é indicado tratamento da doença de CMV em pacientes imunodeficientes, em risco de vida ou com perda da visão. O foscarnet é um competidor de pirofosfato, enquanto o ganciclovir age como um competidor de guanosina durante a síntese de DNA viral. Porém, efeitos colaterais provocados por esses fármacos devem ser considerados cuidadosamente, em especial a toxicidade renal causada pelo uso de foscarnet e a pancitopenia provocada pelo uso de ganciclovir. O primeiro relato de tentativa de tratamento fetal humano data de 1993, quando Revello e colaboradores administraram ganciclovir dentro do útero, através da cordocentese, para o tratamento de um concepto de 29 semanas com o diagnóstico de infecção fetal, trombocitopenia e aumento do nível das transaminases hepáticas. Após o uso do fármaco houve queda da carga viral, melhora da trombocitopenia e diminuição no nível das transaminases hepáticas. Entretanto, ocorreu óbito fetal com 32 semanas de gestação e, durante a autópsia, várias células com corpos de inclusão citomegálica foram descritas em diversos tecidos fetais. Já outros autores relataram a administração bem-sucedida de ganciclovir intravenoso em uma gestante portadora do vírus da imunodeficiência humana e infecção por CMV. Após o nascimento, foi comprovada a passagem do vírus pela placenta e o recém-nascido apresentou traços do fármaco em seu plasma, discreta anemia, mas nenhum sinal de infecção congênita pelo CMV. Recentemente, uma paciente de 31 anos de idade, transplantada renal, com o diagnóstico de infecção por CMV e infecção fetal comprovado pelo PCR do líquido amniótico, foi tratada com ganciclovir oral. Ela deu à luz um recém-nascido saudável, sem vírus na cultura de urina. Uma alternativa para o tratamento fetal seria o uso de gamaglobulinas hiperimunes anti-CMV. Existem apenas duas referências na literatura, que são representadas por relatos de casos. Na primeira, foi infundida gamaglobulina intraperitonealmente no feto, com 28 e 29 semanas de idade gestacional. Posteriormente, foi comprovado aumento nos níveis de IgG anti-CMV na circulação fetal e ausência de DNA do CMV no líquido peritoneal fetal, embora tenha sido detectado o vírus na urina no recém-nascido. Outro relato propôs o uso de gamaglobulinas hiperimunes anti-CMV em uma gestação gemelar em que um feto aparentava infecção fetal, com placentomegalia e restrição de crescimento, e o outro não. O diagnóstico de infecção fetal por CMV foi confirmado por meio da realização de PCR no líquido amniótico. Foi prescrita a medicação por via endovenosa materna. Após algumas semanas de administração do medicamento, o concepto afetado voltou a crescer e houve diminuição do edema da placenta. Ao nascimento foi confirmada a presença de IgG anti-CMV em ambos os fetos, assim como a presença de vírus na urina, embora ambos, a partir de 8 meses de idade, não apresentassem mais traços do patógeno, nem sequelas. Por outro lado, em estudos recentes tem sido postulado o tratamento neonatal imediato com ganciclovir. Kimberlim e colaboradores realizaram um estudo controlado, randomizado e duplo-cego, entre 1991 e 1999, que envolveu 100 recémnascidos com acometimento congênito comprovado e sintomas neurológicos. Vinte e cinco desses pacientes receberam ganciclovir endovenoso por 6 semanas e 75 não receberam tratamento. Oitenta e quatro por cento dos pacientes em tratamento melhoraram ou mantiveram audição normal, contra 59% do grupo-controle (p = 0,06). Já nenhum do grupo de estudo piorou a audição, enquanto 41% do grupo-controle apresentaram piora deste sentido (p < 0,01). Dois terços dos pacientes tratados apresentaram neutropenia. Os autores concluem que a terapia com ganciclovir deve ser instituída para recém-nascidos com infecção congênita e sintomas neurológicos, tentando prevenir a perda da audição. Revisões da literatura recente apontam essa forma de tratamento como eficaz e, por isso, deve ser adotada por sistemas de saúde.
PARVOVIROSE Descoberto casualmente por Cossart e colaboradores em 1975, ao pesquisarem um antígeno de superfície da hepatite B em bolsas de sangue de doadores assintomáticos, com teste falso positivo para hepatite B, o parvovírus B19, também conhecido como eritrovírus, é um vírus de hélice simples de DNA de filamento único icosaédrico e sem envoltório, com capsídeo externo contendo duas proteínas estruturais. O termo B19 se deve ao fato de ser este o número da bolsa do estoque de sangue do laboratório em que este agente infeccioso foi detectado. Mais tarde foi reconhecido como fator causal de crise aplástica transitória e implicado como agente etiológico do eritema infeccioso. O parvovírus B19 apresenta tropismo para as células progenitoras de eritroides e outras células do sistema hematológico, como neutrófilos e plaquetas. Ocorrida a primoinfecção, o anticorpo IgM anti-B19 permanece indetectável por alguns meses. Já os anticorpos da classe IgG surgem em poucos dias. Dos vírus da família Parvoviridae, o Parvovírus B19 é o único que provoca a doença em humanos. Sua forma assintomática ocorre em até 50% das crianças e adultos, o que, obviamente, se constitui em verdadeira armadilha durante a gravidez, pois, ocorrendo transmissão vertical para o feto, este poderá sofrer ocorrer graves repercussões, como a temível hidropisia, a qual comumente culmina com êxito letal do concepto, além de abortamento espontâneo no primeiro trimestre da gravidez. Na forma sintomática, observa-se mais comumente eritema generalizado, edema e dor articular, crise aplástica e anemia grave eventualmente associada a infecções secundárias prolongadas. Na década de 1990 começaram a surgir relatos na literatura médica de anemia crônica devida à infecção persistente por parvovírus B19 em pacientes portadores do vírus da AIDS, demonstrando ser a imunodepressão causada por essa patologia importante fator para o agravo da parvovirose em adultos. Em pacientes portadores de anemia falciforme é causa importante para o desenvolvimento do quadro de anemia aplástica transitória. Apesar do caráter transitório dessa doença, alguns indivíduos acometidos podem evoluir para anemia progressiva mais grave, culminando com insuficiência cardíaca congestiva e óbito.
DIAGNÓSTICO As infecções pelo eritrovírus ocorrem mais frequentemente na forma de eritema infeccioso (quinta doença da infância) durante os meses de inverno e primavera, embora também possam afetar diversos grupos populacionais, principalmente crianças em idade escolar, nos demais meses do ano. Nem todos os indivíduos contaminados são sintomáticos. Em cerca de 50% dos casos a infecção pode ser assintomática. Após a ocorrência da primoinfecção, comumente surgem sintomas inespecíficos como cefaleia, mialgia, febre, calafrios e prurido cutâneo, seguidos de quadro clínico que mimetiza artrite reumatoide. Durante a gravidez, o parvovírus B19 não costuma ter nenhum potencial teratogênico. Entretanto, o feto infectado frequentemente evolui para miocardite, além de haver redução dramática de sua eritropoese, o que leva ao desenvolvimento de grave anemia e insuficiência cardíaca, culminando com hidropisia fetal não imune, com óbito intrauterino em torno de 50% dos casos.
Diagnóstico sorológico O diagnóstico sorológico é usualmente realizado pela pesquisa dos anticorpos IgG e IgM específicos antiparvovírus B19, utilizando-se kits comerciais disponíveis. A reação da polimerase em cadeia (PCR) pode ser realizada para a detecção de seu DNA no soro ou nos tecidos infectados de alguns pacientes. Diante do diagnóstico da primoinfecção pelo eritrovírus na gravidez, deve ser considerada a possibilidade de ocorrer transmissão vertical para o feto e, consequentemente, anemia por hemólise maciça.
Diagnóstico da infecção fetal No feto, geralmente o diagnóstico ocorre com diagnóstico diferencial nos casos de anemia fetal não imune. A quantificação da anemia fetal nos casos suspeitos pode ser feita pela avaliação dopplervelocimétrica do pico da velocidade sistólica da artéria cerebral média do feto. São realizadas três curvas espectrais no Doppler desta artéria, e, dos três valores obtidos, é considerado o maior deles para estabelecer o pico da velocidade sistólica como parâmetro preditor da anemia fetal. Se esse parâmetro exceder 1,5 múltiplo da mediana da curva construída por Mari e colaboradores para cada idade gestacional em semanas, é feito o diagnóstico de anemia fetal moderada ou grave, devendo o concepto ser submetido preferentemente a transfusão sanguínea intrauterina por cordocentese. A pesquisa do DNA do parvovírus B19, no líquido amiótico ou no sangue fetal, detectada pela técnica do PCR, associada a anticorpos IgM maternos específicos, é importante para a busca do diagnóstico causal da hidropisia do concepto.
TRATAMENTO DA INFECÇÃO FETAL O tratamento da infecção fetal pelo parvovírus B19, complicada com anemia grave e hidropisia, pode ser feito pela transfusão sanguínea intrauterina através de cordocentese. Convém ressaltar a grande importância de se esclarecer o casal grávido e obter seu consentimento antes da realização desta técnica de terapêutica fetal invasiva, em função do risco de 1% a 3% de perda do concepto devido ao próprio procedimento.
SÍFILIS Há mais de 50 anos foram descritas pela primeira vez as manifestações clínicas da sífilis congênita. Patologia infecciosa das mais comuns atualmente, tem vital importância no período gestacional, pois pode levar a graves repercussões fetais, com alto custo emocional para o casal grávido e consequente comprometimento da qualidade de vida futura do recém-nascido. Em função desse fato, devem ser observadas de modo rigoroso as manobras de prevenção e tratamento dessa doença durante a gravidez. A sífilis é doença de transmissão predominantemente sexual, causada pelo espiroqueta Treponema pallidum, o qual é facilmente observado na microscopia ótica em campo escuro, realizada em esfregaços colhidos no cancro duro, lesão típica da fase primária da patologia. Sua membrana externa contém substâncias não proteicas, dentre as quais podemos citar a difosfatidilglicerol, também conhecida como cardiolipina. A cardiolipina é o antígeno que induz à produção do anticorpo detectado pelo teste de VDRL (venereal disease research laboratory). Há evidências de que a cardiolipina é incorporada ao Treponema pallidum a partir dos tecidos afetados do hospedeiro, não sendo, portanto, sintetizada pelo espiroqueta. Segundo dados do Ministério da Saúde, a prevalência da sífilis em gestantes no Brasil é de 1,6%, o que corresponde a 50 mil parturientes portadoras da doença ativa e, consequentemente, ao nascimento de 12.000 crianças com sífilis congênita. Essa prevalência é maior em grupos populacionais de baixa renda, com primeira relação sexual em idade menor ou igual a 17 anos, com primeira gravidez em idade menor ou igual a 14 anos, com história de sífilis e/ou doença sexualmente transmissível anterior a gravidez, exame anti-HIV reagente ou não realizado, parto pré-termo anterior e feto natimorto como resultado da gravidez. Um dado que torna esses números mais alarmantes é que apenas 3% das gestantes realizam sorologia para sífilis no primeiro e terceiro trimestres da gravidez, conforme recomenda o Ministério da Saúde.
DIAGNÓSTICO As manifestações da sífilis primária ocorrem entre 30 e 60 dias após a exposição ao agente infeccioso. Sua lesão característica é conhecida como cancro duro, que se apresenta como uma exulceração indolor e não secretante, geralmente única, com a base endurecida e bordas sobrelevadas. Surge em torno de 3 a 4 semanas após o contágio e regride espontaneamente em 6 a 8 semanas. Por ser indolor e não secretante, pode passar despercebido quando localizado na vagina, o que permite maior chance de evolução para as fases tardias da sífilis. Concomitantemente com o cancro duro também pode ser observada adenopatia satélite inguinal, comumente dolorosa, mas que também pode não ser valorizada pelo paciente. A sífilis secundária ocorre em torno de 6 a 8 semanas após o aparecimento do cancro duro. É caracterizada pelo aparecimento de lesões exantemáticas macropapulares disseminadas, conhecidas como roséola sifilítica, pápulas na palma das mãos e planta dos pés, lesões papulares hipertróficas nos genitais e em áreas de dobra cutânea, conhecidas como condiloma plano, alopécia em couro cabeludo e sobrancelhas, febre, artalgia e linfonodomegalia. As lesões macropapulares são comumente confundidas pelo paciente com quadro alérgico urticariforme, apesar de não serem pruriginosas, o que também pode ser importante fator para a cronificação da doença, uma vez que tais lesões regridem espontaneamente, sem tratamento algum, em um prazo de 2 a 6 semanas. Em seguida, o paciente entra na fase latente, usualmente assintomática, a qual pode durar por até 4 anos em média. A doença é classificada como de fase latente recente até 1 ano do início da moléstia, e como de fase latente tardia após um ano. Cerca de 30% dos pacientes não tratados evoluem para a fase terciária, caracterizada por lesões granulomatosas cutaneomucosas (goma sifilítica), vasculite, que pode envolver o sistema cardiovascular, com predominância para a aorta, e invasão e comprometimento do sistema nervoso central (neurossífilis). A transmissão vertical do spiroqueta para o feto, por via transplacentária, é mais provável nas fases primária e secundária, que apresentam maior parasitemia.
Diagnóstico laboratorial Toda mulher, com desejo reprodutivo ou não, deve ser rastreada previamente com sorologias para as diversas infecções, particularmente aquelas com particular interesse no período gestacional. Na fase primária, os testes sorológicos para a patologia são negativos, devendo ser feita coleta de esfregaço na lesão suspeita de cancro duro, com posterior análise na microscopia ótica em campo escuro. Na lues secundária, latente e terciária, deve ser realizada a sorologia com a reação de VDRL, a qual detecta a presença de anticorpos contra a membrana lipídica de cardiolipina do espiroqueta e RPR (rapid plasm reagin). Esses dois testes podem apresentar falsos positivos, devido à eventual reação cruzada com hepatopatias crônicas, hanseníase, colagenoses, doença da inclusão citomegálica e mononucleose. A titulação do VDRL é alta na fase secundária sintomática da doença. Na fase de latência, o VDRL pode ter titulação baixa, principalmente após 1 ano do contágio, o que constitui um desafio diagnóstico para o médico, pois tal resultado sorológico também pode estar relacionado a uma cicatriz sorológica de sífilis antiga tratada. Nessa condição, portanto, deve o clínico atentar para o histórico e antecedentes diagnósticos e terapêuticos da paciente, além de lançar mão de testes sorológicos específicos para o Treponema pallidum. Após tratamento adequado da patologia, a titulação do teste de VDRL diminui cerca de quatro vezes em 3 meses. A reação de VDRL com titulações elevadas, na ausência de lesões cutâneas características do secundarismo luético, é indício de forte suspeita de sífilis terciária, sendo impositiva a pesquisa dos sintomas e sinais desta fase da doença. Testes treponêmicos específicos são excelente alternativa para o diagnóstico diferencial e das fases de latência da doença. São eles o FTA-ABS, com detecção de IgM e IgG (fluorescent treponemal antigen absorbent), o MHA-TP (microhemaglutination assay for Treponema pallidum), ELISA (enzyme-linked immunossorbent assay) e o PCR (polimerase chain reaction). Convém ressaltar que o FTA-ABS permanece positivo por toda a vida do paciente, mesmo tendo sido realizado o tratamento da patologia, caracterizando a cicatriz sorológica.
TRATAMENTO O fármaco de escolha para o tratamento da sífilis é a penicilina G benzatina, cuja dose e esquema terapêutico variam conforme a fase da doença. • Na sífilis primária, geralmente se consegue excelente resultado terapêutico com dose única de 2.400.000 unidades internacionais (UI) de penicilina G benzatina por via intramuscular (IM), metade da dose em cada glúteo. • A azitromicina constitui eventual escolha para o tratamento da sífilis primária em gestantes sensíveis à penicilina. Alguns estudos demonstraram a efetividade deste fármaco na dose de 1 g por semana, por 3 semanas, com remissão total da doença e ausência de transmissão vertical para o feto, além de ausência de efeitos adversos para o feto e a grávida. • Na sífilis latente recente e secundária, a dose recomendada é de 4.800.000 UI por via IM, administrada em duas doses de 2.400.000 UI, com intervalo de 7 dias. • Na sífilis latente tardia ou de duração ignorada e na sífilis terciária, devem-se administrar 2.400.000 UI por via IM por semana, com injeção de meia dose em cada glúteo, por três semanas. As pacientes com neurossífilis podem, alternativamente, ser medicadas com penicilina cristalina endovenosa por 10 a 14 dias. Um declínio de quatro vezes no título do VDRL indica sucesso no tratamento. Convém ressaltar que pode ocorrer falha no tratamento em torno de 5% a 14% dos casos, o que pode ser constatado pela ausência de decréscimo na titulação do VDRL. Tal fato pode ocorrer por não observância da dose adequada da penicilina ou por reinfestação com o espiroqueta. É de suma importância que se repita a investigação sorológica da gestante a cada mês, com o objetivos de investigar falha no tratamento ou eventual recidiva da moléstia, representada pelo aumento do título do VDRL para duas diluições ou mais, comum nas pacientes com sorologia positiva para o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV). Após 6 a 12 horas do início do tratamento, quase a totalidade das pacientes com sífilis primária e cerca da metade daquelas com sífilis secundária apresentam sintomatologia caracterizada por febre, sudorese, cefaleia, tremores, sensação de mal-estar, além de aumento transitório das lesões cutâneas da sífilis. Nas grávidas, concomitantemente com esses sintomas, podem ocorrer contrações uterinas, demandando terapêutica uterolítica, além de alterações dopplervelocimétricas transitórias, decorrentes de aumento da resistência vascular. Tais alterações constituem a reação de Jarisch-Herxheimer, que pode ser confundida com alergia à penicilina. Sua etiologia provavelmente está relacionada à liberação de antígenos treponêmicos na circulação da paciente durante o tratamento e desaparece após 24 horas. Gestantes alérgicas à penicilina devem ser submetidas preferentemente a tratamento de dessensibilização para este fármaco. Naquelas com alto risco de anafilaxia devido à admnistração de penicilina, a alternativa terapêutica é o estearato de eritromicina, na dose de 500 mg por via oral a cada 6 horas, por 15 dias nas fases recentes e por 30 dias nas fases tardias da moléstia. Entretanto, a eritromicina não atinge níveis séricos suficientes na circulação fetal que permitam efetiva proteção contra o espiroqueta. Nesse caso, o recém-nascido deve ser submetido a acurada avaliação clínica e sorológica e submetido a eventual terapêutica que se faça necessária.
Repercussões fetais Não há tratamento específico para o feto. Por outro lado, são várias as repercussões disrruptivas fetais consequentes à transmissão vertical do Treponema pallidum, comuns, aliás, a quase todas as infecções congênitas. Entre elas, podemos citar óbito fetal, restrição de crescimento fetal, hidropisia, hepatoesplenomegalia agravada por hepatite sifilítica, hidrocefalia, porencefalia, microcefalia e lesões ósseas, dentre outras. A taxa de transmissão vertical nas gestantes não tratadas é de 70% nas fases primária e secundária e de 30% nas fases latente e terciária, segundo o Ministério da Saúde. O recém-nascido infectado pode apresentar sinais de surgimento precoce, como exantema, hepatoesplenomegalia, coriorretinite, linfadenopatia, icterícia grave e pneumonia, além de tardios, como surdez, retardo mental e alterações dentárias e ósseas.
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Capítulo 9
Anormalidades do Sistema Nervoso Central Luciana de Barros Duarte, Eduardo Borges da Fonseca
INTRODUÇÃO O cérebro fetal apresenta as principais mudanças no desenvolvimento durante a gestação: na sétima semana de gestação, a área sonolucente é vista no polo cefálico, representando presumivelmente a vesícula rombencefálica cheia de líquido. Na nona semana, é possível a demonstração do padrão convoluto das três vesículas primárias. Com 11 semanas, o plexo coroide ecogênico brilhante preenche os grandes ventrículos laterais, que são as estruturas intracranianas mais proeminentes. No início do segundo trimestre, os ventrículos laterais e os plexos coroides diminuem de tamanho em relação à massa cerebral. A ultrassonografia é o método de escolha para o rastreamento e diagnóstico pré-natal das malformações fetais, pois é um exame não invasivo, acessível e seguro para mãe e feto. O adequado exame do SNC requer a visualização de determinadas estruturas do cérebro fetal: cerebelo, cisterna magna, ventrículos laterais, plexo coroide, linha média e cavidade do septo pelúcido. Essas estruturas englobam áreas importantes do cérebro, e, por isso, fornecem pistas para a exclusão ou o diagnóstico das anomalias do SNC.
AVALIAÇÃO ULTRASSONOGRÁFICA DO SNC A ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre permite avaliar algumas estruturas, como a integridade da calota craniana, o plexo coroide (em forma de borboleta), a coluna, com o alinhamento das vértebras, e a pele que cobre a coluna desde a região cervical até a sacral. Geralmente, é realizada pela via abdominal e poderá ser completada pela via endovaginal. No segundo trimestre, a ultrassonografia transabdominal é o método de escolha para a avaliação do SNC em gestantes de baixo risco. Nessa avaliação, inclui-se a visualização do polo cefálico e da coluna fetal. Para a adequada avaliação da integridade anatômica cerebral, pelo menos dois planos axiais devem ser verificados: o plano transventricular e o transcerebelar. A avaliação longitudinal da coluna fetal deve ser sempre realizada, já que pode revelar outros distúrbios da coluna, como anomalias vertebrais ou agenesia sacral. Adicionalmente, esse plano permite a avaliação da integridade da pele sobre a coluna. A avaliação da coluna fetal completa-se com a avaliação do plano transverso, a fim de avaliar os três centros de ossificação da coluna vertebral (um dentro do corpo e os outros dois, um de cada lado, na junção entre a lâmina e o pedículo) que envolvem o canal neural.
Defeitos abertos do tubo neural Esses defeitos incluem anencefalia, espinha bífida e encefalocele. A incidência dos defeitos do tubo neural gira em torno de 1:1.000 nascimentos. A anencefalia e a espinha bífida têm prevalência semelhante, representando 95% dos casos, enquanto a encefalocele é responsável por 5% dos defeitos do tubo neural. Definições: • Anencefalia (acrania) – Ausência da calota craniana, com degeneração secundária do cérebro (Fig. 9-1). • Encefalocele – Defeito craniano, geralmente occipital, com herniação cística preenchida por líquido ou tecido cerebral. • Espinha bífida (mielodisplasia ou mielomeningocele) – O arco neural, geralmente na região lombossacra, apresenta-se incompleto, com lesão secundária dos nervos expostos (Fig. 9-2).
FIGURA 9-1 Anencefalia (acrania). Feto com idade gestacional de 12 semanas. Note a ausência da calota craniana.
FIGURA 9-2 Defeito aberto do tubo neural (DATN). Em A, corte sagital demonstrando a ausência dos ossos da coluna lombossacra com perda da integridade da pele subjascente. Em B, corte transversal mostra o arco neural em forma de “U”.
Etiologia Em mais de 90% dos defeitos do tubo neural, a etiologia é desconhecida. Alterações cromossômicas, genes mutantes simples e diabetes melito materno ou ingestão de teratógenos, como medicamentos antiepiléticos, são responsáveis por 10% dos casos. O risco de recorrência é de 5% a 10% e está presente quando os pais ou irmãos anteriores tiverem sido afetados. Nessa situação, a suplementação pré-concepcional materna de folato reduz em cerca de metade o risco do desenvolvimento dessa enfermidade. A dose recomendada de ácido fólico é de 4 mg nos grupos de alto risco e de 0,4 mg nos grupos de baixo risco.
Diagnóstico O rastreio dos defeitos do tubo neural através da ultrassonografia identifica 95% dos casos. No primeiro trimestre, o diagnóstico pode ser feito após a 11ª semana de gestação, quando geralmente ocorre a
ossificação da calota craniana. Sinal patognomônico no primeiro trimestre é a acrania, com o cérebro apresentando diferentes graus de distorção e destruição. No segundo trimestre, o diagnóstico de anencefalia é baseado na não visualização da calota craniana e dos hemisférios cerebrais. A associação a lesões na coluna está presente em 50% dos casos. O diagnóstico da espinha bífida requer o exame sistemático de todo o arco neural, da região cervical à sacral, avaliado longitudinal e transversalmente. Na avaliação transversal, o arco neural normal aparece como um círculo fechado coberto pela pele intacta, enquanto na espinha bífida o arco aparece em forma de “U” associado a um abaulamento da meningocele (cisto de paredes finas) ou mielomeningocele. A extensão do defeito e a associação com a cifoescoliose são mais bem mensuradas por meio da avaliação sagital. O diagnóstico da espinha bífida é reforçado pelo reconhecimento de anomalias associadas à calota craniana e ao cérebro como um estreitamento da calota craniana em sua face frontal, ao invés de sua forma ovalada convencional, descrito como sinal do limão (Fig. 9-3) e obliteração da cisterna magna, com ausência do cerebelo ou curvatura anormal dos hemisférios cerebrais (sinal da banana). A ventriculomegalia está presente, em graus variados, em praticamente todos os casos de espinha bífida aberta ao nascimento, mas em apenas 70% dos casos do segundo trimestre (Fig. 9-4).
FIGURA 9-3 Aspecto do polo cefálico no DATN. Em A, obliteração da cisterna magna, com curvatura anormal dos hemisférios cerebrais (sinal da banana). Em B, acavalgamento frontal dos ossos parietais com estreitamento da calota craniana em sua face frontal (sinal do limão).
FIGURA 9-4 Avaliação do SNC em feto com DATN. A imagem demonstra ventriculomegalia grave, determinando compressão do parênquima contra a calota craniana. Note o plexo coroide pendente. As encefaloceles são reconhecidas como defeitos cranianos com herniação de cistos contendo líquido ou tecido cerebral, localizadas na maioria das vezes na região occipital (em 75% dos casos). Alternativamente, também podem se localizar nas regiões frontoetimoidal e parietal.
Prognóstico
A anencefalia é letal, ou seja, o recém-nascido (RN) vai a óbito horas ou logo após o nascimento. O prognóstico na encefalocele é inversamente proporcional à quantidade de tecido cerebral herniado. Em geral, a mortalidade neonatal gira em torno de 50%, e mais de 80% dos sobreviventes é intelectual e neurologicamente deficiente. Na espinha bífida, a gravidade depende da extensão e da altura do disrafismo, bem como da presença de anormalidades associadas. Nos defeitos isolados há, aproximadamente, risco de 10% de que os RN sobreviventes apresentem algum grau de retardo mental. Embora o tratamento cirúrgico precoce possibilite melhora dos resultados neonatais, na maioria das vezes ainda ocorrerá disfunção ortopédica e geniturinária importante, como paralisia dos membros inferiores, incontinência fecal e urinária. Além disso, também hverá hidrocefalia associada, que requer tratamento cirúrgico.
Iniencefalia É uma anormalidade que acomete as vértebras cervicais associada a defeito aberto do tubo neural (DATN) alto e lordose excessiva da coluna cervical e torácica. É extremamente rara, com prevalência maior no sexo feminino (M1:F10), e a utilização pré-conceptual de ácido fólico diminui sua incidência e/ou recorrência.
Etiologia A causa não é definida; trata-se de uma alteração esporádica, à qual não há nenhuma síndrome associada. É possível que a iniencefalia seja um defeito primário no desenvolvimento da coluna cervical fetal e que a lordose resultante provoque uma falha no fechamento do tubo neural. Alternativamente, pode ser um defeito primário no fechamento do tubo neural. Anencefalia, encefalocele, microcefalia e outras anomalias têm sido associadas com iniencefalia.
Diagnóstico Imagem ultrassonográfica revela retroflexão fixa do polo cefálico, com a face voltada para cima. Adicionalmente, mostra-se a coluna cervical encurtada, com perda de algumas vértebras, e o polidrâmnio é achado frequente.
Prognóstico A inencefalia diagnosticada in utero é, geralmente, letal, ou seja, o óbito ocorre horas ou logo após o nascimento.
Hidrocefalia e ventriculomegalia O líquido cefalorraquidiano (LCR) é produzido pelo plexo coroide, localizado no interior dos ventrículos laterais, e flui em direção ao terceiro e, depois, ao quarto ventrículo. Neste nível, ele passa pelo forame de Luschka e Magendie, para dentro do espaço subaracnoide, que banha externamente todas as estruturas cerebrais. Continua fluindo através das cisternas subaracnoides e é absorvido pelas granulações de Pacchioni. A ventriculomegalia no período pré-natal é encontrada em 1 de cada 500 nascimentos. É definida como o aumento do diâmetro de um ou ambos os ventrículos maior ou igual a 10 mm, podendo os diferentes graus de dilatação estar ou não associados à dilatação do 3º e 4º ventrículos. Ventriculomegalia é um termo descritivo, indicando excesso de fluido cerebroespinhal nos ventrículos laterais do cérebro em desenvolvimento. O termo hidrocefalia se aplica apenas aos casos de ventriculomegalia com aumento da pressão do fluido cerebroespinhal, causada, principalmente, por obstrução do sistema de drenagem ou por produção aumentada de LCR. Visto que não é possível medir a pressão do LCR no período fetal, o termo ventriculomegalia deveria ser preferido a hidrocefalia no diagnóstico pré-natal, exceto nos casos em que se torne evidente por uma grande dilatação do ventricular. As dilatações de origem obstrutiva podem ser classificadas em não comunicantes (estenose de aqueduto) ou comunicantes. Na primeira, ocorre estenose do aqueduto de Sylvius com consequente dilatação do terceiro ventrículo e dos ventrículos laterais. Na segunda, pode haver obstrução à drenagem extraventricular do LCR, dificuldade de drenagem ou aumento de produção. Neste caso, ocorre, inicialmente, dilatação do espaço subaracnoide e, posteriormente, de todo o sistema ventricular. Todavia, com a evolução da doença, a dilatação do espaço subaracnoide e do quarto ventrículo torna-se menos perceptível, restando a dilatação do terceiro ventrículo e dos ventrículos laterais. Assim, é praticamente impossível diferenciá-las pela ultrassonografia pré-natal. Nas dilatações não obstrutivas existe menor quantidade de tecido cerebral lesado e a pressão intracraniana é normal. Neste grupo, há maior associação com cromossomopatias, síndromes dismórficas, agenesia do corpo caloso e porencefalia.
Etiologia A ventriculomegalia pode ser o resultado de uma anormalidade cromossômica ou genética, hemorragia intrauterina ou infecção congênita, mas muitos casos ainda não têm etiologia clara. De maneira didática, as principais causas de ventriculomegalia estão expostas na Figura 9-1. De forma prática, nas ventriculomegalias com diâmetro do átrio inferior a 15 mm estamos diante de causas não obstrutivas, com maior associação de cromossomopatias, síndromes genéticas e agenesia do corpo caloso. Naquelas com diâmetro maior ou igual a 15 mm, devemos pensar nas heranças ligadas ao cromossomo X, infecção intrauterina e DATN.
Diagnóstico A avaliação no plano transversal do crânio no nível da cavidade do septo pelúcido (plano transventricular) demonstra a dilatação ventricular e a presença do plexo coroide circundado por líquido. A ventriculomegalia está dividida, de acordo com o diâmetro do átrio, em: • Leve: 11-12 mm • Moderada: 13-15 mm • Grave: maior que 15 mm.
Conduta Inicialmente, deve-se indagar ao casal sobre história familiar, presença de doenças genéticas e história prévia de trauma e/ou infecção viral. Depois, é preciso examinar a anatomia fetal detalhadamente, em especial o cérebro, com o objetivo de excluir a presença de outras anomalias. A coluna deve ser avaliada nos três planos para excluir DATN. A determinação do cariótipo está
indicada para excluir cromossomopatias, e sorologia materna deve ser avaliada para excluir infecções (toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus). Devem ser realizadas ecografias seriadas a cada 2 ou 4 semanas para definir a evolução da ventriculomegalia. Em alguns casos, um quadro de dilatação ventricular menor ou igual a 15 mm pode ocultar um inadequado desenvolvimento cerebral, como lissencefalia (ausência parcial ou total dos giros cerebrais) ou alguma lesão destrutiva, como a leucomalácia periventricular (área cística periventricular, caracterizada por dano, na maioria das vezes isquêmico, na massa branca do encéfálo). A ressonância magnética (RM) pode ser útil nestes casos, e será realizada em período próximo da 32ª semana de gestação.
Prognóstico A mortalidade perinatal e o desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) dos sobreviventes estão fortemente ligados à presença ou ausência de outras malformações e alterações cromossômicas. A ventriculomegalia leve (10-12 mm) está geralmente associada a bom prognóstico. O comprometimento do DNPM é observado em cerca de 20% dos casos de ventriculomegalia moderada (13-15 mm) e em cerca de 50% dos casos de ventriculomegalia grave (maior que 15 mm). Diante da presença de lissencefalia, o prognóstico, invariavelmente, é ruim. Os sobreviventes apresentam convulsões frequentes e grave retardo do DNPM. A maioria evolui para o óbito antes do segundo ano de vida.
Terapia Fetal Experiências dos anos 1980 que tratavam fetos hidrocefálicos com desvio ventriculoamniótico foram abandonadas porque levaram a resultados não encorajadores. Não estão indicados, no momento, procedimentos nesse sentido, sendo preferível a derivação ventriculoperitoneal no período pós-natal.
Holoprosencefalia Holoprosencefalia é secundária a uma falha na separação das vesículas cerebrais entre o 28º e 32º dia de gestação. Há ausência de clivagem ou clivagem incompleta do prosencéfalo. Assim, além do espectro de anomalias estruturais congênitas cerebrais, pode haver alterações da linha média facial, como ciclopia, prosbócide, etmocefalia e fissura labiopalatal.
Diagnóstico A holoprosencefalia pode ser diagnosticada no primeiro trimestre de gestação, no corte transversal do polo cefálico, com objetivo de visualizar a linha média e os plexos coroides, e se apresenta em três tipos: alobar, semilobar e lobar (Fig. 9-5). • Alobar – A mais grave, é caracterizada por uma cavidade ventricular única, ausência de fissura inter-hemisférica e fusão do tálamo na linha média. • Semilobar – Existe uma segmentação parcial dos ventrículos e dos hemisférios cerebrais posteriormente, com incompleta fusão do tálamo. À ultrassonografia, observa-se linha média presente, porém, os cornos anteriores dos ventrículos laterais apresentam-se fundidos e se comunicando com o terceiro ventrículo. O septo pelúcido está ausente. • Lobar – Os ventrículos e o tálamo estão separados, ou seja, estão ecograficamente normais. Todavia, o trato olfatório e o septo pelúcido estão ausentes.
FIGURA 9-5 Holoprosencefalia alobar em feto no primeiro trimestre da gestação. Em A, imagem típica do polo cefálico em corte transversal no curso da 12ª semana de gestação demonstrando a integridade da calota craniana e das estruturas internas. Em B, mesmo corte anterior demonstrando imagem anecoica na porção anterior do polo cefálico com fusão completa dos tálamos, compatível com holoprosencefalia alobar. Em C, peça anatômica do caso anterior. Em D, imagem ultrassonográfica típica de holoprosencefalia semilobar. As holoprosencefalias alobar e semilobar são associadas a anomalias faciais (quanto mais grave a anomalia facial, mais grave será a malformação cerebral) e microcefalia. Embora em alguns casos a causa seja uma anomalia cromossômica, geralmente a trissomia do cromossoma 13, ou uma anomalia genética autossômica recessiva ou dominante, na maioria das vezes a causa é desconhecida. Há relatos de alguns agentes teratogênicos envolvidos com a holoprosencefalia, como uso abusivo de álcool, fenitoína, ácido retinoico, diabetes pré-gestacional e infecções congênitas.
Diagnóstico
Um ventrículo único dilatado na linha média no lugar dos dois ventrículos laterais ou a segmentação parcial dos ventrículos são visualizados ao se realizar o corte transversal padrão do crânio fetal para medir o diâmetro biparietal. Os tipos alobar e semilobar estão sempre associados a defeitos faciais, como hipotelorismo ou ciclopia, fenda facial e nasal, hipoplasia ou probociose.
Conduta Exame da anatomia fetal detalhada, com o objetivo de excluir a presença de outras anomalias, é fundamental, especialmente avaliação cardíaca por especialista em ecocardiografia fetal. A indicação médica para a realização do cariótipo fetal é obrigatória. Em casos com cariótipo normal, pesquisa materna para diabetes e infecção congênita é recomendada. Não há indicação para a resolução dos casos antes do termo, nem indicação para cesárea. Considerando que todos os casos apresentam um prognóstico extremamente reservado, não há necessidade de monitorar a gestação com exames ecográficos frequentes, exceto por solicitação dos pais. Consulta pré-natal com neonatologista pode ser agendada para discutir com os pais sobre a realização ou não de manobras de ressuscitação neonatal.
Prognóstico As holoprosencefalias alobar e semilobar são letais, com pacientes afetados morrendo até o nascimento ou nos primeiros 6 meses de vida. A holoprosencefalia lobar está associada a grave retardo mental. O risco de recorrência de uma holoprosencefalia esporádica e não cromossômica é de 6%.
Agenesia do corpo caloso (ACC) O corpo caloso (CC) é um feixe de fibras que conecta os dois hemisférios cerebrais e se desenvolve entre a 12ª e a 18ª semana de gestação. A agenesia do corpo caloso pode ser completa ou parcial, e, quando parcial, geralmente a parte ausente é a posterior. Está presente em 1 de cada 200 nascidos vivos (Fig. 9-6). Durante o pré-natal, 3% dos fetos com ventriculomegalia apresentam ACC.
FIGURA 9-6 Corpo caloso. Em A, imagem 2D do perfil fetal (corte sagital) demonstrando o corpo caloso. Em B, imagem esquemática do mesmo corte ultrassonográfico demonstrando o corpo caloso, que pode ser mais bem identificado com o auxílio do Doppler ao se demonstrar a artéria pericalosa (C). Em D, imagem ultrassonográfica típica da ACC, configuração em lágrima dos cornos posteriores dos ventrículos laterais.
Etiologia Pode ser causada pelo inadequado desenvolvimento cerebral ou por uma lesão destrutiva secundária. É comumente associada a anomalias cromossômicas, em geral as trissomias dos cromossomos 18, 13 e 8, e a mais de 100 síndromes genéticas. Todavia, a maioria dos casos de ACC isolada é esporádica.
Diagnóstico Toda a extensão do corpo caloso pode ser visualizada como uma faixa anecoica, demarcada superior e inferiormente por duas linhas ecogênicas, que possibilitam avaliar não apenas sua presença, mas seu tamanho e aspecto. O corpo caloso não é visualizado nos planos transversos do cérebro, mas sua ausência pode ser suspeitada na não visualização da cavidade do septo pelúcido entre 18 e 37 semanas e na configuração em lágrima dos cornos posteriores dos ventrículos laterais (Fig. 9-6). A agenesia do corpo caloso é demonstrada em um corte sagital e coronal médio, o que pode requerer uma avaliação ultrassonográfica vaginal. A hipoplasia ou agenesia parcial do corpo caloso pode ser suspeitada quando há diminuição da espessura ou alteração do formato dessa estrutura no corte medial. Adicionalmente, pode ser observado o desvio do curso normal da artéria pericalosa, que, nesses casos, segue anteriormente o contorno do corpo caloso (genu e corpo), mas continua superiormente na altura do esplênio ausente.
Conduta O cariótipo fetal é essencial. São necessárias a avaliação do geneticista para afastar síndrome genética nos pais (autossômica dominante, como esclerose tuberosa), a avaliação do coração fetal por ecocardiografista fetal e a pesquisa de infecção congênita. Não há necessidade de mudar a conduta pré-natal nem antecipar o parto.
Prognóstico O prognóstico depende da causa subjacente e da presença/ausência de anomalias associadas. As anomalias congênitas do corpo caloso estão comumente associadas a outras malformações, aneuploidias ou síndromes genéticas. Embora seja um achado isolado, existe elevado risco de alteração no DNPM com espectro de gravidade variando de leve a grave.
Malformações da fossa posterior As malformações da fossa posterior podem ser divididas em malformação de Dandy-Walker, variante da malformação de Dandy-Walker e megacisterna magna. O complexo de Dandy-Walker se refere a um espectro de anomalias no cerebelo e vérmis cerebelar, dilatação cística do quarto ventrículo e aumento da cisterna magna. • Malformação de Dandy-Walker – Agenesia completa ou parcial do vérmis cerebelar, dilatação cística do quarto ventrículo, aumento da fossa posterior com deslocamento superior do cerebelo (Fig. 9-7). • Variante de Dandy-Walker – Variável hipoplasia do vérmis cerebelar com ou sem o aumento da cisterna magna. • Megacisterna magna – Cisterna magna de dimensões aumentadas. A distância entre o vérmis e a borda interna do crânio é maior que 10 mm, o vérmis cerebelar e o quarto ventrículo apresentam-se normais (Fig. 9-8).
FIGURA 9-7 Malformação de Dandy-Walker: note a ausência completa do vérmis cerebelar e hemisférios cerebelares hipoplásicos.
FIGURA 9-8 Variante da malformação de Dandy-Walker: cisterna magna de dimensões aumentadas (distância entre o vérmis e a borda interna do crânio maior que 10 mm). Note que o vérmis cerebelar e o quarto ventrículo estão normais. Atualmente, sugere-se que a malformação de Dandy-Walker deve ser diferenciada de outras lesões císticas da fossa posterior, incluindo o cisto da bolsa de Blake, a megacisterna magna, o cisto aracnóideo, assim como a agenesia/hipoplasia do vérmis cerebelar. Os termos “variante” e “complexo” de Dandy-Walker deveriam ser evitados.
Etiologia A malformação de Dandy-Walker está presente em cerca de 1 a cada 30.000 nascimentos, pode ser um achado isolado sem causa aparente ou ser um resultado inespecífico de cromossomopatias (15% a 30% dos casos), geralmente triploidias e as trissomias dos cromossomos 18 e 13, de mais de 50 síndromes genéticas, de infecções congênitas ou do uso periconcepcional de fármacos teratogênicos, como varfarina.
Diagnóstico O conteúdo da fossa posterior é visualizado fazendo-se um corte no polo cefálico no plano transcerebelar (corte oblíquo obtido a partir do plano transtalâmico com leve inclinação da parte posterior do transdutor no sentido caudal do feto) descrito no Capítulo 5. Estão presentes na malformação de Dandy-Walker a dilatação cística do quarto ventrículo, hemisférios cerebrais anormais e agenesia completa ou parcial do vérmis cerebelar; em mais de 50% dos casos, existe associação com ventriculomegalia e outros defeitos extracraniais. O diagnóstico parcial da agenesia do vérmis é difícil; pode-se chegar a um falso diagnóstico caso o plano adequado não seja avaliado.
Conduta O cariótipo fetal é essencial na determinação do prognóstico fetal. Avaliação morfológica detalhada, em especial do SNC e do coração fetal por ecocardiografista fetal, é fundamental para descartar outras alterações associadas. Exame ultrassonográfico seriado, a cada 3 ou 4 semanas, está indicado para avaliar ventriculomegalia associada, e o parto após a 32ª à 34ª semana pode ser considerado quando há piora progressiva de ventriculomegalia grave. Todavia, tal conduta é controversa porque o prognóstico nesses casos é extremamente pobre.
Terapia Fetal Não há indicação, no momento, para procedimentos terapêuticos para o feto, sendo preferível a derivação ventriculoperitoneal no período pós-natal.
Prognóstico O prognóstico é difícil de ser avaliado, pois vários fatores podem piorar o prognóstico. Aproximadamente um terço dos casos está associado a cromossomopatias letais, sendo a trissomia do cromossomo 18 a mais frequente. Dentre aqueles com cariótipo normal, a mortalidade pós-natal é de, aproximadamente, 35% e é dependente de outras anormalidades associadas. Dentre os pacientes sobreviventes com malformação de Dandy-Walker isolada, 20% a 30% têm rebaixamento do coeficiente de inteligência (QI) e aproximadamente 50% apresentam alteração no DNPM e alteração neurológica. Por outro lado, em casos com agenesia parcial do vérmis cerebelar (identificação de duas fissuras e três lóbulos) e ausência de anomalias associadas, a literatura atual relata um seguimento clínico e intelectual favorável. E, nos casos de em que há aumento isolado da cisterna magna, o prognóstico é bom.
LESÕES CÍSTICAS INTRACRANIANAS
Cistos aracnoides Cistos aracnoides são lesões congênitas da membrana aracnoide que se expandem com LCR, formando um saco de líquido na membrana aracnoide que cobre o cérebro e a medula espinhal. Correspondem a aproximadamente 1% das massas intracranianas em recém-nascidos. A localização mais comum dos cistos aracnoides intracraniais são a fossa média (perto do lobo temporal), a região suprasselar (perto do terceiro ventrículo) e a fossa posterior, onde localizam-se o cerebelo, a ponte e o bulbo.
Etiologia Podem ser primários (congênitos), não se comunicando com o espaço subaracnóideo e supostamente originários do mau desenvolvimento da membrana aracnoide, ou secundários a trauma, hemorragia ou infecção, comunicando-se com o espaço subaracnóideo. Adicionalmente, podem estar associados a ventriculomegalia e a disgenesia do corpo caloso.
Diagnóstico A maioria dos cistos aracnoides é diagnosticada no terceiro trimestre, e poucos no segundo trimestre. A ultrassonografia demonstra uma estrutura bem definida, anecoica, de tamanho variado (Fig. 9-9). São localizados mais comumente na superfície cerebral, no nível das principais fissuras (principal Sylvius).
FIGURA 9-9 Cisto aracnoide: imagem cística anecoica com limites precisos, rechaçando o tecido encefálico, em região suprasselar, próximo ao terceiro ventrículo. Em A, corte coronal transfontanela. Em B, corte transventricular. O estudo Doppler é realizado no diagnóstico diferencial com o aneurisma da veia de Galeno. Ultrassonografias seriadas auxiliam no seguimento do cisto. O aumento de volume pode evoluir com ventriculomegalia. A RNM auxilia diagnosticando outras alterações do SNC, como compressões no aqueduto, comunicação entre o cisto e os ventrículos e disgenesia do corpo caloso. O diagnóstico diferencial deve ser feito com outras lesões císticas hipoecoicas, como cistos porencefálicos, cistos glioependimais, aneurisma da veia de Galeno, esquizencefalia, neoplasmas císticos e hemorragia intracraniana.
Conduta Diante de uma imagem isolada de cisto aracnoide, devemos fazer uma avaliação morfológica detalhada para descartar alterações associadas a cromossomopatias; o cariótipo fetal pode ser dispensado. Avaliação ultrassonográfica seriada deve ser preconizada a cada 3 ou 4 semanas para detectar progressão de ventriculomegalia. Não há indicação para resolução dos casos antes do termo, nem indicação para cesárea, exceto em casos em que haja aumento desproporcional do perímetro cefálico. Consulta pré-natal com neonatologista e neurocirurgião pediátrico deveria ser rotina para assegurar um atendimento específico no parto, que deve ocorrer em hospital terciário.
Prognóstico A associação com cromossomopatia é pouco frequente, a maioria das lesões são isoladas. Na maioria dos casos é esporádica, porém raramente há história familiar de herança autossômica recessiva. A associação entre cisto aracnoide e ACC sugere síndrome de Aicardi (ausência parcial ou total do corpo caloso, cisto aracnoide, anomalias na retina e convulsões), uma doença genética ligada ao cromossomo X letal no sexo masculino. Assim, quando não há outras lesões do SNC ou malformações congênitas associadas, caso o cisto apresente baixo padrão de crescimento e não haja ventriculomegalia grave, o prognóstico é favorável, com desenvolvimento neurológico normal na maioria dos casos.
Aneurisma da veia de Galeno O aneurisma da veia de Galeno é uma dilatação na linha média da veia de Galeno causada por uma malformação arteriovenosa, localizada profunda e posteriormente ao tálamo e no espaço subaracnoide (Fig. 9-10).
FIGURA 9-10 Aneurisma da veia de Galeno: imagem cística anecoica com limites precisos, localizada próximo ao tálamo (A), que apresenta aspecto similiar à imagem da Figura 9. Em B, o Power Doppler revela fluxo no interior, compatível com aneurisma da veia de Galeno.
Etiologia É uma anomalia esporádica e rara, com repercussões hemodinâmicas.
Diagnóstico Com base na demonstração de um cisto alongado supratentorial translúcido na linha média. O estudo Doppler demonstra ativo fluxo arteriovenoso no interior do cisto.
Prognóstico No período neonatal, cerca de 50% das crianças apresentam insuficiência cardíaca e o restante é assintomático. Em uma fase tardia, podem desenvolver hidrocefalia e hemorragia intracraniana. A embolização ou cateterização da lesão oferecem bons resultados.
Microcefalia A microcefalia caracteriza-se pelo tamanho menor da cabeça e do cérebro. É encontrada em 1 em cada 10.000 nascidos vivos, em ocorrência isolada. Porém, pode ser mais comum quando associada a outras anormalidades.
Etiologia Pode ser o resultado de anomalias cromossômicas (sendo a trissomia do cromossomo 13 a mais frequente), síndromes genéticas, hipóxia fetal, infecções congênitas e exposição à radiação ou outros agentes teratogênicos, como anticoagulantes (varfarina). A microcefalia é encontrada na presença de outras anomalias cerebrais, como a encefalocele e a holoprosencefalia. História familar de microcefalia isolada pode estar associada a herança autossômica recessiva ou dominante.
Diagnóstico A microcefalia é definida quando a circunferência cerebral está três desvios-padrão abaixo da média. Nos casos de microcefalia aparentemente isolada, é necessário demonstrar a progressiva diminuição, com o avanço da gravidez, da relação entre circunferência cefálica e abdominal (CC/CA) abaixo do percentil 2,5. É necessário observar que o diagnóstico pode não ser aparente antes do terceiro trimestre. Adicionalmente, na microcefalia existe uma típica desproporção entre o tamanho do crânio e a face. O cérebro é pequeno, com maior acometimento dos hemisférios cerebrais em relação ao mesencéfalo e à fossa posterior.
Conduta Diante de achado ultrassonográfico de microcefalia, é importante, inicialmente, indagar o casal sobre história familiar, presença de doenças genéticas e história de infecção viral ou uso de agentes teratogênicos. Deve ser realizado exame detalhado da anatomia fetal, especialmente do cérebro, com o objetivo de excluir a presença de outras anomalias, e ecocardiografia fetal por especialista. O cariótipo fetal é recomendado, em especial se houver outras anormalidades associadas.
Prognóstico Embora o prognóstico dependa de causas subjacentes, na maioria das vezes é invariavelmente ruim. Quando a microcefalia é um achado isolado, a incidência de alteração no DNPM depende do grau da microcefalia, em torno de 25% quando a circunferência cefálica está entre o 1º e o 3º percentis, e de 75% quando se encontra no primeiro percentil para a idade gestacional.
Megaencefalia A megaencefalia consiste no tamanho aumentado da cabeça e do cérebro.
Etiologia Geralmente, é familiar e não tem nenhuma consequência adversa. Entretanto, pode ser consequência de síndromes genéticas, como síndrome de Beckwith-Wiedemann, acondroplasia, neurofibromatose e esclerose tuberosa.
Diagnóstico O diagnóstico é feito pela demonstração da relação entre circunferência cefálica e abdominal (CC/CA) acima do percentil 99 para a idade gestacional, na ausência de hidrocefalia ou de massas intracranianas. A megaencefalia unilateral é uma condição esporádica caracterizada por macrocrania, desvio do eco na linha média, aumento limítrofe do ventrículo lateral e um giro atípico do hemisfério afetado.
Prognóstico A megaencefalia isolada é geralmente uma condição assintomática. Quando unilateral, está associada a grave retardo mental e convulsões intratáveis.
Lesões cerebrais destrutivas As lesões destrutivas cerebrais são encontradas em cerca de 1 a cada 10.000 nascidos vivos. São descritas a seguir.
Porencefalia A porencefalia é, em geral, resultado de um processo destrutivo secundário a uma hemorragia intraparenquimal, isquemia das artérias cerebrais, infecção, trauma ou síndrome de transfusão fetofetal. Refere-se a uma área de encefalomalácia, que terá ocorrido no terceiro trimestre.
Etiologia Os cistos porencefálicos, quando ocorrem, são divididos em duas categorias, com basea na etiologia e no período em que surgiu durante a gestação. A porencefalia do tipo I é referida na literatura como falsa porencefalia, porencefalia encefaloclástica ou esquizoencefalia encefaloclástica. É uma condição que ocorre no terceiro trimestre, secundária a um processo destrutivo em que a área do parênquima cerebral destruído é substituída por fluido cerebroespinhal. A porencefalia do tipo II refere-se à porencefalia verdadeira. Denominada esquizoencefalia porencefálica, é uma condição congênita devido a um defeito na migração neuronal, que geralmente ocorre no segundo trimestre.
Esquizoencefalia Também denominada porencefalia verdadeira ou esquizoencefalia porencefálica, é uma malformação no córtex cerebral, caracterizada pela presença de fendas espessas revestidas por substância cinzenta, que podem ser unilaterais, assimétricas ou bilaterais, estendendo-se da superfície do cérebro aos ventrículos.
Prognóstico O prognóstico da porencefalia está relacionado a tamanho, citologia, localização e idade gestacional em que surgiu a lesão. A esquizoencefalia está associada a grave atraso no DNPM e convulsões.
Hidranencefalia A hidranencefalia é definida como ausência congênita dos hemisférios cerebrais, que são substituídos por líquido cefalorraquidiano (LCR), e é considerada um exemplo extremo da porencefalia, pois pouco ou nenhum parênquima cerebral está presente no espaço intracraniano remanescente preenchido com fluido cerebral.
Etiologia A etiologia é heterogênea, sendo a maioria dos casos decorrentes de isquemia cerebral generalizada devido à oclusão bilateral da artéria carótida ou infecção congênita grave (rubéola, herpes, CMV ou toxoplasmose), com destruição do parênquima cerebral. A isquemia pode ser devida a hipotensão materna grave, agenesia vascular cerebral ou oclusão da veia de Galeno. Doenças tromboembólicas maternas, convulsões graves e repetidas e grave hemorragia materna são condições predisponentes. A hidrocefalia grave difere da hidranencefalia devido à presença de lâmina cerebral externa ao ventrículo. Pode haver associação com cromossomopatia, sendo a trissomia do cromossomo 13 a mais comum.
Diagnóstico A avaliação do crânio no plano transversal no nível da cavidade do septo pelúcido (plano transventricular) demonstra presença de líquido em toda a área cerebral, sem identificação do córtex cerebral.
Conduta Inicialmente, deve-se indagar o casal sobre história familiar, presença de doenças genéticas e história de infecção viral ou distúrbios tromboembólicos adquiridos ou congênitos. O exame da anatomia fetal detalhada, a determinação do cariótipo para excluir cromossomopatias e a sorologia materna (toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus) são passos importantes que podem auxiliar na elucidação da causa. A ressonância magnética (RM) pode ser útil nesses casos, tanto na documentação como na confirmação da destruição total da massa encefálica.
Prognóstico A hidranencefalia é letal, ou seja, o óbito ocorre em algumas horas ou logo após o nascimento. É importante ressaltar que, se o tronco encefálico estiver presente, o recém-nascido poderá sobreviver por alguns dias após o nascimento, porém, essa condição é incompatível com a sobrevida além da primeira infância.
Outras lesões da coluna vertebral Outras lesões da coluna vertebral que tornam obrigatória a avaliação de todos os segmentos vertebrais são a agenesia sacral, a síndrome da regressão caudal e a presença de uma hemivértebra com escoliose.
Agenesia sacral e síndrome da regressão caudal Trata-se de uma malformação fechada da coluna vertebral caracterizada pela ausência sacrococcígea. Na síndrome da regressão caudal, a anomalia vertebral varia desde uma agenesia parcial do sacro até a ausência completa da coluna lombossacra. Existe uma forte associação entre esta malformação e o diabetes pré-gestacional descontrolado. O prognóstico está relacionado à presença de anomalias associadas, sendo a sirenomelia (regressão caudal com fusão das extremidades mais baixas, incluindo ou não a fusão dos fêmures e a ausência dos ossos longos) sempre letal, ou seja, com óbito certo em horas ou logo após o nascimento.
Hemivértebra e escoliose Falha na formação ou segmentação de uma ou mais vértebras (Fig. 9-11). Pode ocorrer formação da vértebra apenas unilateralmente (hemivértebra), que dará origem à escoliose, ou um defeito na região central anterior (vértebra em borboleta), dando origem a escoliose, cifose e lordose. A cifoescoliose pode ser originada de outras malformações, como artrogripose, displasia óssea e complexo limb-body.
FIGURA 9-11 Hemivértebra: corte coronal da coluna vertebral fetal revelando cifoescoliose (A). Em B e C, imagem 3D] confirmando que a cifoescoliose é decorrente da presença de uma hemivértebra na região lombar. O prognóstico está relacionado à gravidade das anomalias associadas, podendo variar desde a ausência de manifestações clínicas na hemivértebra isolada até o êxito letal do complexo limb-body.
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Capítulo 10
Malformação de Face Juliana Silva Esteves Penha, Renato Augusto Moreira de Sá
INTRODUÇÃO As malformações de face têm grande repercussão nos períodos perinatal e pós-natal, tanto pela sua associação a síndromes genéticas quanto pela simples repercussão social que uma alteração isolada pode representar. Assim, a face fetal deve ser analisada atentamente durante todo o estudo estrutural do feto e, para isso, é necessário um conhecimento básico de embriologia e formação da face. Entre a 4ª e a 5ª semana de desenvolvimento, a faringe primitiva é delimitada externamente pelos arcos faríngeos, que são constituídos por ectoderma, mesênquima e endoderma. Posteriormente, as células da crista neural migram para essa região, onde irão constituir a principal fonte do tecido conjuntivo, incluindo cartilagem, osso e ligamentos da região orofacial. Externamente, os arcos branquiais são separados pelos sulcos faríngeos e internamente pelas bolsas faríngeas, que, por sua vez, se unem e dão origem às membranas faríngeas. O desenvolvimento dessas estruturas leva à transformação do aparelho faríngeo em estruturas adultas, como face, língua, palato, mandíbula, maxila, pescoço e faringe. O primeiro arco branquial originará a maxila e a mandíbula, incluindo a pré-maxila, o osso zigomático e parte do osso temporal. À medida que o desenvolvimento facial ocorre, os placoides nasais (espessamento frontal) se invaginam e originam as fossas nasais. A proeminência resultante constitui as proeminências nasais, que compõem a porção superior da boca primitiva. Com o crescimento do primeiro arco branquial no sentido lateral para medial são formadas as paredes laterais (maxila) e inferior (mandíbula) da boca primitiva. Ao redor da 5ª à 8ª semana, a maxila se funde às proeminências nasais, formando o lábio superior (Fig. 10-1).
FIGURA 10-1 Desenvolvimento embriológico facial. Corte sagital do embrião descrevendo o desenvolvimento dos arcos e sulcos faríngeos juntamente com a fosseta ótica, que ocorre entre a 4ª e a 5ª semana de desenvolvimento embrionário (A, B e C). Corte coronal do embrião evidenciando a formação nasal com o aparecimento da proeminência frontal e dos processos maxilar e mandibular (D, E e F). Assim, o nariz é constituído por cinco proeminências: proeminência frontal, duas proeminências nasais mediais ou segmento intermaxilar (responsáveis pelo filtro labial, dentes incisivos e palato primário), e duas proeminências nasais laterais. É de uma falha na migração dessas estruturas e de suas fusões que se origina a fenda labial e palatina. Um defeito parcial ou total do segmento intermaxilar com as proeminências maxilares resulta na fenda labial e palatina bilateral ou unilateral. Caso ocorra uma falha na formação do segmento intermaxilar, ou seja, na migração dos segmentos laterais, estará presente a fenda mediana, que, por sua vez, tem maior associação com múltiplas anomalias. Anormalidades oriundas do primeiro arco branquial são consequência de falha na migração das células da crista neural e, como essas células contribuem também para a formação das artérias pulmonar e aorta, é importante destacar a associação
desses defeitos cardíacos com síndromes derivadas do primeiro arco branquial. Fronte, órbitas, nariz, lábios e orelhas podem ser identificados com clareza desde a 12ª semana de gestação. Os planos sagital, coronal e transverso são bem úteis na avaliação anatômica normal e anormal. O plano sagital médio permite a visualização do perfil fetal (Fig. 10-2); entretanto, as orelhas são vistas na varredura parassagital tangencial ao calvarium. Os planos coronais e transversais (Fig. 10-3 e Fig. 10-4) são provalmente os mais importantes na avaliação da integridade da anatomia facial. Órbitas, pálpebras, nariz e lábios podem ser visualizados. A ponta do nariz, as asas do nariz e as colunas podem ser vistas acima dos lábios. As narinas aparecem como duas pequenas áreas anecoicas. Uma série de varredura nos planos transversais (Fig. 10-4), em direção caudal desde o ápice da cabeça, permite a visualização de fronte, ponte nasal, órbitas, nariz, lábio superior e palato anterior, língua dentro da cavidade oral, lábio inferior e mandíbula. A utilização da ferramenta tridimensional permite uma avaliação rápida da face (Fig. 10-5). A presença e o tamanho dos olhos são avaliados subjetivamente. Como regra, pode-se utilizar o diâmetro de cada órbita é igual em tamanho ao diâmetro interorbital. Em casos de suspeita de defeitos, é extremamente importante medir os diâmetros internos e externos da órbita.
FIGURA 10-2 Ultrassonografia 2D: corte sagital demonstrando o perfil da face fetal. 1, representa o nariz; 2, a porção superior do lábio; 3, osso nasal; 4, porção anterior do corpo caloso; 5, mento.
FIGURA 10-3 Ultrassonografia 2D: corte coronal demonstrando integridade labial.
FIGURA 10-4 Ultrassonografia 2D: corte transversal demonstrando as órbitas (A) e a maxila (B).
FIGURA 10-5 Ultrassonografia 3D realizada em feto com 20 semanas na qual pode ser observada a presença de fissura labial direta.
FENDAS LABIOPALATINAS As fendas labiopalatinas são consequência de falha na fusão das proeminências nasais. No entanto, a gravidade desta lesão está diretamente relacionada à sua extensão, que pode variar de apenas uma fissura labial até a fissura completa do lábio, alvéolo e palato.
Prevalência A fenda facial é encontrada em 1 em cada 700 nascimentos, representando 7,5% das malformações. Dentro deste grupo, a fenda labiopalatina representa 50% dos casos, seguida da fenda palatina (30%) e da fenda labial (20%). Sabe-se que a fenda labiopalatina é mais comumente encontrada em homens e, por razões desconhecidas, mais frequente no lado esquerdo quando unilateral.
Etiologia A face é formada pela fusão de quatro produtos do mesênquima (frontonasal, mandibular e expansão dos maxilares unidos), e as fendas faciais são causadas pela falência na nessa fusão. Normalmente (em mais de 80% dos casos), a fenda labial com ou sem fenda palatina é um achado isolado, mas nos 20% restantes está associado a uma de mais de 100 síndromes genéticas. A fenda palatina isolada é uma condição diferente e está mais frequentemente associada a mais de 200 síndromes genéticas. Todas as formas de herança já foram descritas, incluindo autossômica dominante, autossômica recessiva, dominante ligada ao X e recessiva ligada ao X. Anomalias associadas são encontradas em 50% dos pacientes com fenda palatina isolada e em 15% daqueles com fendas labial e palatina. Anormalidades cromossômicas (principalmente trissomias do 13 e 18) são encontradas em 1% a 2% dos casos, e exposição a teratógenos (como drogas anticonvulsivantes) é encontrada em 5% dos casos. Recorrências são tipo-específicas; se for encontrada fenda labial e palatina não existe risco para fenda labial e viceversa. Fenda labial mediana, que acontece em 0,5% de todos os casos de fenda labial, é normalmente associada a holoprosencefalia ou síndrome oral-facial-digital.
Diagnóstico Podem ser usados os planos coronais e transversos (Fig. 10-6). Uma varredura transversa é necessária para distinguir uma fenda labial palatina de uma fenda labial/palatina. A fenda mediana labial é normalmente associada a outras anormalidades faciais (hipertelorismo com a síndrome da face fendida, hipotelorismo com holoprosencefalia. O diagnóstico de fenda palatina isolada é difícil e, nos casos de risco para síndromes mendelianas, a fetoscopia pode ser necessária.
FIGURA 10-6 Corte coronal da face fetal demonstrando fissura labial em imagem ultrassonográfica 2D (A) e 3 D (B). A ultrassonografia bidimensional, por ser um método de imagem em tempo real, de fácil acesso e baixo custo, continua sendo o principal método de diagnóstico das fendas orofaciais. Os planos coronais e transversos podem ser usados. Uma varredura transversa é necessária para distinguir uma fenda labial palatina de uma fenda labial/palatina (Fig. 10-6). Assim, o diagnóstico ultrassonográfico depende da gravidade do tipo de fissura, da idade gestacional e da presença de malformações associadas. Uma classificação ultrassonográfica para diferenciar os tipos de fissura foi proposta por Nyberg e colaboradores em 1995 (Tabela 10-1). TABELA 10-1 Classificação da fissura labiopalatina. TIPO 1
Fenda labial unilateral.
TIPO 2
Fenda labiopalatina unilateral
TIPO 3
Fenda labiopalatina bilateral
TIPO 4
Fenda labiopalatina mediana
TIPO 5
Fenda labial isolada e atípica
A fenda labiopalatina bilateral é mais grave quando comparada com a fenda unilateral, e pode manifestar-se com protuberância ou hipoplasia do segmento pré-maxilar, que influencia no manejo cirúrgico a ser adotado posteriormente. Já a fenda mediana é a forma mais graves das fissuras orofaciais e representa, na maioria dos casos, a ausência completa do palato mole, além de estar associada a síndromes cromossômicas, o que pode tornar seu desfecho reservado. A fissura palatina isolada é de difícil diagnóstico ultrassonográfico, e na maioria dos casos devido ao palato mole. Estudos recentes têm mostrado o bom desempenho da ressonância magnética (RM) no diagnóstico das fendas orofaciais. No entanto, sua utilização ainda é restrita a casos de complementação do exame ultrassonográfico inicial, não substituindo exames de rastreio na população em geral. A presença de anomalias associadas às fissuras orofaciais torna mais provável a presença de cromossomopatias, principalmente ao ser detectada uma fissura mediana. Estudos populacionais evidenciaram que 10% das fissuras estavam
associadas a uma síndrome cromossômica e 27% apresentavam alguma outra anormalidade estrutural. Inúmeras síndromes apresentam fendas orofaciais, e muitas podem ser diagnosticas ainda durante o pré-natal. A Tabela 10-2 expõe algumas síndromes associadas. TABELA 10-2 Síndromes associadas às fendas orofaciais. Trissomias 9, 10, 13, 18, 22 Banda amniótica Artrogripose Displasia camptomélica Síndrome de regressão caudal Sequência CHARGE Meckel-Gruber Pentalogia de Cantrel Pierre Robin Smith-Lemli-Opitz Van der Wounde Doença de Crouzon Marfan As anomalias podem também estar presentes mesmo após a identificação de um cariótipo normal ou de um descarte de uma condição sindrômica. Essas malformações podem ser encontradas em 21% dos casos de fenda labiopalatina e em apenas 8% das fendas labiais. As mais comumente encontradas são as alterações no sistema nervoso central, seguidas por alterações dos sistemas urogenital e cardiovascular.
Prognóstico O prognóstico está diretamente relacionado às anomalias, condições subjacentes e cromossomopatias. Merece destaque a fenda mediana, que apresenta o pior prognóstico principalmente devido à grande associação com malformações do sistema nervoso central, sobretudo a holoprosencefalia. O diagnóstico pré-natal permite o melhor aconselhamento para o casal, assim como o conhecimento sobre a doença, cuidados com o recém-nascido e a possibilidade de correção cirúrgica. Após o nascimento, os recém-nascidos que apresentam fendas orofaciais devem ser assistidos por uma equipe multidisciplinar que envolve desde cirurgião plástico até fonoaudiólogo. O sucesso cirúrgico depende principalmente da extensão da lesão, e deve-se lembrar aos pais que esses bebês podem receber o aleitamento materno, que poderá ser limitado apenas nos casos de lesões mais extensas. Pais de filhos com fenda labiopalatina apresentam maior chance de recorrência, o que não é encontrado nos casos de fenda palatina isolada. A presença de um dos pais com fenda labiopalatina apresenta risco de 3% a 5% de ter outro filho com a mesma condição. Caso ambos apresentem a lesão e já tenham um filho com fenda labiopalatina, o risco pode aumentar para 14% a 17%. Na presença de síndromes autossômicas dominantes associadas, o risco de acometimento da prole aumenta para 50%.
SÍNDROMES DO PRIMEIRO E SEGUNDO ARCOS BRANQUIAIS Conforme descrito anteriormente, as malformações estruturais da face aparecem no período de transformação dos componentes branquiais em estruturas adultas. As síndromes decorrentes da alteração no primeiro e segundo arcos se manifestam como uma deficiência tissular combinada e hipoplasia de face, ouvido externo, ouvido médio, maxilar e mandíbula. Essas alterações representam a causa mais comum de malformação craniofacial depois das fendas orofaciais. São alterações geralmente unilaterais, cuja bilateralidade está presente em 30% dos casos. O estudo detalhado do feto, a história familiar e o aconselhamento genético exercem papel importante na identificação de síndromes conhecidas durante o período perinatal ou até mesmo pós-natal. Várias síndromes são descritas envolvendo os arcos branquiais, no entanto, neste capítulo destacamos apenas as principais.
SÍNDROME DE PIERRE ROBIN É uma síndrome com caráter genético desconhecido que apresenta como característica marcante a hipoplasia mandibular precoce, que pode ser diagnosticada durante o rastreio ultrassonográfico inicial (Fig. 10-7).
FIGURA 10-7 Sequência de Pierre Robin.
Prevalência Apresenta prevalência de 1 em 8.500 nascidos vivos, sendo as meninas mais afetadas que os meninos em uma proporção de 3:2.
Diagnóstico O achado ultrassonográfico primário é micrognatia, que levaria a uma posição posterior da língua, afetando a formação do palato mole e dando origem a uma fenda palatina arredondada e a uma posição característica da língua (glossoptose). Essas alterações se manifestam à ultrassonografia como micrognatia e polidramnia. Pode, ainda, estar associada a outras alterações, como amelia, amputações congênitas, sindactilias, malformações cardíacas, ou fazer parte de cromossomopatias, das quais merece destaque a trissomia 18.
Prognóstico A principal complicação para esses recém-nascidos é a manutenção de via aérea, o que é dificultado pela importante hipoplasia mandibular. Assim, a obstrução de via aérea pode levar a hipoxia, cor pulmonale, falência respiratória e comprometimento cerebral. Associam-se ainda alterações esofágicas, como hipertonia esfincteriana e discinesia. A taxa de mortalidade chega a 30%. No entanto, em crianças que sobrevivem ao período neonatal e não apresentam cromossomopatias associadas, o prognóstico torna-se promissor. Quanto à recorrência, é uma síndrome autossômica recessiva com alguns relatos de herança ligada ao X.
DISOSTOSE MANDIBULOFACIAL (SÍNDROME DE TREACHER COLLINS) Síndrome caracterizada principalmente pela hipoplasia malar e mandibular, com ou sem fissura zigomática, associada à fissura palpebral antimongólica (Fig. 10-8).
FIGURA 10-8 Síndrome de Treacher Collins: corte sagital 3D (A) e reconstrução 3D de imagem de ressonância magnética (B).
Etiologia É uma síndrome autossômica dominante com mutação no cromossomo 5q 32-q33.1 do gene TCS, que apresenta, por sua vez, variedade de expressão. Além das características marcantes desta síndrome, podem ser encontradas outras malformações, como hipoplasia faríngea, microftalmia, ptose, atresia de coanas, malformações cardíacas e criptorquidia.
Prognóstico Como consequência de uma via aérea restrita, o aparecimento precoce de distúrbios respiratórios deve ser lembrado na tentativa de preservação do bem-estar do recém-nascido. O desenvolvimento neurológico é acometido na minoria dos casos, com relato de retardo mental em apenas 5% dos casos. Como consequência das alterações refratárias da visão, a cegueira pode ser instalada. Quanto ao crescimento ósseo facial, atualmente já estão disponíveis técnicas de reconstrução cirúrgica estética para melhorar o desfecho social desta anomalia.
MICROSSOMIA HEMIFACIAL (SÍNDROME DE GOLDENHAR) O defeito primário desta síndrome consiste no envolvimento dos 1º e 2º arcos branquiais. Assim, qualquer estrutura proveniente desta região pode estar envolvida, o que faz a síndrome apresentar amplo espectro.
Etiologia A ocorrência desta síndrome tem frequência estimada de 1 em 3.000 a 1 em 5.000 nascidos vivos, e a proporção de homens para mulheres é de 3:2.
Diagnóstico Os achados anormais tendem a ser unilaterais em 70% dos casos. No entanto, pode ser encontrada bilateralidade. Os achados mais frequentes incluem: • Hipoplasia da região malar, maxilar e mandibular. • Macrostomia: desvio lateral da boca. • Hipoplasia da musculatura facial. • Microtia: subdesenvolvimento do ouvido externo. • Anomalia estrutural e funcional da língua. • Hemivértebra ou hipoplasia vertebral comumente cervical podendo ser torácica ou cervical. As malformações associadas envolvem os olhos, o palato, o coração e o sistema nervoso central.
Prognóstico A maioria das crianças acometidas apresenta desenvolvimento neurológico normal, com exceção dos casos com microftalmia, o que sugere acometimento do sistema nervoso central e consequente comprometimento intelectual. A surdez pode acompanhar esses casos. A microssomia hemifacial apresenta caráter familiar em 21% dos pacientes. Das crianças acometidas, 45% apresentam um parente também acometido. Acredita-se que seja uma herança autossômica ou ligada ao X dominante na maioria dos casos.
ANORMALIDADES DAS ÓRBITAS Múltiplas anormalidades das órbitas podem ser detectadas durante o período pré-natal por meio de um minucioso estudo ultrassonográfico da face fetal. Durante a quarta semana de desenvolvimento ocorre a formação do sulco óptico, que é o primeiro indício de formação do olho. O sulco, então, se aprofunda e forma a vesícula óptica, que se projeta a partir prosencéfalo e se funde com o ectoderma da superfície, originando o primórdio do cristalino. A retina, as fibras do nervo óptico, os músculos da íris e o corpo ciliar originam-se do neuroectoderma do prosencéfalo. O ectoderma dá origem ao cristalino e ao epitélio das glândulas lacrimais, pálpebras, conjuntiva e córnea, enquanto do mesoderma originam-se os músculos oculares e tecidos conjuntivos e vasculares.
Hipertelorismo (euriopia) No desenvolvimento inicial, os olhos estão localizados lateralmente na face primitiva, de maneira similar à visão panorâmica de animais primitivos. Com o decorrer da gestação, eles migram em direção à linha média, criando condições favoráveis para o desenvolvimento de uma visão estereoscópica. O hipertelorismo é um aumento da distância interorbitária, que pode tanto ser um achado isolado como estar associado a muitas síndromes clínicas ou malformações. As síndromes mais comuns com hipertelorismo são a síndrome da fenda mediana (hipertelorismo, fenda labial mediana com ou sem fenda mediana no palato duro e nariz e crânio bífido oculto), craniossinostose (incluindo as síndromes Apert, Crouzon e Carpenter), agenesia do corpo caloso e encefalocele anterior. O hipertelorismo isolado resulta apenas em um problema estético e um possível prejuízo na visão estereoscópica binocular. Em casos graves, há vários procedimentos cirúrgicos que podem ser propostos, como cantoplastia, orbitoplastia, posicionamento cirúrgico das sobrancelhas e rinoplastia. A síndrome da fenda mediana normalmente permite inteligência e expectativa de vida normais. Entretanto, há alta probabilidade de retardo mental quando são encontrados anormalidades extracefálicas ou um grau extremo de hipertelorismo. A gravidade do distúrbio estético não pode ser subestimada, porque esta síndrome é normalmente associada a características extremamente grotescas.
Hipotelorismo (estenopia) O hipotelorismo (diminuição da distância interorbitária) é quase sempre encontrado em associação com outras anomalidades graves, como holoprosencefalia, trigonocefalia, microcefalia, síndrome de Meckel e anormalidades cromossômicas. O prognóstico, que depende da anormalidade associada, é normalmente ruim.
Microftalmia e anoftalmia A microftalmia é definida como uma diminuição do tamanho do globo ocular e a anoftalmia refere-se à ausência do olho; porém, o termo anoftalmia deve ser reservado ao patologista, que precisa demonstrar não somente a ausência do olho, mas também dos nervos ópticos, quiasma e tratos. Ambas ocorrem devido à falha na formação da vesícula óptica (primária) ou por uma supressão do desenvolvimento do prosencéfalo (secundária). A prevalência é de 30 em 100.000 na população em geral. A microftalmia é responsável pela cegueira em 11% das crianças. A microftalmia e a anoftalmia podem ser uni ou bilaterais, e são normalmente associadas com uma de 25 síndromes genéticas. Na síndrome de Goldenhar (encontrada em 1 em cada 5.000 nascimentos), há anoftalmia unilateral, juntamente com anormalidades faciais e auriculares. O diagnóstico pré-natal é baseado na demonstração de diâmetro ocular diminuído, e é indicado um exame cuidadoso da anatomia intraorbitária para identificar o cristalino, a pupila e o nervo óptico. A microftalmia congênita está frequentemente associada a desordens visuais e outras anomalias. A anoftalmia é definida como a ausência congênita do olho causada por uma falha na formação da vesícula óptica (anoftalmia primária) ou por uma supressão do desenvolvimento do prosencéfalo (anoftalmia secundária). É identificada mais facilmente à ultrassonografia quando comparada com a microftalmia. A causa mais comum de anoftalmia é a microssomia facial, descrita anteriormente (síndrome de Goldenhar). Porém, pode ser observada associação com trissomia do 13. O prognóstico varia de acordo com as malformações associadas, tornando-se reservado na presença de alterações genéticas. Assim, faz-se mandatória a análise do cariótipo fetal na presença dessa anomalia. A etiologia dessas malformações é complexa, podendo ser de origem cromossômica (trissomia do 13), genética ou ambiental. Duplicações, translocações e deleções podem estar presentes. Na atualidade, o gene SOX2 é o principal gene causador dessas anomalias. Sendo assim, a presença de anoftalmia ou microftalmia no rastreio ultrassonográfico de segundo trimestre indica a investigação do cariótipo fetal, visando ao melhor aconselhamento do casal sobre o desfecho neonatal, uma vez que o prognóstico está relacionado diretamente às malformações e síndromes associadas. O tratamento visa diretamente à preservação da visão no olho não acometido e ao cuidado estético durante o crescimento da estrutura orbitária e dos tecidos moles do lado acometido.
Ciclopia É uma anomalia muito rara, na qual os olhos encontram-se total ou parcialmente fundidos na linha média, formando um olho mediano que ocupa uma única órbita. A característica marcante desta malformação é a presença frequente de uma probóscide (nariz tubular) localizada acima do olho. A ciclopia parece resultar da supressão grave das estruturas cerebrais da linha média e, portanto, costuma indicar a presença de holoprosencefalia. É uma malformação incompatível com a vida não apenas pelas suas características, mas também pela gravidade das alterações associadas. Sua detecção durante o exame ultrassonográfico indica complementação com cariótipo fetal para identificar a presença de síndrome cromossômica associada, merecendo destaque a trissomia do cromossomo 13, e para fazer um melhor aconselhamento do casal, uma vez que a ciclopia apresenta uma herança autossômica recessiva e é incompatível com a vida.
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Capítulo 11
Malformações Toracicas não Cardíacas Lisandra Stein Bernardes, Rossana Pulcineli Vieira Francisco, Marcelo Zugaib
INTRODUÇÃO As malformações torácicas não cardíacas constituem um grupo heterogêneo de lesões que acometem tórax, pleura e diafragma. São malformações pouco frequentes e de prognóstico muito variável que, via de regra, devem ser acompanhadas em centro terciário. Uma vez feito o diagnóstico, o papel do médico habilitado em medicina fetal é avaliar o prognóstico e, juntamente com o obstetra, orquestrar a equipe multidisciplinar, da qual esses fetos e neonatos dependem. Na maioria das vezes, serão necessários a intervenção do cirurgião pediátrico e o suporte de medicina intensiva neonatal. O encontro com esses especialistas antes do parto é desejável, pois irá situar e a família no contexto daquela doença e diminuir um pouco a ansiedade. Além disso, o diálogo com a equipe pós-natal proporcionará melhores cuidados ao neonato. O diagnóstico das malformações é feito por exame ultrassonográfico. Em raros casos, hérnia diafragmática grave ou hidropisia fetal podem ocorrer no momento do exame morfológico do primeiro trimestre. Na maioria dos casos, entretanto, o diagnóstico é feito no exame morfológico do segundo trimestre ou mais tardiamente, em exame de rotina ou sob sinal de complicações. Polidrâmnio, diminuição da movimentação fetal e trabalho de parto prematuro são as principais complicações. Com o propósito de verificar a anatomia fetal, o exame dos pulmões no mesmo corte das quatro câmaras do coração fetal é suficiente. Em condições normais, os pulmões fetais são uniformemente ecogênicos. Entre 18 e 23 semanas, o terço central da área torácica no nível do corte de quatro câmaras é ocupado pelo coração, e os dois terços restantes pelos pulmões uniformemente ecogênicos. Esse corte também pode ser usado para medir a circunferência torácica, que está correlacionada com o desenvolvimento pulmonar. Um plano sagital do tronco fetal normalmente permite a identificação do diafragma como uma fina linha sonolucente que separa a cavidade abdominal da cavidade torácica. Após o diagnóstico, é necessária a realização de exame morfológico detalhado e ecocardiograma fetal para que sejam excluídas outras malformações. Além disso, na maioria dos casos, deve-se realizar avaliação do cariótipo fetal para que sejam excluídas anomalias cromossômicas. Neste capítulo, abordaremos as malformações broncopulmonares, deixando a hérnia diafragmática e o derrame pleural em capítulo à parte.
MALFORMAÇÕES BRONCOPULMONARES As malformações broncopulmonares ocorrem em 1 em 10.000 a 1 em 35.000 gestações e, excetuando-se a atresia congênita de vias aéreas altas (congenital high airway obstruction syndrome – CHAOS), têm bom prognóstico. A abordagem inicial deve incluir, além de exame morfológico detalhado e ecocardiografia fetal, avaliação de possíveis fatores de descompensação cardíaca por compressão. Por serem massas torácicas, pode haver aumento da pressão intratorácica e compressão do sistema venoso e mediastino, com consequente diminuição do retorno venoso e insuficiência cardíaca fetal. Inicialmente, o seguimento dos fetos deve ser semanal, a fim de avaliar a evolução da doença, e, posteriormente, nos casos estáveis, quinzenais. Em geral, o seguimento e a avaliação dos fetos com malformações broncopulmonares são semelhantes para todas as malformações. Os sinais ultrassonográficos de compressão e aumento da pressão intratorácica devem ser procurados em cada avaliação, e são achatamento ou eversão da cúpula diafragmática e desvio do coração. Além disso, todas as avaliações devem também procurar sinais de descompensação cardíaca: edema, derrames, edema placentário e anasarca (principal fator definidor de prognóstico). Polidrâmnio também pode estar presente, pois a compressão do esôfago pela massa não permite a adequada deglutição fetal, o que pode desencadear trabalho de parto prematuro. A evolução para anasarca é rara, porém define mau prognóstico. Fetos em anasarca e que nascem prematuramente têm poucas chances de sobrevida e, nesses casos, pode haver indicação de tratamento intrauterino, que abordaremos adiante. O nascimento dos fetos com malformações torácicas deve sempre ocorrer em centro terciário.
Malformação Adenomatoide Cística (MAC) A malformação adenomatoide cística é uma anormalidade do desenvolvimento caracterizada por crescimento excessivo dos bronquíolos terminais, que correspondem a 60% de todas as malformações broncopulmonares diagnosticadas no período prénatal. Tal condição pode ser bilateral, envolvendo todo o tecido pulmonar, mas, na maioria das vezes, está confinada a um único lobo ou pulmão. As lesões podem ser macrocísticas (cistos maiores de 5 mm de diâmetro) ou microcísticas (cistos menores de 5 mm). Em 85% dos casos a lesão é unilateral, com frequência semelhante nos pulmões direito e esquerdo, e do tipo microcística e macrocística.
Classificação No passado, a descrição ultrassonográfica correspondia à descrição anatomopatológica proposta por Stocker. A MAC do tipo 1 continha cistos com mais de 5 mm, a MAC tipo 3 continha lesões menores do que 5 mm e a MAC do tipo 2 continha lesões de ambos os tamanhos. Atualmente, entretanto, a classificação mais utilizada é a proposta por Adzick, pois é mais prática quando é necessário tratamento antenatal. Forma macrocística – múltiplas imagens anecoicas (Fig. 11-1)
FIGURA 11-1 Malformação adenomatoide cística: corte sagital do tórax fetal (A) e corte transversal no nível do coração (B) evidenciando a forma macrocística. Observe que a imagem cística com conteúdo anecoico occupa todo o hemitórax, desviando o mediastino e comprimindo o coração. (Cortesia de Alexandra Benachi.)
Forma microcística – imagem hiperecogênica pulmonar de aspecto sólido sem vascularização (Fig. 11-2)
FIGURA 11-2 Malformação adenomatoide cística: corte transversal no nível do coração evidenciando a forma microcística (A), forma mista (B) e forma macrocística (C). Observe a localização da coluna (a) e do coração (b) fetal. Em A, a imagem tem aspecto sólido hiperecogênico, sem vascularização sistêmica irrigando a massa, e isso é o que a diferencia
do sequestro broncopulmonar. Em B, a lesão apresenta imagem sólida com imagens císticas de permeio. (Cortesia de Alexandra Benachi.)
Forma mista – Associação das duas imagens (Fig. 11-2).
Prevalência A malformação adenomatoide cística do pulmão é encontrada em 1 em 4.000 nascimentos.
Etiologia Esta é uma anormalidade esporádica. Em aproximadamente 10% dos casos existem outras anormalidades, principalmente cardíacas e renais.
Diagnóstico O diagnóstico pré-natal é baseado na demonstração ultrassonográfica de um tumor hiperecogênico pulmonar, sólido (forma microcística), cístico (forma macrocística) ou misto, que apresenta componente sólido com cisto de permeio (Figs. 11-1 e 112). A doença microcística resulta de uma hiperecogenicidade tecidual uniforme do pulmão afetado. Na doença macrocística, espaços císticos múltiplos ou simples podem ser visualizados dentro do tórax. Ambas as doenças, micro e macroscópicas podem estar associadas a desvio do mediastino. Quando existe compressão do coração e grandes vasos, há desenvolvimento de hidropisia fetal. O poli-hidrâmnio é um achado comum e pode ser consequência da diminuição da deglutição do líquido amniótico devido à compressão esofágica, ou da produção aumentada de líquido pelo tecido pulmonar anormal. Achados de mau prognóstico incluem grave compressão pulmonar, que leva a hipoplasia pulmonar, poli-hidrâmnio e desenvolvimento de hidropisia fetal independentemente do tipo de lesão. Dois tipos de imagens ultrassonográficas podem confundir-se com MAC: 1 – Imagens hipoecoicas (forma macrocística) a) Hérnia diafragmática à esquerda, devido à presença do estômago no tórax. b) Cisto brônquico: imagem anecoica arredondada unilocular, na maioria das vezes na região da carina. c) Cisto neuroentérico. 2 – Imagens hiperecogêncicas (forma microcística) a) Hérnia diafragmática à direita, devido à presença de alças intestinais no tórax. b) Sequestro pulmonar, tratado em item à parte neste capítulo. c) Obstrução traqueal/brônquica, cujo diagnóstico diferencial só pode ser feito em pós-natal. d) Enfisema lobar congênito – Imagem semelhante à de MAC microcística e de diagnóstico diferencial possível apenas no período pós-natal.
Conduta Primeiramente, deve ser realizado um exame morfológico detalhado e um ecocardiograma fetal em busca de malformações associadas, que pioram o prognóstico e são raras. Não há associação de MAC isolada com alterações cromossômicas. Assim, a decisão pelo cariótipo deve ser avaliada em conjunto com a família, a depender do risco do rastreamento realizado previamente. O acompanhamento ultrassonográfico deve ser inicialmente semanal, e, posteriormente, se as lesões estiverem estáveis, quinzenal. A avaliação busca complicações que possam exigir tratamento intrauterino ou antecipação do parto. As principais complicações da MAC são compressivas. Como as lesões podem comprimir a drenagem venosa e o coração, instala-se insuficiência cardíaca fetal, que, quando provoca anasarca, deve ser prontamente tratada com a derivação toracoamniótica da lesão.
Os sinais ultrassonográficos de compressão são desvio cardíaco contralateral à lesão, compressão cardíaca, derrames intracavitários (derrame pleural, ascite), edema de subcutâneo e eversão da cúpula diafragmática.
Terapia fetal Grandes cistos intratorácicos levam a alteração mediastinal importante, e a hidropisia associada pode ser tratada efetivamente com a colocação de dreno (shunt) toracoamniótico nas lesões macrocísticas. Como o papel da intervenção mais invasiva permanece por ser definido, procedimentos como a histerectomia e a excisão de tumores sólidos nos casos de hidropisia fetal, não devem ser indicados. Todavia, bons resultados foram relatados após tais cirurgias em um número pequeno de casos; o risco potencial para a mãe, tanto durante a gravidez quanto no pós-parto, são graves.
Prognóstico A doença bilateral é letal ainda dentro do útero, devido à hidropisia progressiva, ou no período neonatal. Malformação adenomatoide cística isolada e unilateral, sem hidropisia, associa-se a bom prognóstico; em aproximadamente 70% dos casos, o tamanho relativo do tumor fetal permanece estável, em 20% dos casos ocorre diminuição antenatal ou resolução, e em 10% dos casos há aumento progressivo na compressão mediastinal. Em neonatos sintomáticos, toracotomia e lobectomia são realizados e a sobrevida é de aproximadamente 90%. Ainda é incerto se há necessidade de cirurgia para neonatos assintomáticos. É importante ressaltar que em cerca de 40% dos casos há desaparecimento antenatal da lesão ultrassonográfica. Porém, apesar de não evidenciada ao exame ultrassonográfico, a lesão histológica persiste, e deve haver investigação pós-natal completa pela ressonância magnética. Fetos com hidropisia têm mortalidade relatada de 95% se não tratados. Quando as lesões são macrocísticas ou mistas, há indicação da colocação de dreno toracoamniótico. Com a drenagem, a sobrevida passa a ser de 60%. Considerando que os cistos se refazem em torno de 48 horas após punção esvaziadora, esta não tem nenhum benefício nesses casos. As lesões microcísticas que provocam anasarca têm tratamento mais difícil. Alguns autores tentaram coagulação intravascular dos vasos suprindo o tumor ou lobectomia fetal, mas mesmo assim a sobrevida é baixa. Recentemente, algumas séries de casos relataram regressão da hidropisia em torno de 50% dos fetos em cujas mães tinha sido realizado um ciclo de betametasona, e a realização do corticoide tem sido proposta por alguns autores. Alguns centros sugerem que fetos com MAC ou sequestro pulmonar acima de 32 semanas com hidropisia fetal devem ter o parto antecipado para a realização de tratamento pós-natal. Assim, são evitados os riscos inerentes ao procedimento, como rotura prematura de membranas e trabalho de parto prematuro. Entretanto, fetos pré-termo em hidropisia que apresentam massa torácica compressiva podem ser muito difíceis de reanimar, e a realização de lobectomia de urgência nesses neonatos é um procedimento de alto risco. Então, a terapia fetal com chance de recuperação do feto no útero materno pode ser preferível ao procedimento pós-natal em um neonato em descompensação cardíaca.
Sequestro broncopulmonar No sequestro pulmonar, há desenvolvimento de uma parte do pulmão sem conexão com vias aéreas (tecido pulmonar não funcionante). O suprimento sanguíneo do tecido pulmonar anormal se dá pelas artérias que se originam da aorta descendente ao invés das originárias da artéria pulmonar (Figs. 11-3 e 11-4).
FIGURA 11-3 Sequestro pulmonar: corte transversal no nível do coração revelando massa hiperecogênica medindo 3,8 × 2,5 cm (calipers), com área cística (seta).
FIGURA 11-4 Sequestro pulmonar: corte transversal no nível do coração da mesma imagem da Figura 11-3, revelando, ao estudo dopplervelocimétrico, artéria proveniente da aorta nutrindo a massa hiperecogênica (seta). Esta condição é classicamente dividida na literatura radiológica em intralobar, na qual a malformação é contígua ao pulmão normal e revestida pela mesma pleura pulmonar (75%), e extralobar, em que a malformação é exterior ao pulmão normal e revestida por pleura própria (25%). Assim, a principal diferença dessas duas formas é baseada na presença ou ausência de uma pleura separada da pleura do pulmão normal, não sendo, às vezes, determinada na ultrassonografia pré-natal. A forma extralobar pode apresentar-se em posição intra-abdominal, abaixo do diafragma (10% das formas extralobares) e fazer parte do diagnóstico diferencial das massas abdominais fetais.
Prevalência O sequestro pulmonar é raro e sua prevalência corresponde a menos de 5% das anormalidades congênitas, acometendo 1 em cada 1.000 nascido vivos. Não há predileção pelo sexo na forma intralobar, porém na forma extralobar há maior prevalência do sexo feminino (M1:F4).
Etiologia
O sequestro pulmonar é uma anormalidade esporádica. A maioria dos autores acredita que o sequestro pulmonar é um broto pulmonar ectópico que, quando desenvolve-se precocemente, determina a forma intralobar, e, quando tardiamente, a forma extralobar. A forma extralobar ocorre em 90% das vezes no lado esquerdo e em 10% está abaixo do diafragma.
Diagnóstico O diagnóstico pré-natal é ultrassonográfico. Há imagem hiperecogênica pulmonar de aspecto sólido, mais frequentemente em lobo inferior esquerdo. O diagnóstico diferencial com a forma microcística das malformações adenomatoides císticas se faz pela evidência de suprimento arterial anômalo ao Power Doppler. Oitenta por cento dos fetos serão assintomáticos ao nascimento. No seguimento pré-natal, 40% das lesões permanecem estáveis, 30% regridem, 20% desaparecem e apenas a minoria se agrava. É necessária a investigação pós-natal, mesmo quando houver desaparecimento da lesão, pois, apesar de haver desaparecimento ultrassonográfico, a lesão histológica persiste e pode gerar complicações a longo prazo.
Conduta Em cerca de 40% dos casos há outras anomalias associadas, que devem ser buscadas em exame morfológico detalhado e ecocardiografia fetal. Pode ocorrer associação com hérnia diafragmática. A pesquisa de cariótipo deve ser avaliada, a depender do rastreamento realizado anteriormente. O seguimento é semanal a partir do momento do diagnóstico. Se houver estabilidade da lesão, o seguimento passará a ser quinzenal. Assim como na MAC, há risco de descompensação cardíaca por compressão. Além disso, raramente pode haver alto débito pela artéria que supre o sequestro e ICC fetal de alto débito. Em ambos os casos, há sinais ultrassonográficos de descompensação e o feto pode evoluir com anasarca. Outra complicação que pode associar-se ao sequestro é o derrame pleural, que piora o prognóstico e, se compressivo, deve ser tratado.
Terapia fetal É indicada nos casos que evoluem para hidropisia, insuficiência cardíaca congestiva de alto débito ou derrame pleural compressivo. O derrame pleural compressivo deve ser tratado com derivação toracoamniótica. Quando realizado tratamento, a sobrevida passa de 30% a cerca de 80%. Já os casos com hidropisia sem derrame pleural compressivo são de tratamento mais difícil, e deve ser tentada a coagulação do vaso que supre o tumor por laser ou injeção de substância esclerosante.
Prognóstico O prognóstico pós-natal depende da presença de anormalidades associadas e dos distúrbios hemodinâmicos. Em geral, o sequestro intralobar tem um excelente prognóstico, entretanto o sequestro extralobar tem pior prognóstico devido à alta incidência de outros defeitos e hidropisia.
Obstrução congênita de vias aéreas (congenital high airway obstruction syndrome – CHAOS) A obstrução congênita de vias aéreas pode ser causada por estenose ou atresia nas vias aéreas altas: traqueia, glote, laringe e cordas vocais (Fig. 11-5). É defeito raro que ocorre pela não recanalização das vias aéreas altas em torno da 10ª semana embrionária. Em condições normais, o pulmão fetal secreta fluido, que é expelido para o líquido amniótico pela laringe.
FIGURA 11-5 Aspecto ultrassonográfico normal das vias aéreas. Quando há obstrução, há acúmulo do fluido secretado pelos pulmões, com consequente aumento da pressão intrapulmonar e crescimento proliferativo dos pulmões (Fig. 11-6). Conforme o pulmão se expande, há achatamento do diafragma e posterior eversão, e compressão cardíaca. O aumento da pressão intratorácica leva à diminuição do retorno venoso e insuficiência cardíaca fetal, com ascite, placentomegalia e hidropisia fetal. O diagnóstico pode ser feito em diferentes momentos do espectro da doença, podendo o feto apresentar somente pulmões hiperecogênicos e expandidos ou a evolução completa da doença com hidropisia fetal, que pode levar a óbito intrauterino.
FIGURA 11-6 Obstrução alta das vias aéreas: corte sagital do tórax fetal evidenciando massa hiperecogência
comprimindo o coração fetal (A). Aspecto da necropsia do natimorto revelando aumento significativo bilateral do pulmão fetal (B). Não há tratamento intrauterino e, no momento do parto, deve ser realizada EXIT (ex utero intrapartum therapy). É realizada cesárea sob anestesia geral e relaxamento uterino com manutenção da circulação fetoplacentária para o procedimento de abertura e manutenção das vias aéreas neonatais antes do clampeamento do cordão. Sem a realização do procedimento, a mortalidade é de 100%.
CONSIDERAÇÕES FINAIS As malformações torácicas não cardíacas são um grupo heterogêneo de malformações raras e de prognóstico variável. Se, por um lado, as malformações broncopulmonares, como a MAC, têm prognóstico excelente quando os fetos não apresentam hidropisia, fetos com hérnia diafragmática (Cap. 27) têm mortalidade elevada. Na investigação, é imperativa a realização de exame morfológico detalhado e ecocardiograma fetal em todos os fetos, além de cariótipo na maioria dos casos. Além disso, deve-se sempre considerar que esses fetos devem ter seguimento pré-natal intensificado, realização de cirurgia fetal quando indicada e parto realizado em centro terciário.
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Capítulo 12
Anormalidades da Parede Abdominal Sônia Valadares Lemos da Silva, Eduardo Borges da Fonseca
INTRODUÇÃO O desenvolvimento normal da parede abdominal anterior depende da fusão de quatro dobras ectomesodérmicas (cefálica, caudal e duas laterais). Entre a 8ª e a 10ª semana de gestação, todos os fetos demonstram a herniação do intestino, sendo visualizada como massa hiperecogênica na base do cordão umbilical; sua retração para o interior da cavidade abdominal ocorre entre a 10ª e a 12ª semana. Defeitos na formação da parede abdominal podem ocorrer devido a falhas nessas dobras responsáveis pelo fechamento ventral da parede abdominal. Outras causas são o desenvolvimento incompleto das estruturas da parede abdominal, incluindo músculos e pele. As anormalidades da parede abdominal ocorrem, aproximadamente, a cada 1 em 2.000 nascidos vivos, sendo as mais comuns a onfalocele e a gastrosquise. As menos comuns são a ectopia cordis, a anomalia de body stalk (limb-body wall) e a extrofia de bexiga-cloaca, entre outras. A ultrassonografia entre 11 e 14 semanas é capaz de detectar todos os casos de onfalocele, gastroquise e anomalia de body stalk.
ONFALOCELE A onfalocele é uma expressão antenatal da hérnia umbilical, na qual um saco do peritônio parietal e do âmnio herniam na base do cordão umbilical e contém vísceras abdominais (Fig. 12-1).
FIGURA 12-1 Recém nascido do sexo feminino apresentando herniação de vísceras abdominais pela base do cordão umbilical (onfalocele). Sua origem está na falha do retorno intestinal do cordão umbilical à cavidade abdominal. Assim, as vísceras, que podem incluir alças intestinais, fígado, estômago, baço ou bexiga, estão recobertas por uma membrana amnioperitoneal e herniadas na base do cordão umbilical. Menos frequente é a associação da falha de dobradura cefálica embrionária, que resulta na pentalogia de Cantrell (onfalocele da linha média superior, hérnia diafragmática anterior, fenda do esterno, ectopia cordis e malformação cardíaca) ou falha da dobradura caudal. Neste caso, a onfalocele pode estar associada a extrofia vesical ou de cloaca, ânus imperfurado, atresia colônica e defeitos das vértebras sacrais. A onfalocele apresenta associação com cromossomopatia em 25% dos casos, sendo as trissomias 13 e 18 as mais frequentes. Síndromes genéticas também podem estar associadas à onfalocele, como a síndrome de Beckwith-Wiedmann, que é uma síndrome familiar esporádica, com prevalência de 1 em 14.000, caracterizada por onfalocele, macrossomia, visceromegalia e macroglossia, em alguns casos existindo retardo mental, geralmente secundário à hipoglicemia não tratada. Cerca de 5% dos indivíduos afetados desenvolvem tumores durante a infância, mais comumente nefroblastoma e hepatoblastoma.
Prevalência A onfalocele ocorre em 1 a cada 4.000 nascimentos, com maior prevalência entre fetos do sexo feminino (M1:F5). Associa-se a alta taxa de mortalidade (25%) e malformações graves, como anomalias cardíacas (50%) e defeitos de tubo neural (40%).
Etiologia Em sua maioria, os casos são esporádicos e a recorrência usualmente é menor que 1%. Todavia, em alguns casos, pode haver associação com síndromes genéticas. As anomalias cromossômicas (principalmente a trissomia 18) estão presente em 50% dos casos na 12ª semana de gestação, em 30% dos casos no segundo trimestre e em 15% no período neonatal. Similarmente, na síndrome de Beckwith-Wiedemann, a maioria dos casos é esporádica, embora possa haver herança autossômica dominante recessiva ligada ao X e padrão poligênico de transmissão em alguns casos.
Diagnóstico O diagnóstico é determinado pela demonstração de um defeito na linha média da parede abdominal anterior, a herniação do saco com conteúdo visceral na inserção do cordão umbilical até o ápice do saco. A ultrassonografia de primeiro trimestre é capaz de detectar todos os casos de onfalocele (Fig. 11-2).
Conduta Diante do diagnóstico pré-natal, é essencial realizar o cariótipo fetal, para excluir cromossomopatia, e o exame detalhado da anatomia fetal, incluindo ecocardiografia fetal por especialista, para definir o prognóstico da gestação. Não há necessidade de avaliação clínica pré-natal diferente da preconizada para outras gestações, exceto por exame ultrassonográfico seriado a cada 2 ou 4 semanas para avaliar o crescimento fetal. Caso o crescimento fetal seja normal, não há necessidade de avaliação adicional da vitalidade fetal.
FIGURA 12-2 Onfalocele: as imagens revelam defeito de fechamento da parede abdominal, com protrusão de conteúdo abdominal (fígado) por entre os elementos do cordão umbilical, revestido por membrana. O diagnóstico pode ser realizado no primeiro trimestre (A) ou tardiamente, no exame ultrassonográfico de segundo trimestre (B). Não há complicação obstétrica específica associada à onfalocele, e o parto poderia ser programado em serviço de atendimento terciário, pois facilitaria a assistência neonatal inicial. Avaliação pré-parto por cirurgião pediátrico permite melhor aconselhamento dos familiares em relação às condutas cirúrgicas neonatais. O reparo cirúrgico é realizado precocemente, após ressuscitação e avaliação de possíveis alterações associadas, com o objetivo de prevenir contaminação da membrana permeável que recobre o defeito. Nas hérnias volumosas, alguns autores optam por fechamento secundário por segunda intenção.
Prognóstico O prognóstico depende do tamanho do saco herniado e da associação com outras alterações anatômica e/ou cromossômicas. Todavia, é uma malformação corrigível em que a taxa de sobrevivência na ausência de outras alterações é de, aproximadamente, 90%. A mortalidade é maior nos defeitos de dobradura cefálica (pentalogia de Cantrel).
GASTROSQUISE A gastrosquise (Fig. 12-3) é um defeito que compreende toda a espessura da parede abdominal, ocorrendo lateralmente à implantação do cordão umbilical, em geral à direita, associado à evisceração das alças intestinais, que ficam expostas na cavidade amniótica, e, com isso, podem ser danificadas pela exposição direta ao líquido amniótico (espessamento e edema).
FIGURA 12-3 Recém nascido do sexo feminino apresentando herniação de vísceras abdominais a direita da implantação do cordão umbilical (gastrosquise). A gastrosquise não é associada nem a anomalias cromossômicas nem a outros defeitos graves, porém a associação com outras malformações ocorre em 10% a 30% dos casos, principalmente relacionadas à atresia, provavelmante devido a estrangulação e infartos.
Prevalência A gastrosquise ocorre em 1 a cada 4.000 nascimentos, com igual prevalência em ambos os sexos.
Etiologia É uma anomalia rara e esporádica, de etiologia multifatorial, ocorrendo um caso a cada 5.000 nascidos vivos, mas a incidência está aumentando, principalmente nas gestantes jovens, podendo estar relacionada ao uso de cocaína. Ocorre, provavelmente, devido à isquemia, como resultado da disrupção da artéria onfalomesentérica ou da involução anormal da veia umbilical direita. Não há associação direta com alterações cromossômicas, porém pode ocorrer associação com outras malformações em 10% a 30% dos casos, sendo as atresias intestinais, provavelmante causadas por estrangulação e infartos, as mais frequentes.
Diagnóstico O diagnóstico pré-natal pode ser realizado no primeiro trimestre, ao se identificar cordão umbilical com inserção normal e alças de intestino (Fig. 12-4), boiando livre e separadamente, em geral à direita da inserção do cordão umbilical (Fig. 12-5).
FIGURA 12-4 Gastrosquise: imagens em feto no primeiro trimestre da gestação demonstrando defeito de fechamento da parede abdominal próximo à inserção do cordão umbilical, com exteriorização do intestino, que se encontra solto na cavidade amniótica. Em A, corte sagital do corpo fetal; em B, corte transverso do abdome fetal demonstrando que o defeito está ao lado da inserção do cordão umbilical.
FIGURA 12-5 Gastrosquise: imagens em feto no segundo trimestre da gestação demonstrando evisceração de alças intestinais. Aspecto na ultrassonografia 3D (A), na ultrassonografia 2D (B) e aspecto pós-natal (C). Note que o defeito está ao lado da inserção do cordão umbilical. A partir do fim do segundo trimestre, pode ocorrer peritonite química causando distensão (alças com dilatação superior ou igual a 18 mm) e espessamento das paredes do intestino (parede com espessura superior ou igual a 4 mm). Restrição de crescimento fetal, secundária à perda de nutrientes e proteínas através da parede da alça exposta ao líquido amniótico, pode ocorrer em cerca de 30% dos fetos, sendo este diagnóstico difícil devido a dificuldades técnicas na correta
aferição da circunferência abdominal. O trabalho de parto prematuro também é outra complicação frequente, podendo ocorrer em decorrência da ação de mediadores inflamatórios no líquido amniótico.
Conduta Ante o diagnóstico pré-natal, cariótipo fetal não é essencial, pois não há associação direta com alterações cromossômicas. Todavia, a realização de procedimentos invasivos pode ser discutida com os pais. A ecocardiografia fetal deve ser realizada por especialista em todos os casos de gastrosquise. Exame ultrassonográfico seriado deve ser preconizado após a 24ª semana de gestação, a cada 3 ou 4 semanas, para avaliar o crescimento fetal e a situação das alças intestinais (dilatação e espessura). O volume de líquido amniótico deve sempre ser aferido, pois a presença de polidrâmnio pode denunciar uma obstrução intestinal que se associa a pior prognóstico. O volume do líquido amniótico, na maioria das vezes, está normal ou levemente diminuído. Caso se confirme o diagnóstico de restrição de crescimento fetal (RCF), a vitalidade fetal está indicada considerando-se a gravidade da RCF e a Dopplervelocimetria. Alguns autores preconizam a realização do perfil biofísico fetal a partir da 30ª semana de gestação. Considerando a alta prevalência de RCF e parto prematuro nesses casos, deve ser realizado acompanhamento clínico pré-natal em serviço terciário. O parto pode ocorrer no termo, exceto se houver outra indicação clínica para a interrupção antecipada da gestação (p. ex., RCF grave ou alterações das alças intestinais fetais). Quando há dilatação de alças intestinais (>18 mm) ou espessamento da parede das alças (> 4 mm), o feto pode ser beneficiado por uma interrupção precoce, desde que a maturidade pulmonar seja comprovada. Todavia, nesses casos, o prognóstico fetal é pior, pois há maior associação com atresia ou má rotação intestinal, o que aumenta a necessidade de ressecção de parte do intestino. Os cuidados neonatais imediatos visam manter a temperatura do recém-nascido, evitar perda líquida excessiva através das alças expostas, prevenir contaminação da área exposta e manter a circulação sanguínea das alças intestinais. Assim, é necessária a utilização de sonda nasogástrica, hidratação adequada do recém-nascido e prescrição de antibiótico de largo espectro. O reparo cirúrgico deve ser realizado precocemente, pois, quanto mais próxima ao nascimento a cirurgia for realizada, melhor será o resultado neonatal. Se a pressão intra-abdominal for menor que 20 cm de H2O, o reparo deverá ser imediato. Quando há desproporção continente-conteúdo, o tratamento cirúrgico é estadiado. Alarga-se manualmente a cavidade peritoneal para alojar o conteúdo herniado sem desfazer as aderências das alças intestinais, afastando-se atresia associada. Coloca-se um silo (cilindro) siliconizado, fixado às bordas do defeito, que pode ser ampliado longitudinalmente, se for necessário. O conteúdo herniado entrará na cavidade paulatinamente, podendo ser ordenhado diariamente ou a cada dois dias. O silo será retirado em 8 a 10 dias e o fechamento da parede abdominal será realizado.
Prognóstico O prognóstico é favorável, com sobrevida de, aproximadamente, 90%. A mortalidade está diretamente relacionada à presença de complicações cirúrgicas, especialmente as associadas a infecção, ressecção de alça intestinal, síndrome compartimental e síndrome do intestino curto. Após a cirurgia, a principal complicação é a síndrome do intestino curto, que ocorre quando há necessidade de ressecção de alças intestinais. Nesse grupo há necessidade de nutrição parenteral, e geralmente os pacientes vão a óbito nos primeiros quatro anos de vida devido a doenças hepáticas. Complicações obstétricas, como parto pré-termo e RCF, parto realizado fora de centros Terciários, favorecendo tempo prolongado para a realização da cirurgia pós-natal, aumentam a mortalidade neonatal.
ANOMALIA DE BODY STALK Esta anomalia é caracterizada pela presença de um grave defeito da parede abdominal, grave cifoescoliose e cordão umbilical rudimentar. É uma anomalia rara, caracterizada por defeitos graves e desfigurativos da parede abdominal anterior, na qual os órgãos encontram-se fora da cavidade abdominal (cavidade celômica). Ocorre grave cifoescoliose, podendo ou não ser acompanhada de alterações nos membros (geralmente, com pouca ou nenhuma mobilidade fetal) e cordão umbilical ausente ou rudimentar, geralmente monoarterial (50%).
Prevalência A anomalia de body stalk é diagnosticada no primeiro trimestre em 1 em 10.000 gestações, sendo observada na maioria translucência nucal acima do percentil 95 para a idade gestacional.
Etiologia É uma anomalia esporádica, sem caráter de herança genética ou associação com anormalidades cromossômicas, e constitui a manifestação mais grave dos defeitos da parede abdominal. A patogênese é incerta, sendo sugeridas diversas etiologias que acomete as quatro semanas iniciais de desenvolvimento, como: (a) desenvolvimento anormal na fase trilaminar, com falha nas dobras corporais nos três eixos (cefálico, caudal e lateral), (b) dano mecânico devido a uma rotura amniótica precoce (antes do fechamento da cavidade celômica), levando à síndrome da banda amniótica, (c) comprometimento precoce e generalizado do fluxo sanguíneo, levando ao incompleto desenvolvimento dos tecidos embrionários e a (d) uso de agentes teratogênicos.
Diagnóstico O dano ocorre, provavelmente, devido a três mecanismos básicos: malformações, roturas (interrupções) e deformações. Assim, os achados ultrassonográficos incluem defeito extenso da parede abdominal, cifoescoliose grave e cordão umbilical curto ou ausente, com pequena ou nenhuma mobilidade fetal. O fígado pode estar diretamente aderido à placenta, sem a interposição de cordão e com uma grande alteração (distorção) da coluna. No primeiro trimestre, é possível que parte do corpo fetal esteja na cavidade amniótica e outra parte na cavidade celômica. Os achados sugerem que a rotura amniótica precoce antes da obliteração da cavidade celômica seja a possível causa dessa síndrome.
Prognóstico Quando todos os componentes da síndrome estão presentes, esta é uma anomalia letal, ou seja, ocorre óbito fetal ou após o nascimento em 100% dos casos. A recorrência é insignificante.
EXTROFIA DE BEXIGA E DE CLOACA A extrofia vesical é um defeito da dobradura caudal da parede abdominal anterior; um pequeno defeito pode causar epispádias (malformações do sulco e canal uretral que faz com que a uretra se abra na face dorsal do pênis) isoladas, enquanto grandes defeitos levam à exposição da parede posterior vesical. Nos casos de extrofia de cloaca, tanto o trato urinário quanto o gastrointestinal estão envolvidos. A extrofia de cloaca é uma associação de onfalocele, extrofia vesical, ânus imperfurado e defeitos da coluna, como meningomielocele. As hemibexigas apresentam-se em ambos os lados do intestino.
Prevalência A extrofia vesical é encontrada em 1 em 30.000 nascimentos, e a extrofia de cloaca é encontrada em 1 em 200.000 nascimentos.
Etiologia Tanto a extrofia vesical quanto a de cloaca são anomalias esporádicas. Esses defeitos acontecem como resultado da não migração de células mesenquimais entre o ectoderma e a cloaca, o que causa deficiência dos músculos oblíquo e transverso abdominal e ausência dos músculos retais. Os músculos da parede abdominal anterior, assim como o tecido conjuntivo, não se formam na região da bexiga. Assim, haverá fechamento incompleto da parte inferior da parede abdominal anterior. Na extrofia vesical, a parede anterior da bexiga se rompe fora do abdome, o que permite a comunicação entre o meio externo e a mucosa da bexiga. Em determinados casos, pode haver divisão do pênis em duas partes e ampla separação das metades do escroto. Na extrofia cloacal, que é mais grave, a bexiga é amplamente separada. No sexo feminino, o útero é frequentemente bicorno, com dupla vagina, cega, terminando próximo à mucosa vesical. Neste grupo, ocorre associação com onfalocele e DATN em 90% e 40% dos casos, respectivamente.
Diagnóstico A extrofia vesical deve ser suspeitada ao exame ultrassonográfico quando: (a) o volume de líquido amniótico está normal, porém a bexiga fetal não é visualizada após 15 a 20 minutos de tolerância; (b) massa ecogênica é vista protruindo a parede abdominal, em associação com a artéria umbilical. Deve-se suspeitar de extrofia cloacal quando se observam achados similares aos descritos na extrofia vesical (grande defeito infraumbilical que se estende para a pelve), associado a um componente anômalo posterior (representado por uma herniação das alças e/ou mielomeningocele). Outros achados incluem artéria umbilical única, ascite, anomalias das vértebras, pé torto e genitália ambígua. Nos meninos, o pênis é dividido e duplicado (Fig. 11-6).
Conduta A avaliação diante da suspeita de extrofia cloacal ou vesical requer avaliação do cariótipo fetal, pois é fator prognóstico importante. Deve-se fazer avaliação sistemática da morfologia fetal para afastar outras malformações associadas, em especial, neurológica e esquelética. Deve ser encorajada a realização de ecocardiografia fetal por especialista e consulta com cirurgião pediátrico/urologista.
FIGURA 12-6 Extrofia cloacal: achados pós-natais em natimorto apresentando extrofia cloacal. Note defeito aberto do tubo neural, pé torto e aspecto da genitália ambígua. A avaliação ultrassonográfica seriada deve ser realizada para a monitoração do crescimento fetal e das alterações do trato urinário. Não há complicações obstétricas que determinem a interrupção antecipada da gestação, exceto por oligoâmnio decorrente de obstrução vesical. O parto por via alta deve ser encorajado, pois permite a preparação da equipe em serviço terciário para receber o recém-nascido e evita distocias traumáticas do parto decorrentes do volume abdominal protruso.
Terapia Fetal Em casos selecionados de fetos femininos com cariótipo normal, um cateter de drenagem vesical pode ser indicado caso haja obstrução vesical e a avaliação dos eletrólitos da urinária fetal indique bom prognóstico. Todavia, é imperativo afastar outras alterações associadas e, no aconselhamento do casal, deve-se expor de maneira clara que esse procedimento não é terapêutico e outras cirurgias pós-natal serão necessárias.
Prognóstico A correção cirúrgica é difícil. A mortalidade na extrofia cloacal varia de 50% a 100%. Todavia, a sobrevida além do período neonatal precoce é excelente, com taxa de sobrevida maior que 80%. A continência urinária e fecal raramente será estabelecida. O seguimento psicológico dessas pacientes sugere que ambos, meninos e meninas, têm condições de levar uma vida normal, sem alterações da inteligência. Em ambos os sexos, existe a possibilidade de fertilidade após a cirurgia.
SÍNDROME DE PRUNE BELLY A síndrome de Prune Belly, também conhecida como síndrome de Eagle-Barret, ou síndrome do abdome em ameixa seca, é uma entidade rara caracterizada por uma tríade que inclui ausência ou hipoplasia da musculatura da parede abdominal, criptorquidia bilateral em meninos e anomalia grave do trato urinário.
Prevalência A síndrome de Prune Belly ocorre em 1 a cada 40.000 nascimentos, sendo a maioria no sexo masculino (95%).
Etiologia A etiologia é desconhecida, sendo sugeridas algumas teorias, como um defeito no desenvolvimento do mesoderma primário levando a anormalidades no trato urinário e na parede abdominal, obstrução do trato urinário (fator mecânico) e anomalias genéticas. Não foi estabelecido um padrão genético de recorrência. Pode haver associação com trissomia dos cromossomos 13 e 18 e monossomia do cromossomo X (45, X0); em 10% dos casos, há anomalias cardíacas associadas. Outras alterações associadas são torácicas e ortopédicas decorrentes do oligoâmnio.
Diagnóstico O diagnóstico é baseado na presença de megabexiga (Fig. 12-7) e distensão abdominal com abaulamento dos flancos (hipotonia muscular). Os ureteres frequentemente estão comprometidos (tortuosos). Nos fetos masculinos, em uma fase mais avançada, nota-se ausência dos testículos na bolsa escrotal. A presença de oligoâmnio é frequente e está associada a mau prognóstico, devido à hipoplasia pulmonar.
FIGURA 12-7 Prune Belly: aspecto ultrassonográfico (A e B) revelando megabexiga com importante distensão abdominal e hidronefrose grave. Em C, aspecto neonatal do abdome hiperdistendido pela alteração da parede abdominal.
Conduta Estabelecido o diagnóstico, o prognóstico poderá ser determinado considerando-se o volume do líquido amniótico. Cariótipo fetal é necessário, sendo no primeiro trimestre realizado por biópsia de vilo corial e no segundo ou terceiro trimestre por amniocentese ou cordocentese (caso não haja líquido amniótico). Avaliação sistemática da morfologia fetal, que pode ser prejudicada, e ecocardiográfica fetal por especialista devem ser realizadas para afastar malformações associadas. Nos casos em que o prognóstico possa ser favorável, a avaliação seriada ultrassonográfica deve ser realizada para a monitoração do crescimento fetal e das alterações do trato urinário. Não há complicações obstétricas que determinem interrupção antecipada da gestação, exceto por oligoâmnio decorrente de obstrução vesical. A via de parto é indicação obstétrica, não sendo necessária sua antecipação. O parto deve ocorrer em serviço terciário, pois facilitará a avaliação pós-natal.
Terapia Fetal Em casos selecionados de fetos com cariótipo normal, se a avaliação dos eletrólitos da urinária fetal indicar bom prognóstico, pode ser indicado cateter de drenagem vesical. Todavia, é imperativo afastar outras alterações associadas e, no aconselhamento do casal, expor de maneira clara que este procedimento não é terapêutico e outras cirurgias pós-natais serão necessárias.
Prognóstico O prognóstico fetal está diretamente relacionado à quantidade do líquido amniótico e ao grau de deterioração da função renal. Assim, a síndrome apresenta um espectro variável de gravidade. Alguns recém-nascidos oriundos de gestações com oligoâmnio grave podem morrer no período neonatal devido a hipoplasia pulmonar ou pneumotórax (Prune Belly tipo I) e outros podem desenvolver graus variáveis de insuficiência renal, caso a causa principal da sequência seja uma obstrução renal (Prune Belly tipo II). Casos leves podem apresentar poucas características extrarrenais da síndrome, a uropatia pode ser menos grave e a função renal, estável (Prune Belly tipo III).
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Capítulo 13
Anormalidades Gastrointestinais e do Trato Biliar José Antonio de Azevedo Magalhães, Ana Lúcia Letti Müller
INTRODUÇÃO O tubo digestivo embrionário se apresenta em três porções: a cavidade bucal superior (boca, faringe, esôfago, estômago e parte do duodeno), a porção comunicante média (jejuno, íleo, ceco, cólon ascendente e parte do cólon transverso) e a porção inferior (cólon descendente, sigmoide e reto), que termina na membrana cloacal. Todas as três porções irão comunicar-se com a cavidade amniótica do saco gestacional após a sexta semana de gravidez e, em torno da nona semana, o estômago migra para o abdome, sendo visualizado pela via abdominal em todos os fetos a partir da 16ª semana de gestação. A partir da 11ª semana, observa-se peristaltismo e deglutição e, entre a 16ª e a 20ª semana, ocorre o acúmulo de resíduos intestinais (mecônio). Após a 20ª semana, se distinguem o intestino delgado e o grosso. O fígado, o pâncreas e as vias biliares extra-hepáticas se desenvolvem durante a 4ª e a 6ª semana de vida embrionária, derivando-se do epitélio endodérmico do tubo digestivo. Na ultrassonografia, os órgãos abdominais devem ser identificados em sua posição normal, ou seja, o estômago do lado esquerdo e o intestino dentro do abdome, no plano transversal. O diâmetro interno médio de uma alça intestinal não deve ultrapassar 0,7 cm, e a medida dos segmentos identificados gira em torno de 1,5 cm de comprimento. A partir de 30 semanas, são identificadas as haustrações e o conteúdo do intestino grosso é hipoecogênico (quando hiperecogênico significa maior reabsorção de líquido). Coleções líquidas intestinais anormais e quaisquer outras estruturas císticas devem ser investigadas. As anomalias gastrointestinais representam cerca de 5% de todas as anormalidades fetais com diagnóstico pré-natal e são detectadas em torno de 50% das vezes. Muitas delas estão associadas a outras malformações graves: cardíacas, renais e anormalidades genéticas. O diagnóstico apropriado associa-se a melhor prognóstico, e, quanto mais distal for a alteração, mais tardia é a manifestação clínica. Além da ultrassonografia, a ressonância magnética também é um método de imagem que pode ser utilizado para a avaliação do abdome fetal (Fig. 13-1).
FIGURA 13-1 Ressonância magnética fetal: ascite.
ATRESIA DE ESÔFAGO A atresia esofágica resulta da falência na divisão do intestino primitivo em traqueia anterior e esôfago posterior, o que normalmente ocorre entre a 5ª e a 7ª semana de gestação.
Prevalência É uma malformação que ocorre em aproximadamente 1 em cada 3.500 nascimentos. A fístula traqueoesofágica está presente em cerca de 80% a 90% dos fetos com atresia de esôfago.
Etiologia Atresia esofágica e fístula traqueoesofágica são anormalidades esporádicas. Alterações cromossômicas (principalmente trissomia 18 ou 21) são encontradas em aproximadamente 20% dos fetos. Outros defeitos maiores, principalmente cardíacos, são encontrados em cerca de 50% dos casos. Fístula traqueoesofágica pode ser vista como parte da associação VACTERL (defeitos vertebrais e do septo cardíaco, atresia anal, fístula traqueoesofágica, anomalias renais, displasia radial e artéria umbilical única). Em mais de 80% dos casos, a atresia esofágica acontece em associação com fístula traqueoesofágica, o que permite a entrada de líquido amniótico do estômago, o qual pode estar distendido, particularmente no início da gravidez.
Diagnóstico Na ultrassonografia, visualiza-se a presença de poli-hidrâmnio, geralmente após a 24ª semana, e percebe-se a ausência da imagem do estômago ou sua imagem com dimensões muito reduzidas devido à secreção gástrica, que pode gerar pequena distensão. Se houver fístula traqueoesofágica associada, o estômago pode parecer normal. Anomalias associadas ocorrem em até 65% dos casos (cardíacas, como o defeito do septo atrioventricular); em 15% a 30%, outras anomalias gastrointestinais, como atresia de duodeno, atresia anorretal e má rotação; em 28%, geniturinárias, musculoesqueléticas, do sistema nervoso central, da face e cromossômicas. A síndrome malformativa conhecida como VACTERL inclui anomalias vertebrais, atresia anorretal, malformações cardíacas, fístula traqueoesofágica, anomalias renais e malformação de membros. Como a fístula traqueoesofágica é comum, pode haver líquido dentro do estômago.
Conduta Diante do diagnóstico pré-natal, o cariótipo fetal está indicado para a exclusão de cromossomopatia. Deve ser realizado exame detalhado da anatomia fetal, incluindo ecocardiografia fetal por especialista, para definir o prognóstico da gestação. Não há necessidade de avaliação clínica pré-natal diferente da preconizada para outras gestações, exceto por exame ultrassonográfico seriada a cada 2 ou 4 semanas para avaliar o crescimento fetal e o risco de parto pré-termo. Nesse sentido, sugerimos avaliação do comprimento cervical pela ultrassonografia endovaginal. A complicação obstétrica mais frequente nessa situação é poli-hidrâmnio grave com trabalho de parto prematuro. A tocólise estará indicada e deverá ter início precoce. A realização de amniodrenagem seriada não está indicada se não tiver sido demonstrado benefício no prolongamento da gestação, ficando sua indicação restrita aos casos em que haja grande desconforto respiratório materno. Alguns autores preconizam a utilização de indometacina, porém seu uso deve ser cuidadoso, em especial após a 32ª semana de gestação, devido ao elevado risco de fechamento do canal arterial. O parto deve ser realizado no termo em serviço terciário. Após o nascimento e a reanimação neonatal, indica-se descompressão com sonda nasogástrica, pois a impossibilidade de progressão da sonda gástrica ente 8 e 10 cm da boca é forte preditor de atresia esofágica. Diante dessa hipótese, a alimentação deverá ser postergada até o diagnóstico definitivo, pois, caso contrário, haverá risco de pneumonia aspirativa pela fístula traqueoesofágica. A radiografia toracoabdominal em posição anteroposterior (radiografia toracoabdominal em AP) com sonda contrastada no esôfago proximal deve ser realizada para confirmar definitivamente o diagnóstico. O reparo cirúrgico é realizado o mais cedo possível, após a avaliação de possíveis alterações associadas.
Prognóstico A taxa de mortalidade geral é de 46%, mas a melhora nos cuidados neonatais anestésicos e cirúrgicos tem elevado a sobrevida para valores próximos de 100% em recém-nascidos com mais de 1.500 g sem anomalias cardíacas associadas. Os três fatores prognósticos condicionantes para todas as doenças obstrutivas intestinais são: alterações graves não intestinais associadas, prematuridade e complicações da própria doença intestinal. A infecção hospitalar é outro fator importante relacionado à lesão intestinal, com a necessidade de cirurgia, de acessos venosos centrais, alimentação parenteral prolongada, uso de antibióticos e a vulnerabilidade dos recém-nascidos. Risco de recorrência familiar de 1%.
ESTENOSE HIPERTRÓFICA DO PILORO Na quinta semana da vida embrionária, a luz do duodeno é obstruída pelo epitélio proliferativo. O padrão da luz é normalmente restabelecido na 11ª semana e a falência da vacuolização pode levar a estenose ou atresia duodenal. A obstrução duodenal também pode ser causada por compressão do anel pancreático ou por bandas peritoneais fibrosas.
Prevalência É uma malformação que ocorre em aproximadamente 1 em cada 10.000 nascimentos, com predominância no sexo masculino.
Etiologia Ocorre espontaneamente, sendo, na maioria das vezes, esporádica e de causa multifatorial. Existe relato de herança familiar do tipo autossômica recessiva, como a epidermólise bolhosa e a síndrome familiar de atresias múltiplas.
Diagnóstico A ultrassonografia mostra dilatação do estômago fetal associado a poli-hidrâmnio, embora não seja patognomônica, pois o feto pode deglutir grandes volumes de líquido amniótico em casos de poli-hidrâmnio não obstrutivo – o ideal seria observar por um tempo maior para ver se ocorre o esvaziamento gástrico. Um sinal ultrassonográfico clássico é a dupla bolha gástrica. A confirmação neonatal se faz por meio de ultrassonografia, que revela canal pilórico com extensão maior que 16 mm e diâmetro transverso superior a 14 mm, ou pela seriografia gastroduodenal.
Conduta Diante da suspeita diagnóstica (dupla bolha gástrica), o cariótipo fetal está indicado para exclusão de cromossomopatia, sendo a mais frequente associação a trissomia do cromossomo 21. Deve-se examinar detalhadamente a anatomia fetal, incluindo ecocardiografia fetal por especialista, para definir o prognóstico da gestação. Não há necessidade de avaliação clínica pré-natal diferente da preconizada para outras gestações, exceto por exame ultrassonográfico seriado a cada 2 ou 4 semanas para avaliar o risco de parto pré-termo, geralmente decorrente do polihidrâmnio. Nesse sentido, sugerimos avaliação do comprimento cervical pela ultrassonografia endovaginal. A complicação obstétrica mais frequente é o poli-hidrâmnio grave com trabalho de parto prematuro. Assim, o acompanhamento pré-natal deve seguir os passos do preconizado na atresia esofágica.
Prognóstico O prognóstico é bom, porém associado a outras anormalidades e ao peso fetal ao nascimento (parto pré-termo). A estenose pilórica é, em geral, tratada cirurgicamente em todos os casos. As principais complicações ocorrem em decorrência do diagnóstico tardio, como distúrbios hidroeletrolíticos decorrentes dos vômitos e da nutrição parenteral inadequada.
ATRESIA DE DUODENO Embriologicamente, resulta da falha da recanalização duodenal entre a 9ª e a 11ª semana de gestação, com obstrução deste segmento do tubo digestivo.
Prevalência É a anomalia mais comum do intestino delgado, variando de 1 em 5.000 a 1 em 10.000 gestações.
Etiologia O uso de drogas como a talidomida e de cocaína é referido como causa desta patologia. Está associada, em até 70% das vezes, a algum outro tipo de anomalia congênita. É encontrada em 20% dos casos de gastrosquise. A atresia duodenal está associada à trissomia do cromossomo 21 em um terço dos casos. Também associa-se à VACTERL.
Diagnóstico Das patologias gastrointestinais, a atresia de duodeno é a que mais se diagnostica no período pré-natal. Na ultrassonografia, identifica-se a imagem de dupla bolha na parte superior do abdome fetal, em corte transversal, associação de poli-hidrâmnio na metade dos casos e crescimento fetal restrito (Fig. 13-2). Essa imagem também pode ser encontrada nos casos de pâncreas anular, volvo ou obstrução intestinal. Deve ser feito o diagnóstico diferencial com essas patologias e com outras massas císticas.
FIGURA 13-2 Atresia de duodeno, sinal da dupla bolha. As obstruções duodenais são classificadas em: Tipo I: diafragma (membrana) mucoso. A camada muscular está intacta nesses casos. A porção proximal está dilatada e a distal, estreitada Tipo II: há cordão fibroso interposto às extremidades do duodeno atrésico Tipo III: completa separação do duodeno atrésico Tipo IV: compressão extrínseca do duodeno, geralmente associada às malformações, como pâncreas anular, bridas de Ladd, duplicação duodenal e veia portal anteriorizada.
Prognóstico A mortalidade é alta quando está associada a outras anomalias congênitas, da mesma forma que na atresia de esôfago.
ATRESIA JEJUNOILEAL É responsável por um terço dos casos de obstrução intestinal dos recém-nascidos. Ocorre por falha da recanalização do estágio sólido do tubo intestinal ou insulto vascular durante o desenvolvimento das estruturas.
Prevalência Varia de 1 em 330 a 1 em 5.000 nascidos vivos. Tem baixa taxa de associação com outras anomalias.
Etiologia Resulta da hipoperfusão intestinal após a embriogênese. Os insultos vasculares responsáveis incluem anormalidades dos vasos sanguíneos durante o desenvolvimento, compressão vascular em condições como má rotação intestinal, volvo, intussuscepção, gastrosquise e onfalocele ou embolia através das anastomoses vasculares placentárias em gemelares.
Diagnóstico A sensibilidade diagnóstica é maior quanto mais proximal for a lesão. Na ultrassonografia, em cortes axiais identificam-se áreas sonolucentes e imagem de tripla ou quádrupla bolha, alças distendidas no segmento proximal e peristalse aumentada (Figs. 13-3 e 13-4). Poli-hidrâmnio é encontrado em 50% dos casos. O diagnóstico diferencial é estabelecido com rim policístico, hidroureter e cisto de ovário.
FIGURA 13-3 Atresia de jejuno.
FIGURA 13-4 Atresia de íleo. As atresias intestinais são classificadas, de acordo com o sistema de Grosfeld, em: Tipo I: de membrana (que obstrui a luz intestinal) Tipo II: de cordão fibroso (que une duas extremidades cegas) Tipo IIIA: defeito em fundo cego, sem continuidade Tipo IIIB: defeito mesentérico com aspecto de “casca de maçã” (por oclusão da artéria mesentérica superior – padrão familiar) Tipo IV: múltiplas atresias de qualquer tipo (padrão autossômico recessivo). A confirmação neonatal se faz por meio de raios X simples de abdome nas posições deitada e ortostática. O contraste é o ar presente no tubo digestivo, que revela alças dilatadas com nível hidroaéreo, sendo em maior quantidade quanto mais baixa for a obstrução. Enema opaco será indicado na suspeita de obstrução colônica.
Conduta Diante da suspeita diagnóstica, o cariótipo fetal está indicado para a exclusão de cromossomopatia, sendo mais frequente alguma associação nas obstruções proximais. Deve ser realizado exame detalhado da anatomia fetal, incluindo ecocardiografia fetal por especialista, para definir o prognóstico da gestação. A complicação obstétrica mais frequente é o poli-hidrâmnio grave com trabalho de parto prematuro. Assim, o acompanhamento pré-natal deve seguir os passos do preconizado na atresia esofágica.
Prognóstico As atresias de jejuno estão associadas a prematuridade, baixo peso ao nascer, gemelidade e maior mortalidade nos tipos IIIB e IV. A melhora do prognóstico nos últimos anos se deve à evolução da nutrição parenteral neonatal e as complicações são devidas às síndromes mal absortivas e de intestino curto.
OBSTRUÇÕES INTESTINAIS BAIXAS São responsáveis por 30% das obstruções intestinais, com uma incidência geral de 1 em 3.000 a 1 em 5.000 nascidos vivos. • Atresia colônica – É rara, ocorrendo em 1 em 66.000 nascidos vivos, mais no sexo masculino, e apresenta correlação genética. Apresenta a mesma etiologia que a atresia jejunoileal, associando-se à gastrosquise em 10 a 20% dos casos. • Doença de Hirschprung – Principal causa de obstrução intestinal funcional (1 em 5.000 a 1 em 8.000 nascidos vivos, mais no sexo masculino), que é caracterizada pela ausência de gânglios parassimpáticos mioentéricos da parede do cólon proximal de extensão variável, com consequente dilatação intestinal. • Íleo meconial – Ocorre devido à presença de mecônio espesso no íleo distal, por aumento da secreção gastrointestinal devido à imaturidade funcional, com formação de rolha meconial e por alterações hidroeletrolíticas que se associam à fibrose cística. Prevalência de 1 em 2.000 nascidos vivos. • Intestino hiperecogênico – Variante normal, que também é um marcador de obstrução intestinal decorrente de infecção congênita por citomegalovírus, toxoplasmose e parvovirose, trissomias do 21 e 18, fibrose cística e deglutição de sangue, podendo estar associada à restrição de crescimento fetal grave (Fig. 13-6). • Atresia anorretal e ânus imperfurado – Correspondem a 1,5% a 2% das malformações, atingindo 1 em 5.000 nascidos vivos, por falha do desenvolvimento do septo urorretal. Na etiologia estão relacionados o uso de talidomida, o consumo de álcool e o diabetes melito materno. Associa-se, em 70% dos casos, a outras malformações, dentre elas anomalias urológicas, fístulas, síndrome de Down e VACTERL.
FIGURA 13-6 Intestino hiperecogênico.
Diagnóstico das obstruções baixas O diagnóstico é difícil. Na ultrassonografia, aparecem como obstrução intestinal variável com alças dilatadas, geralmente após 20 semanas de gestação e poli-hidrâmnio também variável (Fig. 13-5). O conteúdo intestinal é hiperecogênico. Há visualização de líquido na ampola retal e enterolitíase ou mecônio calcificado de aspecto puntiforme.
FIGURA 13-5 Atresia de cólon.
Prognóstico Depende das malformações associadas. Em casos em que houver suspeita de obstrução baixa, o seguimento deve ser cuidadoso devido ao alto risco de perfuração intestinal pré-natal. A presença de dilatação intestinal e intestino hiperecogênico tem pior prognóstico. Nos casos de atresia anorretal ou ânus imperfurado, o prognóstico de continência fecal deve ser considerado de acordo com a presença do complexo muscular perianal identificado e os resultados cirúrgicos.
PERITONITE MECONIAL É um processo inflamatório de origem química, ocasionado pelo extravasamento do mecônio através de uma perfuração intestinal.
Etiologia A origem da perfuração pode ser isquêmica, pela dilatação obstrutiva e consequente necrose e perfuração da parede intestinal, e pode ser secundária a íleo meconial e fibrose cística em até 40% dos casos.
Prevalência Ocorre em 1 em cada 35.000 nascidos vivos.
Diagnóstico O diagnóstico ultrassonográfico é feito pela presença de calcificações lineares intraperitoneais em 85% dos casos, alças intestinais dilatadas em 30%, poli-hidrâmnio, ascite ecogênica em 50% e pseudocisto meconial em 14%. O diagnóstico diferencial é feito com calcificações em patologias como hemangioma, teratoma, calcificação hepática, cálculo biliar e infecção congênita, entre outras (Figs. 13-7 e 13-8).
FIGURA 13-7 Ultrassonografia demonstrando ascite fetal em caso de infecção pré-natal.
FIGURA 13-8 Cálculos biliares em gestação de terceiro trimestre.
Prognóstico Mortalidade elevada, em torno de 50%, melhorando nos casos de diagnóstico pré-natal com planejamento cirúrgico imediato. As seguintes patologias são menos frequentes, mas não menos importantes: • Cistos de duplicação entérica – Trata-se de cavidades císticas no abdome fetal que não se comunicam com a luz intestinal. São mais frequentes no sexo masculino e associam-se a defeitos vertebrais. Há risco de volvo, intussuscepção ou sangramento. • Pâncreas anular – Surge em cerca de 20% dos casos de atresia duodenal e sugere-se que estas duas anomalias se originam da mesma falha de desenvolvimento nesta área. No caso do pâncreas anular, ocorreria o crescimento de um broto ventral bífido que envolve o duodeno e se funde com o broto dorsal em forma de anel. • Cisto de colédoco – É uma anormalidade dos ductos biliares caracterizada por dilatação das vias biliares intra ou extrahepáticas, de etiologia desconhecida. A incidência é maior no sexo feminino e no Japão, 1/13.000 nascidos vivos. É classificado em cinco tipos, e o tipo I é o mais comum – dilatação fusiforme junto ao ducto cístico ou ao ducto hepático comum. O tipo II é um divertículo, o tipo III é uma pequena dilatação na porção intraduodenal do colédoco ou coledococele, o tipo IV consiste em múltiplols cistos intra e extra-hepáticos e o tipo V consiste na dilatação dos ductos biliares intra-hepáticos e em ducto biliar comum normal. O diagnóstico fetal é raro; na ultrassonografia visualiza-se uma lesão cística no quadrante superior direito do abdome por volta da 27ª semana de gestação, que é confirmada com a visualização da via biliar e da vesícula. Diagnóstico diferencial feito com atresia duodenal, cistos em outros órgãos e duplicação entérica. A anomalia associada mais comum é a atresia biliar. O prognóstico depende do diagnóstico pré-natal e do tratamento cirúrgico neonatal precoce. • Atresia biliar – Colangiopatia fibro-obliterativa de etiologia desconhecida que afeta a árvore biliar intra e extra-hepática. Assim como os cistos de colédoco, ocorrem mais em mulheres e no Japão, com incidência de 1/15.000 a 1/19.000 nascidos vivos. Pode ou não estar associada a outras anomalias biliares. Principal indicação de transplante hepático neonatal. O diagnóstico pré-natal é raro, na ultrassonografia não se visualiza a vesícula biliar nem o colédoco na maioria das vezes e se apresenta com hilo hepático hiperecogênico. • Malformações hepáticas – São raras. Dentre elas, ocorrem doença hepática policística e hepatomegalia decorrente de infecção congênita, obstrução biliar, doenças metabólicas com infiltração hepática, como a mucopolissacaridose, hamartomas e fibrose hepática congênita. Achados ultrassonográficos no segundo trimestre podem sugerir o diagnóstico (calcificações hepáticas, aumento do volume do fígado, cistos). O prognóstico depende da patologia. • Cisto esplênico/baço acessório – São vistos mais frequentemente junto ao hilo do baço e nas proximidades da cauda do pâncreas. Podem estar inseridos no interior do ligamento gastrointestinal ou na cauda do pâncreas. Achados ultrassonográficos eventuais são de bom prognóstico. As alterações gastrointestinais são muitas e, na sua maioria, não têm indicação de terapia fetal, excetuando-se a amniocentese, para alívio do poli-hidrâmnio e confirmação diagnóstica.
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Capítulo 14
Anormalidades Geniturinárias Victor Bunduki, Rossana Pulcineli Vieira Francisco, Marcelo Zugaib
INTRODUÇÃO A presença de anomalia estrutural fetal é estabelecida pela ultrassonografia e incide em mais ou menos 1% dos fetos. Já 3% a 4 % da população de recém-nascidos é portadora de alguma anormalidade não malformativa dos rins e dos ureteres, sendo a maioria pieloectasias causadas por refluxo urinário. As anomalias renais dividem-se em anormalidades nefrourológicas não obstrutivas, que não cursam com dilatação do sistema coletor, e uropatias obstrutivas, que cursam com dilatação do sistema coletor. Estas últimas têm grande importância no período perinatal. O diagnóstico das anomalias renais é feito por meio de ultrassonografia pré-natal, que pode diagnosticar várias dessas patologias. O mais comum é seu achado em exames de rotina no segundo e terceiro trimestres; neste último, principalmente as uropatias obstrutivas. Eventualmente, o exame é dirigido por suspeita motivada pela observação de líquido amniótico diminuído ou altura uterina incompatível (pequena) para a idade gestacional. Embora a sensibilidade da ultrassonografia seja alta, muitas vezes um diagnóstico preciso da lesão, bem como seu valor prognóstico, são de difícil avaliação. Os rins fetais são formados a partir de duas fontes: o divertículo metanéfrico (ou broto uretérico) e o mesoderma metanéfrico (ou blastema metanefrogênico), ambos de origem mesodérmica. O broto uretérico, como o próprio nome diz, é um órgão tubular, primórdio do ureter. Ele penetra no mesoderma metanéfrico e passa a se ramificar, formando, assim, a pelve renal, os cálices e os túbulos coletores. A extremidade de cada túbulo coletor induz à formação, no mesoderma metanéfrico circunjacente, do corpúsculo renal (cápsula de Bowman e glomérulo), do túbulo contorcido proximal, da alça de Henle e do túbulo contorcido distal, que em seu conjunto constituem um néfron. Lesões obstrutivas precoces no segundo trimestre podem dificultar a junção entre túbulos contorcidos distais e túbulos coletores, o que inibe a diferenciação do néfron e dá origem a uma desorganização estrutural grave denominada displasia renal. O processo de desenvolvimento renal não se completa com o nascimento. Ainda ocorre a formação de néfrons adicionais a partir de mesênquima indiferenciado na camada cortical externa ao longo de vários meses após o nascimento. Ocorre, ademais, crescimento dos néfrons por hipertrofia. Por serem mais comuns em portadores de anomalias nefrourológicas, os processos infecciosos das vias urinárias tendem a agravar ainda mais o prognóstico desses pacientes. Uma das finalidades do diagnóstico pré-natal dessas anomalias é permitir a introdução de antibioticoprofilaxia adequada e precoce.
ANOMALIAS UROLÓGICAS NÃO OBSTRUTIVAS Dentre os 241 casos de anomalias urológicas observados entre os anos de 2000 e 2003 no setor de Medicina Fetal da Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, 96 correspondiam a anormalidades não obstrutivas, segundo a frequência apresentada na Tabela 14-1. TABELA 14-1 Distribuição de casos de anomalias uroló-gicas não obstrutivas diagnosticados durante os anos de 2000 e 2003 no setor de Medicina Fetal da Clínica Obsté-trica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo Diagnóstico
Nº de casos
% do total
Rins multicísticos
26
27%
“Displasia” renal
37
38,5%
Rins policísticos do tipo infantil
8
8,4%
Agenesia renal bilateral
12
12,5%
Outros
13
13,6%
Total
96
100 %
Agenesia renal A ausência unilateral de um rim é relativamente comum (1:500 a 1:600), geralmente não levando à repercussão clínica. Já a ausência bilateral é rara (cerca de 0,3 por 1.000 nascimentos), sendo incompatível com a vida provavelmente devido à hipoplasia pulmonar associada (síndrome de Potter). Anomalias genitais são comuns em pacientes com agenesia renal unilateral, podendo ocorrer em ambos sexos, mas, principalmente, no masculino, em proporção de 1,8:1,0. No sexo feminino, a incidência de útero unicorno é de 5% a 70%, ocorrendo frequentemente em associação com a síndrome de RokitanskyKüster-Hauser (agenesia de útero e vagina) e a disgenesia gonadal (cerca de 50% cursam com anomalias renais).
Achados ultrassonográficos Observa-se ausência de líquido amniótico (anidrâmnio) e de imagem vesical. Não se veem nas lojas renais os rins (Fig. 14-1). A agenesia unilateral pode ser reconhecida pela quantidade normal de líquido amniótico e pela visualização da bexiga e de apenas um dos rins. O rim presente pode ser hipertrófico e é frequente a associação com artéria umbilical única.
FIGURA 14-1 Corte transversal de abdome fetal revelando não identificação dos rins em sua topografia original e anidrâmnio em caso de agenesia renal bilateral. As setas identificam as lojas renais vazias.
DUPLICAÇÃO RENAL O reconhecimento pré-natal das duplicações renais melhora significativamente o prognóstico, pois permite o alívio precoce e menos invasivo de uma eventual obstrução associada, assim como o uso de profilaxia infecciosa adequada.
Achados ultrassonográficos A duplicação é mais frequentemente vista no corte longitudinal e pode atingir diferentes graus, mas rim supranumerário é raro. À ultrassonografia visualizam-se desde dois rins homolaterais a múltiplos cálices aglomerados, ou somente uma duplicação piélica e ureteral. A ureterocele, facilmente identificada na bexiga, é bastante frequente nessa eventualidade. O diagnóstico diferencial deve ser feito com patologias obstrutivas e com refluxos.
ECTOPIA RENAL A suspeita ocorre quando se encontra uma loja renal vazia na topografia habitual. Assim, devemos procurar uma ectopia antes de afirmarmos tratar-se de agenesia unilateral. Na ectopia, geralmente o rim se apresenta em posição mais baixa e com seu hilo voltado mais anteriormente. A ectopia renal pode ser uni ou bilateral, e a unilateral é muito mais frequente. Há casos nos quais o rim se encontra na pelve do feto (rim pélvico), sendo descrita maior incidência de litíase e de anomalia da junção ureteropiélica. Nesses casos, não há hipertrofia compensatória do rim contralateral, como na agenesia unilateral.
“DISPLASIA” RENAL MULTICÍSTICA (RINS MULTICÍSTICOS)
Aspectos ultrassonográficos Encontramos uma massa polilobulada com os lóbulos distribuídos de maneira anárquica e sem imagem do bacinete, fazendo diferencial com a hidronefrose nas formas associadas com dilatação (rara) de massa renal bastante volumosa, contendo cistos que não se comunicam entre si, tomando toda a extensão renal, não se evidenciando parênquima renal restante, muito menos a diferenciação corticomedular (Fig. 14-2).
FIGURA 14-2 Corte transversal oblíquo de abdome fetal em feto no curso da 22ª semana de gestação revelando presença de rins com aspecto multicístico (setas). Observe que o rim está com suas dimensões aumentadas e apresenta aspecto heterogêneo com múltiplas imagens anecoicas, não comunicantes, com dimensões variadas, entremeadas por tecido hiperecogênico. Note a ausência total de líquido amniótico. É comum a associação com ureter atrésico e outras anormalidades obstrutivas do trato urinário. Está demonstrado ultrassonograficamente que pode ocorrer regressão e reabsorção do rim acometido, de tal forma que na vida adulta, não fosse pelo diagnóstico pré-natal, essa anormalidade seria diagnosticada como agenesia renal unilateral. Quando unilaterais, cistos múltiplos com rim contralateral normal não indicam nenhuma conduta especial. A quantidade de líquido em controles ultrassonográficos seriados é decisiva para a conduta, pois, às vezes, vemos associações obstrutivas no rim contralateral.
RINS POLICÍSTICOS DO TIPO INFANTIL Na ultrassonografia pré-natal, encontram-se grandes rins hiperecogênicos com perda da diferenciação corticomedular, geralmente na ausência de líquido amniótico e sem a presença da bexiga. Como se trata de doença autossômica recessiva, o diagnóstico é fácil se os antecedentes familiares estiverem presentes para essa doença. O diagnóstico pré-natal é possível em 90% dos casos. Em 10%, o aparecimento é tardio – forma juvenil –, existem menos néfrons císticos e observa-se ectopia précalicial na urografia excretora. Clinicamente, a doença manifesta-se já no período neonatal com grandes rins palpáveis, hipertensão, proteinúria, déficit de concentração urinária, ITU de repetição e, finalmente, insuficiência renal progressiva. A doença leva à diminuição da expectativa de vida, se não tratada com diálise ou transplante renal. Os casos mais graves apresentam óbito intrauterino ou neonatal (os pediatras veem normalmente apenas os melhores casos, como em todas as patologias de diagnóstico pré-natal). O fator prognóstico mais importante é, novamente, a quantidade de líquido amniótico.
RINS POLICÍSTICOS DO TIPO ADULTO Para a medicina fetal, trata-se de entidade rara (com apenas alguns casos descritos na literatura). Mesmo no período neonatal, a manifestação é muito infrequente. É no todo, porém, muito mais comum do que o tipo infantil, sendo a terceira causa de insuficiência renal terminal no adulto, mas a precocidade do seu aparecimento é sinal de mau prognóstico. Se houver desejo de nova gravidez o aconselhamento genético é importante, dada a alta taxa de recorrência (50%).
ANOMALIAS UROLÓGICAS OBSTRUTIVAS As anomalias das vias excretoras urinárias constituem um grupo heterogêneo de agressões obstrutivas em diferentes níveis, graus, épocas de aparecimento e natureza de lesão. Elas compartilham, no entanto, um mecanismo fisiopatológico muitas vezes comum, o que promove uma obstrução que se transmite ao rim, determinando o seu comprometimento funcional. Podem estar associadas ao oligoâmnio e à hipoplasia pulmonar, quando bilaterais e na presença de válvula de uretra posterior. As anomalias obstrutivas do sistema urinário são definidas, então, como anomalias urológicas que cursam com dilatação das vias urinárias e nem sempre apresentam uma real obstrução.
Diagnóstico topográfico O diagnóstico topográfico ainda é a melhor maneira de avaliar casos de dilatação das vias urinárias e rins fetais. A ultrassonografia pode, assim, mostrar aumento de volume das cavidades do trato urinário normalmente visíveis, como a pelve renal (Fig. 14-3), ou pode evidenciar estruturas que não são visíveis habitualmente, como os ureteres. A taxa de detecção da ultrassonografia aumenta diretamente com o avançar da gestação, e a sua sensibilidade com 20, 24 e 28 semanas de idade gestacional é de 9%, 50% e 80%, respectivamente. É fundamental afastar outras malformações eventualmente associadas. A ultrassonografia morfológica deve ser a mais minuciosa possível, e deve-se solicitar sempre a realização de ecocardiografia fetal.
FIGURA 14-3 Corte transversal de abdome fetal na altura das lojas renais, demostrando dilatação piélica moderada com pelves de 26 e 28 mm, identificada pela aferição do diâmetro anteroposterior (calipers). Na Tabela 14-2, relacionamos os parâmetros de normalidade do diâmetro anteroposterior da pelve renal, de acordo com a faixa da idade gestacional, utilizado para definir hidronefrose. Valores superiores a este requerem seguimento pós-natal. TABELA 14-2 Parâmetros de normalidade do diâmetro anteroposterior da pelve renal de acordo com a faixa da idade gestacional Idade gestacional
DAPPR
Até 23 semanas
< 5 mm
24 a 32 semanas
< 7 mm
≥ 33 semanas
160 bpm
Variabilidade Ausente
Indetectável
Mínima
0-5 bpm
Moderada (normal)
6-25 bpm
Aumentada
> 25 bpm
Padrão sinusoidal
Ondas em formato de sino com amplitudes de 5 a 15 bpm, com ritmo fixo, regular e monótono
Acelerações transitórias < 32 semanas
> 10 bpm e > 10 segundos
≥ 32 semanas
> 15 bpm e > 15 segundos
Desacelerações periódicas
Desacelerações precoces ou DIP I Desacelerações tardias ou DIP II Desacelerações variáveis ou DIP III
Desacelerações não periódicas
*bpm = batimentos
por minuto.
Espicas ou DIPs 0 Desacelerações prolongadas
Adaptada do National Institute of Child Health and Human Development Research Planning Workshop. Electronic fetal heart rate monitoring: research guidelines for interpretation. Am J Obstet Gynecol 1997;177:1385-90.
LINHA DE BASE A linha de base consiste na média aproximada dos valores da FCF, avaliada em um segmento de 10 minutos do traçado cardiotocográfico, excluindo-se desacelerações, acelerações e variabilidade acentuada em que o segmento apresente diferenças superiores a 25 batimentos por minuto (bpm). Na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), a linha de base é determinada como aquela que está presente em mais de 50% do traçado. Os valores normais da FCF de base são aqueles compreendidos entre 110 e 160 bpm. A bradicardia fetal é definida quando a linha de base é menor que 110 bpm. É mais comumente encontrada em gestação pós-data ou decorrente do uso materno de drogas betabloqueadoras. As bradiarritmias cardíacas, como o bloqueio atrioventricular, normalmente sustentam níveis de FCF mais baixos com menos de 60 bpm). A taquicardia fetal é caracterizada por linha de base com valor superior a 160 bpm, e as situações mais frequentemente associadas ao aumento da FCF são infecção ovular, hipertermia materna (10 bpm para cada grau centígrado), uso de drogas uterolíticas simpaticomiméticas (como isoxsuprina), excesso de atividade fetal, hiper-reatividade fetal a estímulos (sonoros, vibratórios), uso abusivo de nicotina [3] e cafeína, e as taquiarritmias cardíacas, nas quais a FCF é geralmente superior a 200 bpm. A etiologia mais grave, e não comumente encontrada, é a hipóxia fetal crônica, que surge devido à estimulação do componente simpático do SNA e ocorre como resposta persistente e duradoura ao sofrimento fetal.
VARIABILIDADE A variabilidade é definida como uma oscilação na linha de base da FCF. Dois tipos são descritos: a instantânea, de curta duração (short term), chamada de microscilação, e a de longa duração (long term), também conhecida como macroscilação ou variabilidade oscilatória. A microscilação não é passível de ser avaliada pela interpretação visual do traçado cardiotocográfico; somente os monitores da CTG computadorizada permitem a leitura em milissegundos (ms) desse parâmetro. A variabilidade de longa duração é definida como a amplitude do ascenso e descenso da FCF (exceto para o padrão sinusoidal), sendo normal a frequência de 2 a 6 ciclos por minuto. Os valores considerados normais para a variabilidade oscilatória pelo NICH são os situados entre 6 e 25 bpm. De acordo com a classificação de Zugaib e Behle, a variabilidade normal compreende valores entre 10 e 25 bpm. A ocorrência de variabilidade diminuída está relacionada a diversos fatores associados principalmente à depressão da função neurológica fetal, como sono, malformações do sistema nervoso central, hipóxia e uso materno de drogas (como opiáceos). Na prematuridade, ela é comum devido à imaturidade do componente parassimpático do sistema nervoso autônomo. Já o aumento da variabilidade, quando o valor está acima de 25 bpm, é evento menos comum e normalmente associado à movimentação fetal excessiva. O padrão sinusoidal é de ocorrência ainda mais rara e o traçado é caracterizado por onda em forma de sino, com amplitudes de 5 a 15 bpm, com ritmo monótono e uniforme, mesmo após a aplicação do estímulo sonoro. O traçado sinusoidal pode estar presente em situações de hipóxia, com prognóstico perinatal comumente prejudicado. Porém, classicamente esse padrão é associado a gestações com fetos isoimunizados e hidrópicos que apresentam anemia grave decorrente de insuficiência cardíaca fetal.
ACELERAÇÕES TRANSITÓRIAS As ascensões da FCF denominadas acelerações transitórias (AT), de acordo com o consenso da NICH, são elevações abruptas (com intervalo entre o início da aceleração e o pico inferior a 30 segundos) da FCF, cujo acme é igual ou superior a 15 bpm em relação à linha de base, e com duração mínima de 15 segundos e inferior a 2 minutos. Para idades gestacionais precoces abaixo de 32 semanas, são aceitos valores para a AT de 10 bpm e com duração superior a 10 segundos. A aceleração é denominada prolongada quando dura 2 a 10 minutos e, acima desse período, é considerada mudança de linha de base. A AT é associada à resposta fisiológica à movimentação corpórea do feto e é o melhor parâmetro cardiotocográfico correlacionado ao bem-estar fetal. O desaparecimento das acelerações, mesmo após estímulos, sugere hipóxia fetal.
DESACELERAÇÕES As desacelerações são quedas temporárias da FCF e podem ser classificadas como periódicas ou não periódicas (associadas à contração uterina ou não, respectivamente). A identificação correta desses eventos no traçado cardiotocográfico é etapa fundamental no diagnóstico correto de sofrimento fetal. As características mais importantes dessas quedas serão descritas a seguir.
DESACELERAÇÃO PRECOCE OU DIP I É a queda gradual (o intervalo entre o início e o nadir da queda é igual ou superior a 30 segundos) da FCF e ocorre simultaneamente com a contração uterina, ou seja, o valor mínimo atingido pela FCF coincide com o pico da contração. O DIP I acontece habitualmente no trabalho de parto, especialmente no período expulsivo e após a rotura das membranas ovulares, e não está associado a acidemia e sofrimento fetal (Fig. 19-1).
FIGURA 19-1 Desacelerações. DIP I ou desaceleração precoce.
DESACELERAÇÃO TARDIA OU DIP II Tem como particularidade a queda gradual (o intervalo entre o início e o nadir da queda é igual ou superior a 30 segundos) da FCF, que tem início após 20 segundos ou mais após o início da contração uterina (Fig. 19-2). O nadir da desaceleração tardia acontece após o pico da contração. O aparecimento de DIP II no traçado cardiotocográfico está correlacionado à hipóxia em fetos com baixa reserva de oxigênio. O grau de prejuízo da oxigenação fetal é proporcional à frequência e duração das desacelerações, assim como depende também da condição fetal e placentária basal.
FIGURA 19-2 Desacelerações – DIP II ou desaceleração tardia.
DESACELERAÇÃO UMBILICAL OU VARIÁVEL OU DIP III É a queda súbita (o intervalo entre o início e o nadir da desaceleração menor que 30 segundos) da FCF de pelo menos 15 bpm, e duração maior ou igual a 15 segundos e inferior a 2 minutos (Fig. 19-3). O DIP umbilical é precipitado habitualmente por compressão do cordão umbilical durante contração uterina ou movimentos corpóreos fetais.
FIGURA 19-3 Desacelerações – DIP III ou DIP umbilical. As características do DIP umbilical de mau prognóstico são: duração superior a 60 segundos, taquicardia compensadora (ascensão da linha de base após a desaceleração), recuperação da linha de base em bradicardia, queda da FCF abaixo de 70 bpm, duração maior que 1 minuto, recuperação lenta da linha de base, morfologia em W e perda da variabilidade. Já a presença de pequenas acelerações no início ou no final do DIP umbilical (quando a compressão do cordão obstrui somente a veia umbilical), chamadas também de “acelerações em ombro”, aponta para desaceleração de bom prognóstico, e esse padrão não é associado a resultados perinatais adversos.[5]
DESACELERAÇÃO PROLONGADA É um tipo de desaceleração não relacionada à contração uterina com queda da FCF superior a 15 bpm e com duração de 2 a 10 minutos. Acima desse período, denomina-se a mudança de linha de base. As causas mais comumente associadas são a hipotensão materna e a hipertonia uterina. Nessas situações, corrigidos os fatores etiológicos, há a normalização da FCF.
ESPICAS OU DIP O São quedas abruptas e pouco amplas da FCF decorrentes da movimentação fetal e da compressão rápida do cordão umbilical, também não associadas a contrações uterinas.
Modalidades de CTG O traçado cardiotocográfico pode ser utilizado como método de avaliação da vitalidade fetal no período intraparto, assim como no anteparto, com algumas modalidades na execução do teste que veremos a seguir.
CTG anteparto de repouso e estimulada A CTG basal ou anteparto de repouso é também conhecida internacionalmente como nonstress test. É indicada para manter o bem-estar do feto em gestações de alto risco e fazer o acompanhamento seguro desses casos; e também para identificar o comprometimento do produto conceptual, na vigência de evidências que apontem para uma possível ocorrência de sofrimento fetal, como diminuição de sua movimentação corpórea relatada pela gestante. A interpretação da CTG de repouso utiliza-se dos parâmetros da FCF já descritos, e a presença de AT e variabilidade adequada permite identificar o exame cardiotocográfico como normal e afastar sofrimento fetal. Da mesma maneira, a ausência desses parâmetros, principalmente se houver concomitância com desacelerações, aponta para uma CTG anormal e provável associação com comprometimento fetal. O American College of Obstetrics and Gynecology (ACOG) considera a CTG basal como reativa (exame normal) quando há pelo menos duas AT em um traçado de 20 minutos, e o feto é classificado como não reativo se essas AT não forem observadas em um período de 40 minutos. Na Clínica Obstétrica do HCFMUSP, a classificação da CTG baseia-se no índice cardiotocográfico de Zugaib e Behle modificado pelo consenso do NICH de 1997 (Tabela 19-2). TABELA 19-2 Índice Cardiotocométrico de Zugaib e Beh-le modificado Parâmetro
Normal
Pontuação
Linha de base
110-160 bpm
1
Variabilidade
10-25 bpm
1
Acelerações transitórias
1
2
Desacelerações
Nenhuma
1
O índice cardiotocométrico é o somatório desses valores atribuídos a cada parâmetro. O feto é classificado em ativo: índices 4 e 5 (normal); hipoativo: índices 2 e 3 (suspeito); e inativo: índices 0 a 1 (anormal). O exame é considerado normal se a classificação for de feto ativo. O diagnóstico de feto hipoativo ou inativo corresponde a resultado suspeito e anormal, respectivamente; e, nesses casos, é preconizada a realização do teste de estimulação sônica, que tem como objetivo diminuir a taxa de falsos positivos. Na Clínica Obstétrica do HCFMUSP, utiliza-se uma fonte sonora que tem por característica frequência de 500 a 1.000 Hz e pressão sonora de 110 a 120 dB, aplicada sobre a região do abdome materno correspondente ao polo cefálico durante 3 a 5 segundos. A CTG estimulada é uma complementação do traçado suspeito ou anormal e diferencia fetos hígidos com boa oxigenação e no estado de sono daqueles com parâmetros anormais devido a hipóxia ou acidemia. Esse recurso reduz o tempo de duração do exame, sem prejudicar a detecção de gestações com comprometimento da vitalidade. Após o estímulo, o feto é classificado de acordo com a resposta cardíaca em: • reativo: aumento da FCF em pelo menos 20 bpm e duração da resposta por, no mínimo, três minutos • hiporreativo: quando há resposta da FCF com amplitude menor que 20 bpm e/ou duração menor do que três minutos • não reativo: quando não há resposta cardioaceleratória fetal. Após o término da resposta ao estímulo sônico (quando há o retorno da linha de base por pelo menos 30 segundos), ainda podemos classificar o traçado quanto à presença ou não de AT em resposta monofásica, quando não há AT; e resposta bifásica, quando há AT. O exame é normal se o traçado evidenciar feto reativo ou hiporreativo bifásico. Os fetos não reativos ou com resposta monofásica têm a CTG considerada anormal e não pontuam no escore do PBF. Existem várias possíveis causas para a ocorrência de um exame anormal: desde inadequação do estímulo sonoro por aplicação incorreta no polo pélvico ou obesidade materna; poli-hidrâmnio; imaturidade neurológica fetal pela prematuridade; uso de medicações sedativas ou betaboqueadores pela gestante; e por fim a hipóxia, que deve ser sempre pesquisada objetivando-se evitar o comprometimento
fetal. Na prática clínica diária, normalmente os traçados de feto ativo e os francamente anormais são identificados sem muitas dificuldades. Já as CTG suspeitas, situadas entre os dois extremos, devem ser interpretadas com muita parcimônia. Alguns casos merecem traçados longos, realização de exames cardiotocográficos subsequentes e outros métodos complementares de avaliação da vitalidade fetal. Já outros exigem intervenção obstétrica imediata para a prevenção de sequelas e óbito neonatal. O conhecimento dos conceitos teóricos e a experiência do examinador fazem a diferença no diagnóstico correto do traçado e, consequentemente, na conduta obstétrica mais adequada para cada caso. Na Clínica Obstétrica do HCFMUSP, o roteiro propedêutico para o acompanhamento de gestações de baixo risco é a realização de CTG somente no pós-datismo ou na vigência de algum sintoma que indique comprometimento da vitalidade, como a diminuição da movimentação corpórea fetal. Nos casos de alto risco, cada doença materna é seguida com protocolos específicos tanto para pacientes internadas quanto para as que se tratam em regime ambulatorial. A periodicidade de realização dos exames depende essencialmente do quadro clínico materno subjacente, e a indicação de parto baseada na CTG ocorre somente quando o exame é claramente anormal, ou o sofrimento fetal é corroborado por outros métodos de avaliação, principalmente em gestações com menos de 37 semanas.
Cardiotocografia Computadorizada Em 1985, Dawes e colaboradores criaram um sistema computadorizado de análise da FCF padronizado somente para o período anteparto, para compensar as limitações da avaliação visual da CTG. Dessa maneira, as inconsistências originadas da interpretação do traçado observador-dependente são eliminadas e as altas taxas de falsos positivos do teste poderiam ser reduzidas. Os seguintes parâmetros são analisados: FCF basal, desacelerações e acelerações, perda de sinal, variação de curto prazo (short-term variation – STV), episódios de alta e baixa variação, contrações uterinas e movimentação fetal registrada pela gestante. A duração máxima para a realização do exame é de 60 minutos e, após os primeiros 10 minutos, o programa realiza a interpretação inicial do registro, que é revista a cada dois minutos, até que os critérios de normalidade estabelecidos sejam atingidos. A variação de curto prazo é independente da FCF basal, e, quando está anormal, é o parâmetro mais associado à acidemia ao nascimento e a resultados perinatais adversos. O exame é considerado normal quando todos os parâmetros analisados são classificados como normais. Essa modalidade de CTG ainda não é amplamente utilizada na prática diária obstétrica, principalmente porque exige um período longo para sua realização, assim como a disponibilidade de equipamento específico.
Cardiotocografia intraparto A CTG intraparto tem importância única na avaliação do bem-estar fetal durante o trabalho de parto, e objetiva principalmente identificar fetos que apresentem sofrimento fetal em tempo para que sejam aplicadas medidas corretivas e de prevenção da morbidade neonatal e o óbito fetal. A literatura internacional não demonstra melhores resultados perinatais da monitoração contínua comparada à ausculta intermitente da FCF.[9] Porém, em gestações consideradas de alto risco para sofrimento fetal, a utilização da CTG intraparto é recomendada, apesar de sua associação com maior número de cesáreas e parto vaginal instrumental. [10]. Não há benefícios estabelecidos da monitoração contínua da FCF nas gestações de baixo risco,[11] mas os traçados cardiotocográficos são utilizados na prática diária em grande escala, já que servem de apoio para o obstetra na assistência ao trabalho de parto, assim como representam documentação em processos ético-disciplinares.[12] A CTG intraparto pode ser classificada como normal, suspeita ou anormal, de acordo com os mesmos parâmetros cardiotocográficos já abordados e propostos pelo NICH de 1997.[2]. A CTG intraparto classificada como normal apresenta linha de base entre 110 e 160 bpm, ausência de desacelerações, presença de AT e variabilidade normal. Todos esses critérios presentes afastam a acidemia fetal no momento de realização do exame. Porém, a não detecção desses parâmetros, principalmente se houver desacelerações concomitantes, demanda que o tocoginecologista procure identificar possíveis causas e instituir medidas corretivas (p. ex., mudança de decúbito materno, diminuição ou descontinuação de ocitocina se houver hiperestimulação uterina, entre outras) com o objetivo de melhorar a oxigenação fetal. Episódios transitórios de hipoxemia durante a contração do útero ou compressão de cordão umbilical são normalmente bem tolerados pelo feto. No entanto, desacelerações recorrentes podem ser evidências de sofrimento fetal; portanto, se, apesar das medidas corretivas, os parâmetros anormais persistirem, recomenda-se que o parto seja realizado pela via obstétrica mais rápida. Um traçado cardiotocográfico no período intraparto avaliado como anormal não tem critérios específicos, mas os eventos usualmente presentes são: diminuição ou ausência da variabilidade; anormalidades na linha de base (bradicardia ou taquicardia); desacelerações tardias, especialmente se forem recorrentes; e desacelerações variáveis de mau prognóstico.
Perfil biofísico fetal (PBF) O PBF foi idealizado por Manning e colaboradores no início da década de 1980, com a intenção de desenvolver um escore capaz de predizer a instalação de sofrimento fetal. O método é simples, tem boa reprodutibilidade e ganhou notoriedade na vigilância maternofetal. Já é estabelecida a eficácia desse exame em predizer resultados perinatais, com valor preditivo negativo de 99,9%, porém com taxa de falso positivo de até 50%. Esse método propedêutico é constituído de: • Marcadores agudos – Quando anormais, associam-se à hipóxia aguda fetal. São eles: CTG, movimentos respiratórios ou torácicos fetais (MRF), movimentos corpóreos fetais (MCF) e tônus fetal. A inclusão de outros parâmetros de atividades biofísicas fetais diminuiu as altas taxas de falsa positividade das avaliações realizadas exclusivamente com a CTG, o que melhorou o valor preditivo de sofrimento fetal, principalmente se a classificação do escore for menor ou igual a 4. • Marcador crônico – Representado pelo índice de líquido amniótico (ILA). A regulação do líquido amniótico é complexa, mas a partir do segundo trimestre o ILA está associado à produção de urina fetal, e portanto, depende da perfusão renal. A hipoxemia fetal está associada à redistribuição do fluxo sanguíneo, que acarreta oligúria e, consequentemente, oligoâmnio.
Descrição e interpretação dos parâmetros do PBF A cada parâmetro do PBF é atribuída uma pontuação: dois pontos para resultados normais e zero para os anormais. Assim, o índice do PBF varia de 0 a 10. No HCFMUSP, a CTG é considerada normal e ganha dois pontos no PBF quando apresenta padrão ativo, reativo ao estímulo sonoro ou hipoativo com resposta bifásica, como descrito anteriormente. As variáveis ultrassonográficas biofísicas agudas são observadas por um período de até 30 a 40 minutos para evitar análises equivocadas devido ao período de sono fetal. Os MRF são facilmente identificados no corte sagital pela retração dos arcos costais e rebaixamento do diafragma. Considera-se normal um episódio com duração de 30 segundos. A presença de um movimento corpóreo rápido ou de três ou mais movimentos corpóreos lentos é classificada como normal no PBF. O tônus sempre está normal diante de MCF satisfatória e pode ser também identificado pela atitude fetal de flexão. É o primeiro parâmetro biofísico a aparecer na vida fetal e o último a ficar ausente em situações hipoxêmicas. O volume de líquido amniótico é considerado anormal na vigência de oligoâmnio (i. e., quando o ILA for menor do que 5 cm segundo a técnica dos quatro quadrantes ou quando a medida do maior bolsão de líquido amniótico for inferior a 2 cm). Apesar de ser achado ultrassonográfico frequente nas gestações com insuficiência placentária, a correlação entre oligoâmio e acidemia fetal não está estabelecida. A interpretação clínica dos resultados e a conduta obstétrica preconizada estão resumidas na Tabela 19-3. TABELA 19-3 Interpretação e Conduta de acordo com o Resultado do PBF Índice do PBF
Interpretação
Conduta
8 ou 10 com ILA normal
Baixo risco para asfixia crônica e aguda
Conservadora
8 com ILA < ou = 5
Baixo risco para asfixia aguda
Resolução de acordo
Provável asfixia crônica com a IG e maturidade 6 com ILA normal 6 com ILA < ou = a 5
Possível asfixia aguda
Repetir o exame em 6h
Baixo risco para asfixia crônica
Resolução se < 6
Provável asfixia crônica
Interrupção quando feto for maduro
Possível asfixia aguda
Se não, avaliar Doppler. Conduta individualizada
4/2/0
Provável asfixia aguda
Interrupção na viabilidade fetal
Provável asfixia crônica se ILA < ou = a 5
A indicação do parto quando o escore do PBF encontra-se abaixo de 6 é embasada pela associação consistente desse cenário com acidemia ao nascimento. Vintzileos e colaboradores, em 1991, analisam 62 pacientes e defendem que a média do pH é de 7,10 quando há perda de tônus fetal, o que confere a este parâmetro uma capacidade significativa de predição de acidemia. Do mesmo modo, Baschat e colaboradores, em 2004, concluem que a CTG anormal, associada à ausência de MRF e redução da movimentação corpórea fetal, são alterações tipicamente observadas quando o pH fetal está entre 7,10 e 7,20; já se houver abolição dos movimentos fetais e perda do tônus, o pH vigente mostra-se normalmente abaixo desses valores. Em um estudo realizado com 842 gestantes de alto risco que realizaram PBF até sete dias antes do parto no Setor de Vitalidade do HCFMUSP, os resultados encontrados confirmam as conclusões citadas anteriormente. Observou-se correlação com escore do PBF menor do que 4 e acidemia ao nascimento, e nesses casos há também maior incidência de Apgar do quinto minuto inferior a 7, internação do recém-nascido na unidade de terapia intensiva e óbito neonatal. A indicação do parto deve sempre ser parcimoniosa, principalmente na prematuridade. A decisão de resolver a gestação deve considerar sempre o quadro clínico materno, a idade gestacional, a realização de exames complementares, como a Dopplervelocimetria, e a viabilidade determinada pelo berçário anexo à maternidade do serviço em que o parto será realizado.
Dopplervelocimetria A Dopplervelocimetria é utilizada para avaliação hemodinâmica das gestações de alto risco para diagnóstico de insuficiência placentária e suas consequências ao produto conceptual, notadamente a restrição de crescimento e o sofrimento fetal. Alguns cuidados devem ser adotados para a avaliação correta do mapeamento do fluxo sanguíneo de cada vaso estudado. Deve ser verificada a ausência de movimentação corpórea e respiratória fetal; a FCF deve estar dentro da normalidade (entre 110 e 160 bpm); e o filtro de janela deve ser fixado no valor de 50 Hz, que proporciona adequada redução de ruídos causados por movimentos teciduais sem ocasionar perda da informação do sonograma analisado. A interpretação dos sonogramas obtidos pode ser feita de maneira qualitativa (aspecto da onda) ou quantitativa por meio de índices. Os mais utilizados são: relação sístole/diástole (S/D); índice de pulsatilidade (IP: relação do resultado da diferença entre a velocidade sistólica máxima e a diastólica mínima pela velocidade média); índice de pulsatilidade para veias (IPV: relação da diferença entre a velocidade de pico sistólico e a velocidade mínima na contração atrial com a velocidade média) e o índice de resistência (IR: diferença entre a velocidade sistólica máxima e a diastólica mínima com a velocidade sistólica máxima). Cada vaso de interesse apresenta uma curva de normalidade para cada índice, correspondente à respectiva idade gestacional.
Dopplervelocimetria nas artérias umbilicais, artérias uterinas e diagnóstico de insuficiência placentária Se houver placentação inadequada, até disfunções placentárias leves podem restringir a transferência de aporte de nutrientes e de oxigênio para o feto, o que ocasiona diferentes graus de insuficiência placentária e também restrição de crescimento fetal. Esse cenário ocorre na presença de hipertensão arterial em todas as suas formas, diabetes melito tipos I e II, trombofilias, colagenoses e cardiopatias, principalmente as cianóticas, dentre outras. A função placentária deve ser investigada por meio da circulação placentária (representada pelas artérias uterinas) e da circulação fetoplacentária (representada pela artéria umbilical) nas gestações que podem cursar com déficit de função da placenta. Os resultados anormais na Dopplervelocimetria das artérias uterinas ocorrem como consequência da invasão trofoblástica inadequada (Fig. 19-4). O sonograma anormal revela índices Dopplervelocimétricos elevados após 24 a 26 semanas de gestação. Esses achados nas gestantes de alto risco relacionam-se ao aumento da incidência de casos de restrição do crescimento fetal e de pré-eclâmpsia, e, portanto, têm um significado quanto ao prognóstico da gravidez.
FIGURA 19-4 Sonograma anormal de artéria uterina. A análise do fluxo da artéria umbilical insonada próximo à inserção da placenta revela o perfil da circulação fetoplacentária (Fig. 19-5). Então, à medida que as vilosidades placentárias ficam comprometidas, a resistência do fluxo de sangue nesse vaso aumenta progressivamente, refletindo a alteração estrutural da placenta.
FIGURA 19-5 Sonograma normal de artéria umbilical. Os índices que implicam aumento da resistência vascular, como o IP, começam a elevar-se quando há acometimento de 30% da árvore vilositária. A progressão para fluxo ausente (diástole zero: DZ) ou reverso (diástole reversa: DR) acontece quando pelo menos 70% da área placentária estiver prejudicada (Fig. 19-6). O encontro de DZ e DR denuncia a falência
placentária grave, em que a quase totalidade dos vasos da circulação fetoplacentária está obstruída, e esses achados estão relacionados com elevada incidência de acidemia fetal e morbidade neonatal. Diante desse diagnóstico, é preconizada vigilância fetal rigorosa para a detecção precoce de sofrimento fetal descompensado, e, então, instituir a conduta obstétrica apropriada.
FIGURA 19-6 Sonograma de artéria umbilical com diástole zero (esquerda) e diástole reversa (direita).
Dopplervelocimetria da circulação fetal: estudo da resposta fetal à hipoxemia O exame Dopplervelocimétrico permite também o acesso à resposta fetal diante da hipóxia crônica característica comprometimento da função placentária. No território arterial ocorre a redistribuição do fluxo sanguíneo que prioriza glândulas adrenais, o miocárdio e o cérebro (em detrimento de áreas menos nobres, como rins e membros), chamado centralização fetal. Na prática obstétrica, a centralização fetal se traduz como aumento do fluxo diastólico e diminuição resistência na circulação dos vasos cerebrais.
no as de da
Por apresentar melhor reprodutibilidade, o vaso analisado para diagnóstico da vasodilatação nesses territórios é a artéria cerebral média (ACM) (Fig. 19-7). Valores abaixo do percentil 5 da curva de normalidade para a idade gestacional são classificados como anormais. No entanto, a presença de centralização fetal deve ser avaliada em conjunto com os outros parâmetros Dopplervelocimétricos, e a presença isolada de valor anormal da ACM não é indício de sofrimento fetal e não deve ser considerada na decisão de resolução da gestação.
FIGURA 19-7 Sonograma de artéria cerebral média demonstrando processo de centralização da circulação fetal. A alteração dos exames de Dopplervelocimetria diante de insuficiência placentária obedece a uma sequência fisiopatológica. Primeiramente, surgem as alterações do fluxo da artéria umbilical e ACM; e, com a progressão do quadro hipoxêmico e a manutenção da vasoconstrição periférica, ocorre o aumento da pressão nas câmaras cardíacas, seguido de alterações no território venoso fetal. O ducto venoso (DV) é um shunt que comunica a veia umbilical à veia cava inferior e é o vaso eleito pela maioria dos estudos para representar o território venoso. O estudo Dopplervelocimétrico desse vaso demonstra a resposta cardiovascular fetal ante a deterioração do quadro hipoxêmico na insuficiência placentária (Fig. 19-8). Além da idade gestacional e do peso ao nascimento, o ducto venoso emerge como principal parâmetro hemodinâmico preditor da morbidade e mortalidade neonatais, especialmente na prematuridade extrema.
FIGURA 19-8 Sonograma de ducto venoso anormal com diminuição da velocidade de fluxo sanguíneo durante a
contração atrial. O aumento da resistência vascular pela vasoconstrição periférica na hipoxia aumenta a pressão cardíaca no ventrículo direito e acarreta um fluxo retrógrado na veia cava inferior durante a contração atrial, o que promove a redução do fluxo no ducto venoso. O estudo Dopplervelocimétrico desse vaso demonstra, nessa situação, o aumento dos valores do índice de pulsatilidade e, com a evolução do quadro, a onda “a” (referente à sístole atrial) torna-se ausente ou reversa. O fluxo nas veias durante a contração atrial varia consideravelmente dependendo do vaso insonado, e fluxo ausente ou reverso pode ser fisiológico na veia cava inferior, mas é sempre anormal quando relacionado ao DV. Em 2006, Francisco e colaboradores construíram a curva de probabilidade de ocorrência de acidose fetal segundo o IPV do DV. Esse estudo demonstrou que quanto maior o IPV, menor é o pH ao nascimento, permitindo a correlação direta da Dopplervelocimetria do DV com resultados neonatais adversos (Fig. 19-9).
FIGURA 19-9 Probabilidade de acidose no nascimento de acordo com os valores do índice de pulsatilidade para veias do ducto venoso A curva citada demonstra uma probabilidade de acidemia fetal de 50% a 75% quando o valor do IPV encontra-se entre 1,0 e 1,5 e tem sido utilizada na Clínica Obstétrica do HCFMUSP como ferramenta importante na decisão do melhor momento do parto. Com base nesses resultados, a conduta ativa em relação ao parto terapêutico é indicada quando o IPV está entre 1,0 e 1,5; o que garante a possibilidade de realizar a corticoterapia visando à maturação pulmonar (12 mg de betametasona em intervalos de 24 horas por dois dias consecutivos), quando a idade gestacional é inferior a 34 semanas. Esse tratamento é realizado desde que não haja contraindicação do quadro clínico materno e o PBF não demonstre sofrimento fetal agudo, e com vigilância fetal rigorosa até o parto. O IPV maior que 1,5 indica a necessidade de resolução imediata da gestação, devido a alta probabilidade de acidose.
Aplicabilidade clínica dos métodos de vitalidade fetal Para proporcionar a vigilância maternofetal eficiente na assistência do pré-natal de alto risco, todos os parâmetros envolvidos na gestação precisam ser considerados: a evolução do quadro clínico materno em relação à doença subjacente, a escolha dos métodos de vitalidade fetal mais apropriados para a doença materna em questão, o início e a periodicidade das avaliações, a idade gestacional e a maturidade fetal, os indicadores da interrupção da gestação e o suporte neonatal de cada serviço. Cada doença materna tem um fluxograma com intervalos específicos de realização dos exames de vitalidade fetal. Na Clínica Obstétrica do HCFMUSP, a primeira avaliação Dopplervelocimétrica nas gestantes de alto risco das artérias uterinas e umbilicais é realizada entre 20 e 26 semanas, e depois em intervalos diferentes para cada doença subjacente até, normalmente, 34 semanas. Algumas situações patológicas, como as trombofilias e a restrição de crescimento fetal, exigem o estudo Dopplervelocimétrico semanal da artéria umbilical até o parto. Na presença do diagnóstico de aumento da resistência na artéria umbilical, a paciente é reavaliada em até 72 horas. Se houver centralização fetal, diástole zero antes de 34 semanas ou quadro clínico materno instável, a gestante é sempre internada e avaliada a cada 24 horas. O DV ganha importância principalmente nos casos de insuficiência placentária grave abaixo de 34 semanas, e, acima dessa idade gestacional, o PBF e seus parâmetros agudos são fundamentais para a decisão sobre o melhor momento da resolução da gestação. Algumas das principais indicações para o parto são: • Imediata (sem a realização de corticoterapia para a maturação pulmonar): diástole reversa na viabilidade fetal; diástole zero acima de 34 semanas; IPV do DV acima de 1,5; oligoâmnio grave (ILA < 3,0); PBF < 6; PBF = 6 em duas análises consecutivas com intervalo de 6 horas; desacelerações recorrentes na CTG; deterioração do quadro clínico materno. • Mediata (após o uso de corticoterapia para a maturação pulmonar): presença de IPV do DV entre 1,0 e 1,5; ILA entre 3,0 e 5,0. Conclui-se, portanto, que todos os métodos de avaliação da vitalidade fetal têm sua aplicabilidade bem definida no seguimento de gestação de alto risco e que, especialmente na insuficiência placentária associada a prematuridade extrema, todo o arsenal propedêutico da avaliação do bem-estar fetal deve ser utilizado para garantir os melhores resultados perinatais e a longo prazo.
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Capítulo 20
Anormalidades do Líquido Amniótico Lilian Cristina Caldeira Thomé
INTRODUÇÃO A dinâmica do líquido amniótico (LA) tem fundamental importância no crescimento, desenvolvimento e bem-estar fetal. Cerca 300 a 500 mL de LA são trocados entre a mãe e o feto a cada hora. Esse é um processo ativo, e depende da higidez fetal, da saúde materna e da integridade da placenta e seus anexos. A adequada avaliação ultrassonográfica do volume de líquido amniótico torna possível estimar, com relativa precisão, ao longo da gravidez, sua quantidade e variação, permitindo, assim, o diagnóstico de sua diminuição (oligoâmnio) e do seu aumento (polidrâmnio). Entre a 10ª e a 14ª semana existe um aumento semanal de 20 mL em média, que aumenta para 50 mL semanais até a 25ª semana. Na 34ª semana, atinge seu valor máximo. Assim, o volume considerado normal para o LA varia de acordo com a idade gestacional, em torno de 250 mL na 16ª semana, 800 mL na 28ª semana, atingindo 1.000 mL na 34ª semana. Após a 36ª semana, o volume amniótico declina progressivamente, chegando a 800 mL na 40ª semana de gestação. Esses são valores médios e a faixa de normalidade têm grande margem de variação. Além de sua relação com a idade gestacional, o volume do líquido também se relaciona com o peso fetal e placentário. As gestações com fetos pequenos para a idade gestacional (PIG) tendem a apresentar redução do líquido amniótico, enquanto os grandes para a idade gestacional (GIG) tendem a apresentar volumes aumentados.
COMPOSIÇÃO DO LÍQUIDO AMNIÓTICO Os principais solutos no LA são: sódio, potássio, cloro, ureia, bicarbonato e lactato. Cálcio, magnésio, zinco, ferro e fósforo estão presentes em quantidades variáveis. O pH se mantém entre 6,9 e 7,25. A concentração normal de glicose varia de 10 a 60 mg e se altera diante das infecções. Ainda estão presentes diversos hormônios, como estradiol, estrona, estriol, 17-OHcorticosteroides e 17-cetosteroide. A variação dos valores dos diversos componentes do LA se associa ao diagnóstico de patologias fetais, assim como do seu bem-estar. Cita-se como exemplo a dosagem de pregnanetriol e 17-cetosteroides na síndrome adrenogenital.
OLIGOÂMNIO A redução do volume do LA, incidente em 3,9 a 5,5% das gestações, pode ser sugerida durante a avaliação clínica (palpação mais evidente das partes fetais e diminuição da altura uterina). Tal suspeita deve ser confirmada pela aferição ultrassonográfica do volume da câmara âmnica. Não raro, o diagnóstico é realizado durante o estudo ultrassonográfico de rotina ou do perfil biofísico fetal.
Diagnóstico O diagnóstico ultrassonográfico se dá por meio da análise subjetiva ou semiquantitativa dos vários bolsões de líquido amniótico. A avaliação subjetiva depende da experiência do observador e diagnostica oligoâmnio quando as coleções do líquido, principalmente no nível da região cervical e dos membros fetais, estão diminuídas ou ausentes. As técnicas semiquantitativas são aquelas que estimam o volume por meio da mensuração da profundidade e/ou largura das coleções de fluido. Quando a medida do maior bolsão vertical encontrado é menor que 2 cm pela definição de Chamberlain e colaboradores, considera-se oligoâmnio. Valores entre 3 e 8 cm são considerados normais. Quando o resultado do índice de líquido amniótico (ILA), que consiste na soma das medidas dos maiores bolsões verticais, livres de cordão e partes fetais, nos quatro quadrantes, é igual ou inferior a 5 cm, consideramos o diagnóstico de oligoâmnio. Entre a 21ª e a 41ª semana, avaliamos como normais valores entre 8,0 e 18 cm (Phelan e colaboradores) (Fig. 201).
FIGURA 20-1 Índice do líquido amniótico pela técnica dos quatro bolsões.
Fisiopatologia Para avaliarmos as consequências e o prognóstico das suas alterações, enfocaremos as principais vias de produção e reabsorção do LA. A regulação e o equilíbrio do volume do LA é um processo dinâmico que demonstra o balanço entre a produção e a reabsorção, envolvendo vários mecanismos interdependentes entre o concepto, a placenta, as membranas e o organismo materno. As principais vias de produção são a transudação pela pele fetal, pela superfície placentária e pelo cordão umbilical; o fluido traqueal; a urina fetal; a saliva e o suor fetal. E a principal via de eliminação do LA é a deglutição fetal. As principais funções do LA são: dissipar as forças uterinas aplicadas sobre o feto e protegê-lo contra traumas e compressão do cordão umbilical, minimizar o gasto de energia para os movimentos fetais essenciais, favorecendo o desenvolvimento dos sistemas locomotor e respiratório, dar suporte ao crescimento fetal e uterino, manter a termorregulação, as propriedades bacteriostáticas, o depósito de excretas fetais e melhorar a acuidade ultrassonográfica. Então, é fácil deduzir as complicações decorrentes do oligoâmnio.
Etiologia Em aproximadamente 30% dos casos não é possível determinar a etiologia do oligoâmnio. Duas hipóteses etiopatogênicas têm sido propostas nesses casos: aumento da prolactina decidual, que favorece a passagem de água do compartimento amniótico para o compartimento materno, ou diminuição do volume plasmático materno, sendo o oligoâmnio rotulado como idiopático. As principais causas de oligoâmnio são: • rotura prematura das membranas ovulares (RPMO), como consequência de traumas e infecções • doenças relacionadas à insuficiência placentária, como a restrição de crescimento fetal (RCF) e a doença hipertensiva específica da gestação (DHEG) • gravidez pós-termo e • presença de anomalias congênitas fetais, principalmente as que determinam baixo débito urinário fetal, como as várias malformações do sistema urinário fetal.
Conduta A conduta no oligoâmnio está condicionada a diversos fatores, como a idade gestacional, a etiologia do processo, condições fetais e maternas. Não existem condutas fechadas, pois a condução do oligoâmnio presente com 26 semanas de gestação e membranas íntegras é diferente de quando esse problema é diagnosticado na 36ª semana com membranas rotas. O diagnóstico e tratamento das patologias maternas que geram insuficiência placentária devem ser impositivos em qualquer idade gestacional. Assim, diante do diagnóstico de oligoâmnio, as perguntas que devem orientar a conduta são: • Qual a idade gestacional? O conhecimento da idade gestacional correta é determinante para a conduta, portanto recomenda-se que esta avaliação seja feita no primeiro trimestre, pois, a partir daí, o erro na datação vai sendo progressivamente maior. • As membranas estão integras ou não? Por vezes, temos dificuldade de estabelecer o diagnóstico da RPMO. Ferramentas além do exame clínico, como, por exemplo, cristalização do muco cervical e determinação do pH vaginal, podem ser medidas úteis. As técnicas ultrassonográficas de valoração do LA, quando realizadas por observadores experientes e de forma sequencial, têm sido o mais útil recurso, pela sua acessibilidade. • Qual a provável etiologia do processo? Doenças maternas surgem como provável etiologia, causando insuficiência placentária como a DHEG e infecções, muito comumente as do trato urinário, ou fetal, como as malformações e as infecções congênitas. • Qual ou quais são as malformações fetais? Devemos lembrar que a amnioinfusão pode melhorar o diagnóstico ultrassonográfico, e também que o oligoâmnio prolongado tem como complicações a hipoplasia pulmonar e deformidades de pressão, como a artrogripose e a síndrome da banda amniótica. • A conduta conservadora pode ser utilizada? Quando a conduta conservadora é adotada, uma possibilidade para aumentar o volume do LA consiste na hidratação materna. Em uma metanálise realizada por Hofmeyr e Gülmezoglu, foram avaliados dois estudos que utilizaram hidratação oral com 2 L de água e reavaliações do LA por ultrassonografia em intervalos de 2 a 5 horas. Os resultados revelaram que a hidratação oral incrementa o volume de LA em pacientes com oligoâmnio e também em pacientes com LA normal. O uso de profilaxia antibiótica na conduta conservadora em pacientes com RPMO pré-termo visa à diminuição dos riscos de infecção maternofetais e ao aumento do intervalo entre a amniorrexe e o parto, com base no fato de infecções, ocultas ou não, serem a principal causa de RPMO pré-termo e trabalho de parto prematuro subsequente. Na RPMO, é recomendada a profilaxia antibiótica para estreptococos do grupo B. • A malformação, quando existente, é passível de cirurgia intrauterina? Essa cirurgia é viável? Atualmente, poucas são as indicações, e os centros que realizam cirurgias intrauterinas, geralmente fazem a correção da estenose de válvula uretral posterior com a aplicação do cateter “rabo de porco” na bexiga fetal, para que a urina produzida seja transferida ao LA e não leve à hipoplasia renal e à aplicação do balão transesofágico na hérnia diafragmática. A aplicação do balão evita o avanço de alças intestinais ao tórax, que pode causar hipoplasia pulmonar. Essa cirurgia tem técnica e complicações de maior complexidade que a anterior. Se a cirurgia fetal não for possível, devemos programar a cirurgia neonatal para quando for compatível com a patologia.
• Quais as condições da vitalidade fetal? O perfil biofísico e a Dopplervelocimetria se complementam nessa avaliação. A ultrassonografia é fundamental no diagnóstico da anormalidade do LA, e a Dopplervelocimetria nos ajuda a conhecer o grau do comprometimento fetal. Na presença de sofrimento em fetos prematuros com mais de 1.000 g, a interrupção deve ser programada sempre após a corticoterapia. Não importa quanto tempo temos disponível para sua ação. Sempre é válida a sua indicação, pois, mesmo que não obtenhamos o estímulo adequado para a produção de surfactantes, contribuímos para a redução do risco de hemorragias cerebrais e enterocolite necrotisante no recém-nascido. • Qual a condição materna? As doenças maternas presentes permitem o prolongamento da gestação ou a mãe corre risco iminente. Quais as condições da assistência neonatal disponível? As condições da assistência neonatal e suas limitações devem ser conhecidas e o caso deve ser discutido com a equipe responsável por esses cuidados. O oligoâmnio causou deformidades ou hipoplasia pulmonar? Deve-se verificar se houve alguma ocorrência como, por exemplo, síndrome da banda amniótica ou hérnia diafragmática. • Qual a melhor via de parto? As indicações obstétricas habituais para a escolha da via de parto devem nortear a conduta. No parto por via baixa, a amnioinfusão com cerca de 250 mL de solução salina deve ser discutida, na intenção de minimizar o risco de broncoaspiração de mecônio e sofrimento fetal agudo por compressão de cordão. Com essas perguntas respondidas, sugerimos a utilização do fluxograma da Figura 20-2.
FIGURA 20-2 Fluxograma para oligoâmnio.
POLIDRÂMNIO É o aumento de volume do líquido amniótico estando associado a complicações perinatais.
POLIDRÂMNIO O polidrâmnio é diagnosticado quando o volume do LA é superior a 2.000 mL. Sua incidência é de 0,4% a 1,5% das gestações. Clinicamente, a altura de fundo de útero ultrapassa a esperada para determinada idade gestacional e o diagnóstico de polidrâmnio deverá ser confirmado com a ultrassonografia.
Diagnóstico O diagnóstico do polidrâmnio é suspeitado clinicamente pelo aumento da altura uterina em relação a idade gestacional, aumento do ganho ponderal materno, sobredistensão uterina, dificuldade de palpação das partes fetais e da ausculta dos batimentos cardíacos fetais. Sistematicamente, devem ser pesquisados diabetes melito e malformações fetais. De certeza, o diagnóstico é ultrassonográfico e será feito quando houver, subjetivamente, excessiva quantidade de líquido amniótico, especialmente na área das pequenas partes fetais, quando o maior bolsão de líquido, mensurado verticalmente, for igual ou superior a 8,0 cm ou quando o índice de líquido amniótico for superior a 24,0 cm, percentil 95%. Entre 18,0 e 24,0 cm, o líquido será considerado aumentado e servirá de alerta para a instalação do polidrâmnio.
Etiologia Mais frequentemente, associa-se a alterações fetais como malformações, infecções, hidropisia imune e não imune, tumores etc. Relaciona-se ainda a alterações placentárias (tumores, placenta circunvalada) e maternas, cujos mais importantes fatores são representados por diabetes e aloimunização Rh. Existem ainda causas idiopáticas.
Conduta A primeira conduta a ser pensada é o esvaziamento quando surgirem sinais de desconforto materno. O esvaziamento é feito pela amniocentese e através de agulha de punção lombar de 20 ou 22 gauge e inserção de cateter ligado a frasco a vácuo de forma lenta e gradual para evitar a descompressão brusca, que pode levar a riscos maternos e fetais (descolamento prematuro da placenta, choque materno, óbito fetal etc.). Orientamos a retirada de cerca de 200 mL/hora (ou cerca de 3 mL/minuto) até a melhora da sintomatologia respiratória materna ou até se atingir um total máximo de 500 a 1.000 mL. O polidrâmnio volta a se formar, e excepcionalmente nova punção pode ser realizada para manter a grávida assintomática. A dispneia materna causada pelo polidrâmnio, quando muito acentuada e acompanhada de sinais de insuficiência respiratória, deve levantar a hipótese de embolia por líquido amniótico. Habitualmente, a remoção lenta previne a descompressão aguda que poderá levar ao descolamento prematuro da placenta. A via de parto é escolhida de acordo com a indicação obstétrica. O prévio esvaziamento muitas vezes pode ocasionar hipossistolia, que deverá ser corrigida com o uso de ocitócicos. Como terapia alternativa tem-se utilizado a indometacina, um inibidor da síntese de prostaglandinas. O mecanismo de ação mais provável seria, prioritariamente, a redução do débito urinário do concepto associada, secundariamente, à remoção do líquido amniótico pela deglutição fetal e aumento de sua absorção através das membranas coriônicas. A indicação deve ficar restrita aos casos idiopáticos, com menos de 32 semanas de evolução. A dose utilizada é de 25 mg a cada seis horas. A principal complicação é o risco do fechamento precoce do ducto arterioso, especialmente após a 32ª semana de gravidez, que torna obrigatória a utilização da ecocardiografia fetal. O risco de constrição é de cerca de 5% nas gestações entre 26 e 27 semanas, aumentando para próximo de 50% na 32ª semana. Diante do diagnóstico de polidrâmnio, as seguintes perguntas devem ser formuladas: • Qual a provável etiologia do processo? – Infecções congênitas: parvovírus B19, sífilis, rubéola, citomegalovírus – Diabetes melito – Izoimunização Rh – Malformações fetais. • Quais as condições maternas? A causa suspeitada do polidrâmnio pode evoluir causando risco materno, como no diabetes gestacional. Ou pode ocorrer sobredistensão uterina, causando desconforto respiratório progressivo à mãe e podendo ocasionar hipoperfusão materna ou, ainda, amniorrexe abrupta. • A amniodrenagem está indicada? As intercorrências da amniodrenagem são conhecidas e não são indicadas na rotina. • Existe indicação para o bloqueio medicamentoso da diurese fetal? Existem outras complicações fetais relacionadas: insuficiência renal, oligoidrâmnio, perfuração ileal e enterite necrotizante. Deve-se ter bem claro o fato de que os riscos e os benefícios advindos do bloqueio medicamento precisam ser rigorosamente avaliados antes do início da terapia. • Quais as condições da vitalidade fetal? Não devemos esquecer que muitas causas de polidrâmnio, quando agravadas, comprometem o bem-estar fetal, como, por
exemplo, a evolução da anemia causada pela doença hemolítica neonatal. A transfusão intrauterina, tanto pela via peritoneal fetal quanto por cordocentese, pode conseguir alguns dias, que são decisivos para a maturidade fetal. Nem todos os serviços do Brasil estão familiarizados com essas técnicas, então se sugere encaminhar a gestante para serviços especializados no início do pré-natal. • Qual a melhor via de parto? As indicações obstétricas norteiam a escolha, e a equipe deve contabilizar, ainda, as condições disponíveis e o grau de sobredistensão causado pelo polidrâmnio. Com essas perguntas respondidas, sugerimos a utilização do fluxograma da Figura 20-3.
FIGURA 20-3 Fluxograma para polidrâmnio. Referências Bibliográficas
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Capítulo 21
Anomalias da Placenta, Cordão Umbilical e Membranas Francisco Herlânio Costa Carvalho, Manoel Martins Neto, Helvécio Neves Feitosa
INTRODUÇÃO O advento da ultrassonografia permitiu aos obstetras obterem informações não apenas sobre o embrião/feto, mas também sobre o ambiente intrauterino pela avaliação do líquido amniótico, das membranas, do cordão umbilical e da placenta. Essa avaliação deve ser parte integral de toda ultrassonografia obstétrica, por permitir a detecção de muitas anomalias que podem interferir com o desenvolvimento e prognóstico fetal. Este capítulo tem o objetivo de revisar as principais patologias placentárias, de cordão umbilical e de membranas e sua relação com os achados clínicos.
ANOMALIAS PLACENTÁRIAS
Anomalias morfológicas da placenta Placenta sucenturiada (Lobo acessório) Apresenta um ou mais lobos acessórios, de tamanho variável e mesma ecogenicidade de placenta, conectados ao corpo placentário principal por vasos sanguíneos. Por definição, não há parênquima placentário entre os lobos e a massa placentária principal. A incidência pode chegar a 3%. Esses vasos podem atuar como vasos prévios em caso de localizarem-se por cima do orifício interno do canal cervical. Os vasos são facilmente visualizados com o Color Doppler e devem ser pesquisados se houver qualquer anomalia morfológica placentária. Uma vez feito o diagnóstico, os lobos extras devem ser identificados após o parto para evitar sua retenção intrauterina. Os lobos sucenturiados são, em geral, pequenos. Entretanto, eles podem alcançar o tamanho do disco placentário principal, que será identificado por ter a inserção do cordão umbilical. Se os vasos do lobo acessório estabelecerem conexão com o cordão de forma direta, trata-se de placenta dupla ou bipartida. Diferentemente, na placenta bilobulada identifica-se sempre ponte de parênquima entre os lobos que, em geral, estão muito próximos. Aqui a inserção do cordão umbilical se projeta somente em um deles. Pode adotar diferentes formas, conforme predomine um ou outro lobo. É relativamente frequente, podendo ser identificada em 1 a cada 350 gestações.
Placenta extracorial Na placenta normal, a transição entre o córion frondoso (a própria placenta) e as membranas se dá na borda placentária, ou seja, a placa basal é de tamanho semelhante ao da placa corial. Na denominada placenta extracorial, a borda placentária encontra-se introduzida na decídua materna. Assim, a membrana corial começa a se desenvolver ainda na face fetal da placenta, a uma distância variável, ficando o bordo placentário internamente a esta. Ou seja, a placa corial é menor que a basal. São descritos dois tipos: Placenta circunvalada – Na transição do córion frondoso para as membranas, é produzido um pregueamento das membranas ao longo do contorno da placenta por uma porção de decídua. O diagnóstico ecográfico pré-natal é feito mediante a observação da prega próximo à borda placentária na superfície fetal ou pelo surgimento de múltiplas áreas hipoecogênicas submanióticas na periferia da placenta. A placenta circunvalada já foi relacionada a sangramento antenatal e puerperal, parto pré-termo e aumento da mortalidade perinatal. Placenta circumarginada – A transição do córion frondoso para as membranas se dá sem pregas ou saliências sobre a superfície fetal da placenta. A união é lisa. O diagnóstico ecográfico é mais difícil, e em geral passa despercebido. Muito frequentemente, é de grau leve e não apresenta repercussões clínicas.
Placenta membranácea ou difusa Embriologicamente, as vilosidades coriais que se desenvolvem no córion adjacente à decídua capsular, que posteriormente formará o córion liso, degeneram-se e atrofiam. Assim, só existem vilosidades no córion frondoso, que é o componente fetal da placenta. Quando ocorre falha nesse processo de atrofia, as vilosidades coriais permanecem na futura membrana corial. Dessa maneira, uma fina placenta se forma nessa membrana, a placenta membranácea. Pode ser total ou localizada. É uma condição incomum, com incidência de 1 em 3.000 nascidos vivos. Ecograficamente, é observado tecido placentário fino (de 1 a 2 cm de espessura) em toda a superfície do saco gestacional, com um disco placentário principal pouco desenvolvido. Clinicamente, pode funcionar como placenta prévia, causando hemorragias anteparto. Há aumento da incidência de parto pré-termo e acretismo, que, por sua vez, pode causar hemorragia puerperal.
Anomalias do tamanho placentário O volume placentário pode ser preditor de resultado perinatal; no entanto, não há um método acurado ou aceitável para sua avaliação. A espessura da placenta deve ser avaliada em todo ultrassom obstétrico. Não existe consenso sobre o melhor local para aferir a espessura placentária, embora a maioria dos autores oriente que a medida seja realizada perto da área central da placenta. Alguns medem na inserção do cordão, outros na área de maior espessura da placenta. A placenta cresce linearmente até o termo, apresentando uma correlação mais ou menos uniforme com a idade gestacional. O ritmo de crescimento parece diminuir a partir da 36ª semana. Medidas maiores que 4,5 a 5,0 cm, em qualquer período da gestação, significam espessura aumentada. A hiperplacentose ou placentomegalia é associada a várias entidades, incluindo diabetes melito, anemia materna, hidropisia fetal imune ou não imune, infecções fetais, gravidez molar e aneuploidia.
Displasia mesenquimatosa placentária Podem ser observadas dilatações aneurismáticas e varicosas dos vasos coriais com áreas de cistos gelatinosos que, histologicamente, correspondem a dilatações vilositárias (cisternas) de conteúdo mixomatoso com perda de tecido conjuntivo. O restante do tecido placentário é normal, sem proliferação trofoblástica. No primeiro e segundo trimestres, ecograficamente, são identificadas imagens similares às observadas em caso de mola parcial, ou seja, imagens de múltiplas formações císticas econegativas que não captam os sinais do Doppler colorido. Durante o terceiro trimestre, elas se convertem em grandes cistos anecogênicos, principalmente embaixo da placa corial, quando então são captados sinais de fluxo vascular ao Doppler. São, portanto, dilatações vasculares. A displasia mesenquimatosa placentária já foi denominada placentomegalia com transformação hidrópica vilositária com trofoblasto normal ou mola pseudoparcial com formação angiomatosa da árvore vilositária. Em alguns casos, foi relacionada à síndrome de BeckwithWiedemann.
Anomalias de implantação Placenta prévia A placenta prévia incide em 1 para cada 250 a 300 gestações. O diagnóstico de inserção baixa de placenta é definido pela relação da placenta com o orifício interno do canal cervical (OIC). Essa relação é difícil de ser estabelecida pela via transabdominal, sobretudo em placentas de implantação posterior. A bexiga repleta para ajudar na visualização pode aumentar falsamente o comprimento do canal cervical, deslocando o OIC superiormente. Contrações uterinas localizadas, miomas ístmicos, partes fetais ou coágulos sanguíneos também podem contribuir para a dificuldade de identificar a exata relação placenta–OIC. Por conseguinte, a via transvaginal é a de escolha para a avaliação quando não há contraindicação. Uma via alternativa seria a transperineal. De acordo com sua relação com o OIC, a placenta prévia classificada-se em: Placenta de inserção baixa – Ocorre quando a borda placentária encontra-se a menos de 20 mm do OIC. Esta distância deve ser informada no laudo de ultrassom. Placenta prévia marginal – Tem lugar quando a borda placentária encontra-se na margem do OIC, sem ocluí-lo. Placenta prévia parcial – Surge quando a borda placentária cobre uma parte do OIC, sem ocluí-lo por completo. Placenta prévia total – Ocorre quando a borda placentária cobre totalmente o OIC (Fig. 21-1). Pode ser assimétrica, se as superfícies placentárias que permanecem de um e do outro lado do OIC forem muito diferentes; ou simétrica, se as superfícies forem similares (também chamada de placenta prévia centrototal).
FIGURA 21-1 Placenta prévia centrototal. Ultrassonografia transvaginal mostrando placenta atingindo e recobrindo totalmente o orifício interno do canal cervical. De todas as placentas prévias, 20% são totais e 80%, parciais ou marginais. O risco de recorrência é aumentado em 10 vezes. O diagnóstico definitivo deve ser firmado (ou reavaliado) no terceiro trimestre, devido ao fenômeno de “migração placentária” (com o crescimento uterino e a formação e distensão do segmento inferior, a relação da placenta com o OIC pode modificar-se e a placenta pode deixar de ser prévia ou mudar sua classificação). A probabilidade de que a placenta prévia de primeiro ou segundo trimestre persista como tal aumenta se ela ultrapassar o OIC em mais de 15 mm.
Acretismo placentário O termo acretismo é utilizado para definir qualquer tipo de aderência anômala da placenta à parede uterina. Ocorre quando há ausência total ou parcial da decídua basal, com desenvolvimento anormal da camada fibroide (membrana ou camada de Nitabuch), de maneira que as vilosidades coriais entram em contato e se aderem ao miométrio adjacente. Pode afetar toda a superfície de implantação (total) ou apenas um ou mais cotilédones (parcial). Em geral, o acretismo está associado à implantação baixa da placenta. É mais frequente em pacientes multíparas e com cicatriz uterina prévia, principalmente cesárea. A morbimortalidade materna é decorrente da dificuldade ou impossibilidade
de desprendimento placentário no pós-parto, que pode acarretar perda sanguínea e necessidade de histerectomia. De acordo com a profundidade da invasão, podem ser classificadas em: Placenta acreta – As vilosidades coriônicas entram em contato com o miométrio, mas não chegam a invadi-lo. O diagnóstico ecográfico pode ser muito difícil, principalmente nas formas parciais. Placenta increta – As vilosidades coriônicas invadem o miométrio, mas não toda a sua espessura. Placenta percreta – As vilosidades coriônicas invadem toda a espessura do miométrio, chegando até a camada serosa, peritônio visceral uterino. Em alguns casos graves, podem chegar a invadir órgãos vizinhos, em especial a bexiga. O termo placenta acreta é utilizado de maneira genérica para fazer referência aos três tipos de acretismo. A placenta acreta é a mais comum (acreta, 78%; increta, 17%, percreta, 5%). Pode ser ecograficamente suspeita quando há ausência ou diminuição da zona hipoecogênica retroplacentária, quando não se visualiza o complexo venoso subplacentário. É mais facilmente identificada quando a placenta está inserida na parede uterina anterior. O quadro também é caracterizado por um número maior de espaços intervilosos, largos, com fluxo interno. Em casos de placenta percreta, pode-se identificar irregularidade da superfície externa, correspondente à serosa, que se torna ondulada e/ou mais ecogênica em continuidade com o tecido placentário. O Doppler colorido ajuda na identificação dos vasos placentários e a ressonância nuclear magnética pode contribuir para o diagnóstico e delimitar o grau de invasão.
Descolamento prematuro da placenta (hematoma retroplacentário) O descolamento prematuro da placenta (DPP), ou seja, a separação de uma placenta normalmente inserida, é definido pela separação ou desprendimento da decídua basal, que ocorre após 22 semanas de gestação e antes do terceiro estágio do parto. Complica aproximadamente 1% das gestações. O principal sinal ecográfico de DPP é a observação de um hematoma retroplacentário, de tamanho variável, que separa a placa basal placentária da parede uterina. O hematoma retroplacentário, por vezes, não é visualizado ao exame ecográfico, pois o aspecto dependerá do grau de organização do coágulo sanguíneo, ou quando o descolamento ocorre em região marginal da placenta com extravasamento sanguíneo pelo canal cervical sem provocar acúmulo retroplacentário. A acurácia do ultrassom para detectar DPP é de aproximadamente 50%. De modo geral, as hemorragias agudas mostram áreas hiperecoicas ou isoecoicas em relação ao trofoblasto. Se houver acúmulo líquido de sangue não coagulado, a imagem será hipo ou anecoica. Com o passar do tempo, a organização do coágulo proporciona uma imagem mais ou menos heterogênea, mas com tendência à hipoecogenicidade (resolução), em geral, após duas semanas do sangramento. Às vezes, observa-se apenas uma placenta mais espessa que o habitual. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com contração localizada e nódulo de mioma. A principal colaboração do ultrassom, ante uma suspeita de DPP, é descartar a inserção baixa de placenta.
Trombose intervilositária (lago venoso) Resulta de hemorragias (formação de coágulo) causadas por roturas dos capilares vilositários. Assim, o sangue coagulado tem origem materna e fetal. Ocorre, geralmente, no terceiro trimestre. É mostrada por achados anatomopatológicos em cerca de 36% a 40% das placentas de termo. A maior incidência se dá em casos de isoimunização Rh. Nos estágios iniciais da trombose, ecograficamente se observam áreas hipoecogênicas mais ou menos arredondadas no interior das quais é possível observar o movimento sanguíneo em tempo real. Ocorre processo de liquefação tissular e depósito de fibrina, com posterior conexão com a circulação intervilosa placentária. Às vezes, a baixa velocidade do fluxo sanguíneo dificulta a detecção pelo Doppler colorido. O tecido circundante costuma ser mais ecogênico devido ao acúmulo de fibrina. O sangue pode chegar a coagular, passando a mostrar uma lesão ecogênica capaz de mudar a aparência ao longo do tempo. Esse tipo de imagem já recebeu diversas nomenclaturas: trombose intervilositária ou subcorial, hematoma subcorial, lago venoso etc. Se essas lesões não se apresentam de maneira extensa, não parecem acarretar significado clínico. Quando são numerosas e de distintos tamanhos, podem sugerir diagnóstico diferencial com mola hidatiforme e displasia mesenquimatosa placentária. Caso se localizem sobre a placa basal, podem indicar acretismo placentário.
Calcificações placentárias A classificação historicamente mais conhecida foi desenvolvida por Grannum e colaboradores em 1979. Consiste em quatro graus (0 a 3) e baseia-se nas mudanças que ocorrem na placa coriônica, no tecido placentário e na lâmina basal. Os autores encontraram correlação entre o grau de calcificação e a maturidade pulmonar fetal. Todavia, outros autores não conseguiram os mesmos achados. A avaliação das calcificações placentárias não tem sido útil em predizer maturidade ou sofrimento fetal. Aproximadamente 20% das placentas de termo têm importantes calcificações (grau III de Grannum). É questionável se o aparecimento de calcificações em idades gestacionais mais precoces (grau III antes de 36 semanas) pode ajudar a identificar pacientes de risco para pré-eclâmpsia e fetos de risco para restrição do crescimento. Também já foi descrito em pacientes fumantes, com hipertensão arterial crônica, diabetes, lúpus eritematoso sistêmico e outras doenças vasculares. Queiroz e Costa, em estudo nacional, avaliaram 146 gestantes com amadurecimento placentário precoce (grau II de Grannum antes de 32 semanas ou grau III antes de 35 semanas) e concluíram que o prognóstico perinatal não dependeu do amadurecimento precoce da placenta, mas sim da presença de complicações clínico-obstétricas maternas. Assim, não há necessidade de realização de exames ultrassonográficos seriados com ou sem Dopplervelocimetria e antecipação do parto, pois a principal avaliação nesses casos se dá pelo perfil de crescimento fetal e pelo volume do líquido amniótico.
TUMORES PLACENTÁRIOS
Doença trofoblástica gestacional Mola hidatiforme (completa ou parcial) A aparência ecográfica da mola completa varia conforme a idade gestacional em que é visualizada. Classicamente, após o primeiro trimestre é descrita como uma cavidade uterina aumentada de tamanho por uma massa refringente e difusa (em cristal esmerilado), com múltiplas imagens císticas anecoicas, de diversos tamanhos, em favo de mel, tempestade ou flocos de neve, na qual nenhuma estrutura fetal/embrionária é identificada (Fig. 21-2). Podem aparecer zonas mais heterogêneas devido à presença de hemorragias. Na gestação precoce, as observações não são tão evidentes. O diagnóstico inicial é de suspeita de ausência de embrião e de presença de cavidade uterina ocupada por material moderadamente ecogênico e com áreas mais hipoecogênicas (muito similar aos achados em casos de aborto incompleto). Cistos tecaluteínicos são frequentemente observados (> 50%).
FIGURA 21-2 Neoplasia trofoblástica gestacional. Observe o aumento da espessura placentária com imagens anecoicas arredondadas de variados tamanhos. A mola parcial é detectada, ecograficamente, pela presença de uma placenta grande em relação à cavidade uterina, com diversas áreas hipoecogênicas sobre um parênquima mais refringente focalizadas em uma mesma zona. O restante da placenta é normal. Coexiste um embrião/feto morto ou vivo, que pode apresentar restrição do crescimento precoce ou algum tipo de malformação, geralmente relacionado ao caráter triploide (Fig. 21-3).
FIGURA 21-3 Mola parcial. Presença de imagem típica de neoplasia trofoblástica gestacional à direita. Observar feto à esquerda e massa placentária ecograficamente normal inserida na parede uterina posterior. O risco de recorrência de uma gestação molar é de 1% após o primeiro episódio e de 20% após o segundo.
Mola invasora Consiste em uma invasão local do miométrio pelo tecido trofoblástico molar, podendo chegar até a serosa ou perfurar a parede uterina. Essa invasão aparece como zonas ou focos ecogênicos situados na espessura do miométrio, que se encontram envoltos em uma hipoecogenicidade irregular que corresponde às áreas de hemorragia. Podem ser detectados fluxos de baixa resistência pelo Doppler.
Coriocarcinoma Geralmente, desenvolve-se a partir de uma mola completa, embora possa aparecer após gestação normal, aborto ou gestação ectópica. Pode metastizar para fígado, pulmão, trato gastrointestinal, cérebro, ovários, vagina e outros órgãos.
Tumor trofoblástico de leito placentário É a forma menos frequente de doença trofoblástica gestacional. É uma variante particular de tumor trofoblástico maligno composto por células trofoblásticas intermédias (entre o cito e o sinciciotrofoblasto), com baixa produção de gonadotrofina coriônica humana, o que o diferencia do coriocarcinoma. Também apresenta invasão do miométrio. Geralmente, está confinado ao útero, mas apresenta metástase em 10% dos casos. A imagem ecográfica é indistinguível da imagem de uma mola invasora ou do coriocarcinoma.
Tumores não trofoblásticos Corioangioma (hemangioma placentário) É o tumor placentário não trofoblástico mais frequente. Pequenos hemangiomas placentários são detectados em até 1% das placentas de termo. Com certa frequência, se desenvolve próximo à placa corial. Ecograficamente, apresenta-se como uma massa mais ou menos sólida, de ecogenicidade variável, que costuma surgir sobre a face fetal da placenta, quase sempre perto da inserção do cordão umbilical (Fig. 21-4). O Doppler colorido demonstra o caráter vascular da lesão e ajuda a diferenciá-la de outras massas placentárias (Fig. 21-5).
FIGURA 21-4 Tumor placentário não trofoblástico. Corioangioma. Visualiza-se massa sólida com projeção para a superfície fetal.
FIGURA 21-5 Corioangioma. Tumor placentário sólido bem vascularizado ao Color Doppler. Pode estar associado a poli-hidrâmnio (em um terço dos casos), hidropisia fetal, crescimento intrauterino restrito, parto prematuro e morte fetal, sobretudo quando é de grande tamanho.
Teratoma placentário Apresenta-se como uma massa heterogênea predominantemente sólida, com imagens císticas econegativas e, em muitos casos, com zonas hiperecogênicas que correspondem a calcificações. O diagnóstico pré-natal é muito pouco frequente.
Metástase placentária A associação com algum câncer ocorre em aproximadamente 1.000 gestações, mas a metástase de uma neoplasia maligna (materna ou fetal) para a placenta é extremamente rara. Os tumores fetais mais comumente envolvidos são o neuroblastoma e o
melanoma. O tumor materno que metastiza com mais frequência é o melanoma, seguido de leucemia–linfoma, câncer pulmonar, câncer mamário, sarcoma, tumores ginecológicos e gástricos. O diagnóstico é quase exclusivamente anatomopatológico. Não há registro de diagnóstico pré-natal.
ANOMALIAS DO CORDÃO UMBILICAL O comprimento médio do cordão no termo é 60 cm. Um cordão curto é definido como menor que 35 cm no termo. A avaliação do comprimento do cordão não é rotineiramente realizada. Acredita-se que o espiralamento dos vasos do cordão oferece proteção contra tensões, compressões e enovelamento. Na 20ª semana, mais de 30% dos cordões não apresentam o aspecto espiralado dos seus vasos. No termo, esse número cai a menos de 5%. Gestações com cordão umbilical não espiralado são associadas a aumento da mortalidade e morbidade perinatal, incluindo restrição do crescimento fetal, oligoidrâmnio, anomalias fetais, parto pré-termo e morte fetal.
Artéria Umbilical Única Os vasos do cordão umbilical normal podem ser facilmente identificados em corte transversal (Fig. 21-6) ou pela identificação das duas artérias laterais à bexiga fetal pelo Doppler colorido. A ocorrência de vasos umbilicais múltiplos é um achado de extrema raridade.
FIGURA 21-6 Artéria umbilical única. Corte transversal do cordão umbilical, onde se observa apenas uma artéria e uma veia. A artéria umbilical única é um dos achados mais comuns em ultrassom obstétrico, com incidência de aproximadamente 1% de todas as gestações. A patogenia da artéria umbilical única pode advir de agenesia primária, atresia secundária ou atrofia do vaso previamente normal, ou, ainda, da persistência da artéria alantoidiana única do pedículo de fixação. A insonação com Color Doppler na região pélvica fetal permite confirmar o achado e identificar o lado em que a artéria está ausente (direito ou esquerdo). A artéria umbilical esquerda está mais comumente ausente – em aproximadamente 70% dos casos. O risco de recorrência é desconhecido. O diagnóstico de artéria umbilical única está associado a aumento da morbimortalidade perinatal, principalmente em virtude das anomalias fetais associadas, que podem atingir 30% a 60% desses fetos. As malformações podem envolver quase todos os órgãos e sistemas. Quando é um achado isolado não tem sido associado a aneuploidias, mas pode ocorrer restrição do crescimento fetal. Se ocorrerem outras malformações, a incidência de aneuploidias pode chegar a 8%. É preciso solicitar ecocardiograma fetal para complementar a avaliação cardíaca.
Implantações anômalas A inserção do cordão na massa placentária, em geral, é paracentral. Inserção velamentosa – Estado em que o cordão se insere nas membranas antes de penetrar no corpo placentário. Ocorre em 1% a 2% das gestações únicas de termo e mais frequentemente em gestações múltiplas. Clinicamente, já foi associada a compressão do cordão, crescimento fetal deficiente, placenta prévia e vasa prévia. Vasa prévia – Pode ser detectada por ultrassom, o que diminui significativamente a mortalidade. A avaliação transvaginal com Doppler aumenta a capacidade de diagnosticar esta entidade. Placenta em raquete – Ocorre quando o cordão se insere marginalmente na placenta. Tem sido encontrada em até 5% a 7% das gestações de termo.
Cistos Na maioria das vezes, são remanescentes dos ductos onfalomesentéricos ou alantoides. Também podem originar-se de degeneração mucoide da geleia de Wharton, hematomas em fase de resolução, hemangiomas ou dilatação focal dos vasos umbilicais. A incidência é maior no primeiro trimestre (3,4%). Muitos desses cistos diagnosticados no início da gestação resolvem-se espontaneamente. Aproximadamente 20% deles persistem após o primeiro trimestre e foram associados a aneuploidias ou defeitos estruturais fetais. A presença de um cisto funicular deve orientar o examinador para a pesquisa de anomalias associadas, como onfalocele, cisto de úraco e hemangiomas.
Nós de cordão umbilical Os nós do cordão umbilical são classificados como falsos ou verdadeiros. O diagnóstico pré-natal é extremamente desafiador, pois não existe característica sonográfica típica. Já foi descrito o achado de “enovelamento”, que tanto é encontrado em nós verdadeiros quanto em falsos (Fig. 21-7). A ultrassonografia tridimensional pode facilitar a visualização do nó verdadeiro (Fig. 21-8).
FIGURA 21-7 Nó verdadeiro do cordão umbilical. Observe, ao ultrassom bidimensional, o enovelamento anormal do cordão.
FIGURA 21-8 Nó verdadeiro do cordão umbilical. Imagem tridimensional com definição clara do nó verdadeiro. Mesmo caso da Figura 21-7.
Hematomas Originam-se, mais amiúde, como complicações de procedimentos invasivos como amniocentese ou cordocentese, sendo raros os de aparecimento espontâneo.
Circulares O cordão umbilical pode contornar várias partes fetais, em particular o pescoço. A circular cervical pode estar presente em 25% de todas as gestações. É mais comum que uma circular cervical simples (única) não seja associada a morbidade ou mortalidade fetal. A incidência de morte perinatal secundária a circular de cordão é muito baixa. A presença de múltiplas circulares foi associada a desacelerações da frequência cardíaca fetal em monitorações durante o trabalho de parto, eliminação de mecônio, necessidade de reanimação e acidemia neonatais. A sensibilidade para detecção com o Doppler colorido é maior que 80%, superior à sensibilidade pela escala de cinza.
ANOMALIAS DAS MEMBRANAS OVULARES
Membranas intra-amnióticas As membranas intra-amnióticas são identificadas como uma imagem ecogênica de espessura muito variável, que parte da parede uterina (na verdade, das membranas aderidas à parede uterina) e vai até outra área mais ou menos afastada das membranas ou da placenta. Em geral, são compostas por quatro camadas (âmnio–córion–córion–âmnio) que lembram as membranas de separação dos gêmeos dizigóticos (consequentemente dicoriônicos). Às vezes são relacionadas a sinéquias intrauterinas, mas nem sempre é possível identificar a causa de sua formação. Sempre é necessário realizar estudo detalhado para diagnosticar possíveis aderências a partes fetais que possam causar anomalias. As deformações fetais (de distribuição não embriológica) podem envolver membros, tronco e região craniofacial. As manifestações clínicas podem variar de malformações menores, como sindactilia, até malformações graves e letais. As malformações mais comuns são amputações de extremidades de membros previamente bem formados. Também já foi descrita constrição do cordão umbilical com óbito fetal. É preciso verificar também se existem vasos nessas membranas, uma vez que já foram descritos trajetos vasculares de inserção velamentosa do cordão ou comunicação vascular membranosa de um lobo placentário acessório (Fig. 21-9).
FIGURA 21-9 Brida amniótica. Não se observa fluxo vascular no trajeto da membrana ecogênica intra-amniótica. A conduta antenatal depende da natureza da lesão e da extensão das malformações. O cariótipo fetal deve ser oferecido se o diagnóstico permanecer sem esclarecimento.
Separação amniocorial Durante o desenvolvimento embrionário, a membrana amniótica não se acola de maneira completa com o córion (tanto na sua porção lisa, que forma a membrana corial, como em sua parte frondosa, que forma a placenta) até cerca de 12 a 16 semanas de gestação. Nesse momento, desaparece o celoma extraembrionário que os separa. A partir de então, qualquer separação amniocorial deve ser considerada anormal. A separação amniocorial é ecograficamente detectada pela identificação da membrana amniótica separada da parede uterina e/ou da superfície fetal da placenta, e há entre elas um espaço anecoico (líquido amniótico geralmente introduzido por solução de continuidade da membrana amniótica). Na maioria das vezes, isso não acarreta nenhum problema. Em outros casos, a membrana amniótica mostra-se flácida e móvel no interior do saco, o que indica a existência de uma rotura mais ampla.
Cistos amnióticos Os cistos amnióticos aparecem, na face fetal da placenta, como imagens econegativas únicas ou múltiplas, mais ou menos arredondadas, limitadas por uma membrana fina (membrana amniótica). Podem variar de tamanho ao longo da gestação. Geralmente, seu conteúdo é líquido claro (similar ao líquido amniótico) ou amarelo-esverdeado (se tiver ocorrido sangramento em seu interior). Não têm significação patológica.
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Capítulo 22
Restrição do Crescimento Fetal – Diagnóstico e Conduta Rossana Pulcineli Vieira Francisco, Silvio Martinelli, Marcelo Zugaib
INTRODUÇÃO A restrição do crescimento fetal (RCF) é uma anomalia em que o feto não consegue atingir seu potencial genético de crescimento. Afetando cerca de 3% a 10% das gestações, essa condição está associada a risco elevado de resultado perinatal adverso, especialmente quando há insuficiência placentária. É a segunda causa de mortalidade perinatal, conferindo risco oito vezes maior de mortalidade em relação aos adequados para a idade gestacional. Aproximadamente 53% de todos os óbitos fetais prematuros e 26% a termo apresentam RCF. A morbidade perinatal é cerca de cinco vezes maior para os recémnascidos afetados pela RCF, com maiores taxas de hipoglicemia, hipocalcemia, policitemia, hemorragia pulmonar, hipotermia, aspiração meconial e prejuízo no desenvolvimento psicomotor. A hipóxia intraparto pode ocorrer em até 50% dos casos. Há evidências que apontam também uma relação entre RCF e síndrome metabólica do adulto. Barker e colaboradores evidenciaram, em estudo longitudinal que envolveu 13.517 homens e mulheres nascidos entre 1924 e 1944 no Hospital Universitário de Helsinque, relação entre baixo peso ao nascimento acompanhado de ganho ponderal acelerado na infância e risco aumentado de doença coronariana, diabetes tipo 2 e hipertensão. O Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia define a RCF como a condição em que o feto apresenta peso estimado pela ultrassonografia menor que o percentil 10 para a idade gestacional. Esse limite (percentil 10) é também o adotado na Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), sendo utilizada a curva de Alexander e colaboradores (1996), como mostra a Figura 22-1. Foram também descritos outros pontos de corte, como os percentis 5 e 3 ou a avaliação da velocidade de crescimento. Curvas individualizadas de crescimento fetal também foram propostas, baseadas em parâmetros fisiológicos maternos e fetais, como estatura e peso inicial materno, paridade, grupo étnico e sexo fetal.
FIGURA 22-1 Peso ao nascer em função da idade gestacional. (Alexander et. al., 1996)
Apesar de haver relação direta entre pior resultado perinatal e percentil menor de peso para a idade gestacional, essa definição não permite diferenciar os recém-nascidos pequenos constitucionais (PqC), por influência genética, daqueles com déficit de crescimento motivado por um processo patológico. Essa diferenciação, nos dias atuais, é um grande desafio, já que cerca de 70% dos casos de fetos com peso abaixo do percentil 10 são compatíveis com a estatura e a etnia dos pais, não conferindo maior risco perinatal. Essa classificação também não permite diagnosticar os fetos que não atingiram seu crescimento determinado geneticamente, mas mantiveram-se com peso acima do percentil 10. Estes últimos permanecem com risco perinatal aumentado.
Etiologia Em 40% dos casos, a etiologia da RCF é desconhecida. Dividimos a RCF segundo suas causas: fetais, maternas e placentárias. Causas fetais são menos comuns e incluem aneuploidias (trissomia do 21, 18 e 13) e malformações fetais. Das causas maternas, as síndromes hipertensivas são as mais frequentes no nosso meio, compreendendo a doença hipertensiva específica da gestação (DHEG), a hipertensão crônica e a DHEG superajuntada, sendo acompanhadas de RCF em 30% a 40% dos casos. Infecções congênitas (rubéola, citomegalovírus, herpes, toxoplasmose) também são causa de RCF precoce. O diabetes de longa evolução, com comprometimento vascular, apresenta risco de RCF entre 10% e 20%, mesmo se houver controle glicêmico adequado. Colagenoses, como o lúpus eritematoso sistêmico, e trombofilias, como a síndrome antifosfolípide, podem ocasionar diminuição na perfusão placentária e comprometer o crescimento fetal. A hipóxia, secundária a doenças cardíacas, respiratórias e hematológicas, também pode determinar RCF. Do mesmo modo, o consumo de álcool, cigarros e outras drogas pode comprometer o ambiente intrauterino e propiciar déficit de crescimento. Desnutrição, doença inflamatória intestinal e nefropatias também são causas maternas de RCF. Gestações múltiplas apresentam alta taxa de RCF. Cerca de 20% a 30% das gestações gemelares dicoriônicas evoluirão com crescimento diminuído dos fetos, e o mesmo ocorre em 40% das gestações monocoriônicas.
Classificação Segundo Lin e Evans, a RCF pode ser classificada em três tipos: simétrico (tipo I), assimétrico (tipo II) e intermediário. No tipo simétrico (tipo I), que corresponde a, aproximadamente, 10% a 20% dos casos, o RN é globalmente pequeno, com peso, estatura e circunferência cefálica abaixo do percentil 10. O acometimento é precoce, havendo prejuízo na fase hiperplásica do desenvolvimento fetal, sendo as principais causas relacionadas com fatores genéticos (cromossomopatias e síndromes genéticas), infecções congênitas ou a utilização de fármacos teratogênicos. No tipo assimétrico (tipo II), as alterações no crescimento fetal ocorrem tardiamente, a partir do terceiro trimestre da gestação, comprometendo a fase de hipertrofia do desenvolvimento fetal. Nesse grupo, há diminuição maior do abdome em relação a outras medidas corporais, como polo cefálico e ossos longos. Assim, ocorre nítida desproporção nas relações fetais (circunferência abdominal/circunferência cefálica e fêmur/circunferência abdominal). A insuficiência placentária constitui a principal causa, e este tipo contribui com 75% dos casos de RCF. Quanto ao tipo intermediário, as fases de hipertrofia e hiperplasia são igualmente afetadas (segundo trimestre). Pode ser causado por drogas (cocaína), álcool, fumo e desnutrição. Os ossos longos e o polo cefálico são menos acometidos, em comparação com o tipo I. Corresponde a 10% dos casos e é de difícil diagnóstico na prática clínica.
Diagnóstico O rastreamento e o diagnóstico da RCF podem, em grande número de casos, melhorar o prognóstico neonatal, além de prevenir complicações durante a gestação, incluindo o óbito fetal. Em estudo de Gardosi, considerando apenas os casos de óbito fetal no Reino Unido, a RCF aparece como a primeira causa, correspondendo a 43% dos casos. A confirmação da idade gestacional, monitoração do ganho de peso materno e a medida da altura uterina auxiliam na identificação da RCF em gestantes de baixo risco. Os fatores de risco, quando presentes, incluindo o antecedente de RCF em gestação prévia, elevam a possibilidade de déficit de crescimento fetal, como pode ser observado na Tabela 22-1. A ultrassonografia é considerada o método mais acurado para o diagnóstico de RCF. Devemos lembrar que a confirmação do diagnóstico da RCF só pode ser feita após o nascimento. TABELA 22-1 Fatores de risco para restrição do cresci-mento fetal Fator de risco
Risco
Antecedente de RCF
Risco de recorrência de 20% (persistência dos fatores de risco)
Tabagismo
Redução média de 458 g em fumantes de mais de 20 cigarros/dia
Álcool
< 1 unidade/dia, OR = 1,1 1-2 unidades/dia, OR = 1,62 3-5 unidades/dia, OR = 1,96
Cafeína
Sem risco para peso < percentil 10
Diabetes
Incidência de 20%
Hipertensão
Risco de 8,0 a 15,5% na hipertensão arterial crônica
Nefropatia
Incidência de 23% (proteinúria presente)
Doença inflamatória intestinal
OR = 2,4 na doença de Crohn OR = 3,4 na doença celíaca não tratada Sem aumento de risco na retocolite ulcerativa inespecífica
Cardiopatia
Sem aumento de risco
Trombofilia
OR = 0,8 para Fator V de Leiden (heterozigoto) OR = 5,7 para G20210A gene protrombina OR = 5 para MTHFR (heterozigoto) OR = 10,2 para deficiência de proteína S OR = 33,9 para anticorpos anticardiolipina
Fertilização assistida
OR = 1,6 (metanálise)
Lúpus eritematoso sistêmico
Incidência de 28,5% no LES em atividade, mas 7,6% no LES sem atividade
Idade materna
OR = 1,28 para > 35 anos OR = 1,49 para > 40 anos
Peso/IMC
OR = 1,37 para IMC < 20 Sem aumento de risco para obesidade
Baixo nível socioeconômico
OR = 2,91
Adaptada de Breeze & Lees, 2007.
Diagnóstico Clínico O acompanhamento pré-natal adequado permite ao obstetra a detecção mais precisa de um déficit de crescimento fetal. Gestantes com fatores de risco devem receber maior atenção quanto a esse diagnóstico.
AVALIAÇÃO DO GANHO PONDERAL MATERNO A monitoração do ganho de peso entre as consultas é etapa fundamental para a identificação precoce da RCF. Quando o ganho ponderal encontra-se insuficiente ou diante de baixo peso pré-gestacional materno, há maior risco para crescimento fetal diminuído. O ganho ponderal materno durante a gestação pode ser acompanhado pela curva de Atalah, que relaciona o índice de massa corporal com a semana de gestação, em cada consulta. O gráfico é dividido em quatro faixas: baixo peso, peso adequado, sobrepeso e obesidade.
MEDIDA DA ALTURA UTERINA A medida da altura uterina consiste no método clínico mais importante para se avaliar o crescimento fetal durante o pré-natal. Utiliza-se fita métrica, medindo-se a distância, em centímetros, da borda superior da sínfise púbica até a porção média do fundo uterino, utilizando a borda cubital da mão, como ilustrado na Figura 22-2. O Ministério da Saúde Brasileiro adota a curva do Centro Latino-Americano de Perinatologia (CLAP), considerando-se normais os valores situados entre os percentis 10 e 90.
FIGURA 22-2 Técnica para a medida da altura uterina. Considerando que se consegue maior acurácia quando há a correta identificação dos desvios de crescimento pela aferição da altura uterina, a padronização dessa medida é de vital importância. Assim, Martinelli e colaboradores adotaram técnica semelhante às adotadas pelo CLAP na construção de uma curva de normalidade para a altura uterina em mulheres brasileira (Fig. 22-3). Quando tal medida é menor do que a esperada para a idade gestacional (abaixo do percentil 10), a paciente é considerada de risco para RCF. Essa suspeita deve ser confirmada pela ultrassonografia.
FIGURA 22-3 Medidas da altura uterina em função da idade gestacional curva de Martinelli. (Rev Bras Ginecol Obstet 2004;26:383-9)
Quando a medida da altura uterina encontra-se abaixo do percentil 10, a concordância com o peso fetal inferior ao 10º percentil é de aproximadamente 60% e, quando essa medida localiza-se entre os percentis 10 e 90, a taxa de crescimento fetal está normal em mais de 90% das gestações. Por outro lado, a avaliação da altura uterina tem menor valor preditivo na obesidade materna, no poli-hidrâmnio e na gestação múltipla. A avaliação da altura uterina continua sendo exame imprescindível em toda consulta pré-natal e permite a detecção inicial do déficit de crescimento fetal.
ULTRASSONOGRAFIA Diante da suspeita de RCF, a ultrassonografia deve ser o método escolhido para ratificar ou excluir tal diagnóstico. Permite, também, confirmar a idade gestacional quando realizada precocemente. As medidas utilizadas são as do diâmetro biparietal (DBP), circunferência cefálica (CC), comprimento do fêmur (F) e circunferência abdominal (CA), além de relações biométricas, como a relação circunferência cefálica/circunferência abdominal (CC/CA) ou comprimento do fêmur/circunferência abdominal (F/CA). A estimativa do peso fetal pela ultrassonografia é considerada o melhor método para a identificação da RCF, pois permite estimar o peso fetal com variação de 15% do peso verdadeiro em 95% dos casos. Para esse fim, utilizam-se as medidas do polo cefálico, CA e F. Conforme a curva de Hadlock e colaboradores, que é a mais utilizada, considera-se RCF quando o peso fetal encontra-se abaixo do percentil 10 em relação à idade gestacional (Fig. 22-4). O uso de múltiplos parâmetros ultrassonográficos no terceiro trimestre para a estimativa de peso fetal abaixo do percentil 10 identificou corretamente 87% de fetos com peso diminuído ao nascimento. De todas as medidas, a circunferência abdominal é a que apresenta maior sensibilidade. Quando o crescimento fetal está comprometido, a CA está diminuída devido à menor quantidade de tecido adiposo abdominal e principalmente pela redução do fígado fetal (devido à diminuição do glicogênio hepático). Diante de CA diminuída, mesmo quando o peso estimado é maior que o percentil 10, sugere-se manter rigorosa vigilância sobre o crescimento fetal.
FIGURA 22-4 Peso fetal estimado pela ultrassonografia em função da idade gestacional, curva de Hadlock. (Radiology 1991;181:129-33)
Se o peso fetal estimado for menor que o 10º percentil, devemos classificar o tipo de RCF. Para isso pode-se utilizar a relação CC/CA ou F/CA. Relações CC/CA > 1,0 (após 34 semanas) ou F/CA > 23,5 (segunda metade da gestação) sugerem RCF assimétrica, por estar a CA diminuída. Outro parâmetro ultrassonográfico é o volume do líquido amniótico, uma vez que sua diminuição, relacionada à queda do fluxo plasmático renal e consequente oligúria fetal nos casos de RCF tem sido reconhecida há muito tempo. A avaliação do índice de líquido amniótico (ILA) deve ser feita como um dos parâmetros do perfil biofísico fetal nos casos suspeitos de RCF, e, se houver oligoâmnio, há risco aumentado de óbito fetal.
DOPPLERVELOCIMETRIA A Dopplervelocimetria da artéria umbilical consiste no primeiro exame a ser realizado após a suspeita ultrassonográfica da RCF e reflete a resistência vascular no território placentário. Permite avaliar se há ou não insuficiência placentária, assim como sua gravidade. Auxilia também na diferenciação do feto pequeno constitucional daquele com RCF. Vários estudos demonstraram que o uso da Dopplervelocimetria da artéria umbilical pode reduzir a morbidade e mortalidade perinatal de forma significante, assim como a indução desnecessária de partos prematuros em fetos portadores de RCF. A maioria dos autores utiliza como critério de anormalidade para o estudo Dopplervelocimétrico da artéria umbilical o índice de pulsatilidade (PI) acima do percentil 95 para a idade gestacional, conforme a curva de normalidade proposta por Arduini e Rizzo. A redistribuição do fluxo sanguíneo para territórios mais nobres (centralização), decorrente da hipóxia, tem como consequência a vasodilatação cerebral, o que pode ser verificado pela Dopplervelocimetria da artéria cerebral média (ACM). Esse exame está indicado nos casos em que a Dopplervelocimetria da artéria umbilical exibe resultados anormais e serve de alerta para intensificarmos a vigilância fetal. Como critério de anormalidade para a ACM, a maioria dos autores utiliza o PI abaixo do percentil 5 para a idade gestacional, segundo a curva de normalidade proposta por Arduini e Rizzo. Se persistir o agravo, haverá para o lado fetal vasoconstrição periférica intensa, aumento da pressão diastólica final nos ventrículos, especialmente o direito, e diminuição do fluxo sanguíneo no território venoso durante a sístole atrial, o que reflete a alteração observada na Dopplervelocimetria do ducto venoso. Este é um dos últimos parâmetros na Dopplervelocimetria que irá se alterar, e, quando anormal, há forte associação com acidose fetal. Assim, a incorporação da Dopplervelocimetria do ducto venoso é considerada a melhor conduta diante de RCF em fetos pré-termos. Considera-se uma medida anormal quando o índice de pulsatilidade venosa (IPV) para o DV encontra-se acima de 1,0.
Conduta assistencial São dois os principais objetivos diante da suspeita de RCF: tentar esclarecer a etiologia e definir o melhor momento para a resolução da gestação. Quando ainda no segundo trimestre, é imprescindível a realização da ultrassonografia morfológica acompanhada da ecocardiografia fetal. Se forem encontradas alterações graves, incompatíveis com a vida, não há necessidade de prosseguir com outros exames. Resultados sugestivos de aneuploidia devem ser confirmados pela realização do cariótipo fetal. Do mesmo modo, as sorologias devem ser checadas e solicitadas de acordo com o encontrado, principalmente na RCF tipo I. Antes de ser verificada a viabilidade, as gestantes com diagnóstico de RCF devem ser orientadas a fazer mais repouso, não fumar e receber dieta adequada (acima de 2.500 kcal). Até o momento, não há medicação que tenha efeito direto no crescimento fetal. Não há estudos que suportem a administração de ácido acetilsalicílico (AAS), oxigênio inalatório, drogas beta-adrenérgicas ou heparina como tratamento. A gestante com suspeita de RCF deve ser acompanhada em hospital terciário, devido à necessidade de exames propedêuticos mais frequentes e ao aumento do risco perinatal. A corticoterapia está indicada entre 26 e 34 semanas, caso se opte pela resolução da gestação. Evidências a partir de estudos em animais descrevem associação entre RCF e uso de múltiplos cursos de corticosteroides. Estudos retrospectivos em humanos demonstraram que tal associação determina diminuição do crescimento fetal e resultados neonatais desfavoráveis. Considerando essas evidências, seria prudente evitar múltiplos cursos de corticoide antenatal, sendo a prescrição de curso indicada quando o parto estiver para ocorrer em 7 a 14 dias. A partir de 26 semanas, a conduta obstétrica inclui a realização de exames de vitalidade fetal e a monitoração do crescimento fetal, por meio de ultrassonografia seriada, com intervalo mínimo de 14 dias. Nos casos mais graves, decorrentes de insuficiência placentária, a vitalidade fetal será a principal ferramenta na indicação do momento do parto. Um resumo da conduta assistencial na RCF está exposto na Figura 22-5.
FIGURA 22-5 Conduta obstétrica na restrição do crescimento fetal. Os exames de vitalidade fetal para esse acompanhamento, após a viabilidade, são o perfil biofísico fetal (PBF), incluindo a cardiotocografia e a Dopplervelocimetria de artéria umbilical, artéria cerebral média e ducto venoso. Esses exames devem ser solicitados no mínimo uma vez por semana. Independentemente do resultado da Dopplervelocimetria e diante de PBF de 0, 2 ou 4, está recomendada a interrupção da gestação. Se o valor do PBF for igual a 6, deve ser repetido em no máximo 12 horas e, caso permaneça inalterado, indica-se o parto. Diante de PBF igual a 8 ou 10, prossegue-se com a
gestação. Antes de 34 semanas, se houver resultado de DV anormal (IPV > 1,5), diástole reversa na artéria umbilical ou oligoâmnio, está indicada a imediata interrupção da gestação. Se o resultado do IPV do DV mostrar valores entre 1,0 e 1,5, realiza-se um ciclo de corticoide (betametasona, 12 mg, por via intramuscular com repetição da dose em 24 horas ou dexametasona, 6 mg, por via intramuscular com repetição da dose quatro vezes de 12 em 12 horas), com parto programado após 48 horas do início da corticoterapia antenatal. Para os casos de alteração na Dopplervelocimetria da umbilical, mas com fluxo diastólico positivo, mantém-se a vigilância rigorosa da vitalidade fetal com exames seriados. Se houver centralização fetal (PI da ACM abaixo do percentil 5 para a IG), a vigilância deve ser intensificada para pelo menos duas ou três vezes por semana. Diante da ausência do fluxo diastólico da artéria umbilical (diástole zero), a paciente deve ser internada e os exames de vitalidade realizados diariamente, pelo risco perinatal elevado. Caso se atinja a 34ª semana e haja alteração na Dopplervelocimetria umbilical, deve-se realizar amniocentese para a pesquisa de maturidade fetal. Confirmada a maturidade, também está indicada a resolução da gravidez. O encontro de insuficiência placentária grave nessa fase, demonstrada pela ausência de fluxo diastólico na artéria umbilical, exclui a necessidade de pesquisar maturidade no feto, então deve-se interromper a gestação. Quando os exames de vitalidade fetal mostram-se normais, o diagnóstico mais provável é de um feto pequeno constitucional. Nesse caso, a paciente pode ser acompanhada ambulatorialmente com PBF e estudo Dopplervelocimétrico semanal. Se houver doença materna que resulte em insuficiência placentária, deve-se optar pela interrupção da gravidez a partir de 37 semanas. Caso contrário, a gestação pode ser seguida até o limite de 40 semanas.
Via de parto A via vaginal deve ser preferida nos casos de vitalidade fetal preservada e apresentação cefálica. Nessas condições, também a indução do parto pode ser realizada se o peso fetal estimado pela ultrassonografia estiver acima de 1.500 g. Em casos de colo uterino desfavorável, pode-se utilizar prostaglandina E2 local e posterior indução com ocitocina. Deve-se evitar o uso de sedativos, tranquilizantes e analgésicos durante o trabalho de parto. A anestesia deve modificar o mínimo possível as condições hemodinâmicas da gestante, para que não haja alteração no fluxo uteroplacentário. A vitalidade fetal intraparto está indicada em todos os casos de suspeita de RCF. Se houver sofrimento fetal ou apresentação pélvica, deverá ser indicada a via alta. A fim de evitar maior transferência de glóbulos vermelhos e piora na policitemia encontrada na RCF, o clampeamento do cordão umbilical deve ser precoce, logo após o primeiro movimento respiratório do RN.
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Capítulo 23
Anemia Fetal: Diagnóstico e Conduta Anselmo Verlangieri Carmo, Eduardo Borges da Fonseca
INTRODUÇÃO A anemia fetal é uma das poucas patologias que podem ser tratadas com elevada taxa de sucesso na medicina fetal. A sua principal etiologia é a aloimunização Rh, cuja prevalência vem se reduzindo em virtude da profilaxia por meio da administração de imunoglobulina Rh. Atualmente ainda se depara com alguns desses casos, decorrentes da não administração ou da administração insuficiente da imunoglobulina nos casos de hemorragia fetomaterna importante, da não administração em casos de sangramento durante a gestação e, mais raramente, da sensibilização antes de 28 semanas de gestação e transfusão de sangue incompatível. A aloimunização é causada, na sua maioria das vezes, pela incompatibilidade Rh em 98% dos casos e em 2% por antígenos atípicos, sendo os mais relevantes, pela gravidade, o K (Kell), o E e o c (Rhesus). Outras possíveis etiologias de anemia fetal que podem se beneficiar de sua identificação precoce são as infecciosas (parvovírus B19), hemoglobinopatias (talassemias), hemorragia fetomaterna excessiva, as de origem genética ou idiopática2 e o óbito de um dos gêmeos de gestação monocoriônica seguida de anemia do gêmeo remanescente.
FISIOPATOLOGIA DA ALOIMUNIZAÇÃO RH Sabe-se que a hemorragia fetomaterna espontânea aumenta em volume e frequência com o avançar da idade gestacional. Bowman e colaboradores encontraram volumes maiores ou iguais a 0,01 mL de células fetais em 3%, 12% e 46% no primeiro, segundo e terceiro trimestres de gestação, respectivamente. Em casos de hemorragia fetomaterna importante ou hemorragia no parto, há a formação de clones de linfócitos B maternos que reconhecem o antígeno Rh. A produção inicial de imunoglobulina M (IgM) anti-D é curta, seguida de rápida mudança para imunoglobulina G (IgG). Os linfócitos B de memória aguardam novo estímulo antigênico em uma gravidez subsequente. Nesse caso, quando estimulados pelo antígeno D do sistema Rh nos eritrócitos fetais, essas células plasmáticas podem proliferar rapidamente e produzir anticorpos de imunoglobulinas G e elevar os títulos de anticorpos. A IgG pode atravessar a placenta e destruir os eritrócitos positivos para o antígeno Rh D, o que resulta em anemia fetal. Na anemia fetal existe elevação do débito cardíaco, que pode ser mediada pelo aumento do volume corrente em razão de três fatores principais: diminuição da viscosidade sanguínea, produzindo aumento no retorno venoso; vasodilatação periférica hipóxica, resultando em diminuição da resistência periférica; estimulação hipóxica de quimiorreceptores, responsável pelo aumento da contratilidade miocárdica.
PREVENÇÃO DA ALOIMUNIZAÇÃO RH Toda gestante Rh-negativa não sensibilizada deve ser submetida a rastreamento de anticorpos na primeira visita pré-natal com a realização do exame de pesquisa de anticorpos irregulares (PAI), que identifica e fornece a titulação do anticorpo presente. O teste de Coombs indireto indica apenas a presença do anticorpo sem especificá-lo. Caso o rastreamento para a presença de anticorpos anti-Rh seja negativo, deve-se administrar a imunoglobulina Rh na dose de 300 μg por via intramuscular com 28 semanas de gestação, que reduz a indicidência de aloimunização de 2% para 0,1%. Tal dose deve ser repetida até 72 horas pós-parto caso o sangue do recém-nascido seja Rh-positivo. Caso a imunoglobulina não tenha sido administrada nessa ocasião, isso poderá ser feito até no máximo 28 dias após o parto, porém com menor efetividade. Caso a administração da imunoglobulina ocorra três semanas antes do parto, não é necessário repetir a dose, exceto se for detectada hemorragia fetomaterna nessa ocasião. Outras indicações para mãe Rh-negativa não sensibilizada devem ser feitas em casos de aborto, prenhez ectópica, amniocentese genética, biópsia de vilo corial e cordocentese. É controversa a decisão de administrar a imunoglobulina anti-D em pacientes com diagnóstico de mola hidatiforme, ameaça de aborto, óbito fetal no segundo ou terceiro trimestre e trauma fechado abdominal. A administração da imunoglobulina no primeiro ou segundo trimestre não exclui a necessidade de prevenção com 28 semanas. Caso a paciente tenha recebido uma dose no final no segundo trimestre (p. ex., com 22 semanas), a dose deverá ser repetida em 12 semanas (com 34 semanas). Cerca de 15 a 20% das pacientes que receberam a imunoglobulina anti-Rh com 28 semanas apresentarão título fraco antiD (1/2 ou 1/4) na ocasião do trabalho de parto a termo.
IDENTIFICAÇÃO DAS GESTAÇÕES COM RISCO PARA ANEMIA FETAL
Tipagem sanguínea e título de anticorpos Toda gestante Rh-negativa deve ser submetida à pesquisa de anticorpos irregulares (PAI) para identificar e titular os anticorpos presentes. Deve-se solicitar a tipagem ABO e Rh do marido, e, caso não esteja disponível, deve-se considerá-lo Rh-positivo. Em caso de marido Rh-negativo, deve-se considerar normal a gestação da paciente, e assim acompanhá-la. Em relação ao título de anticorpos, valores iguais ou maiores que 1/8 ou 1/32 podem ser utilizados, conforme o laboratório em questão para o rastreio de anemia fetal grave.
CONDUTA NA GESTAÇÃO RH-NEGATIVA SENSIBILIZADA O objetivo principal é predizer qual gestação necessitará de transfusão intrauterina (TIU) antes de se tornar hidrópica. A condução de uma gestação até que a hidropisia se desenvolva é, atualmente, considerada uma falha. A Figura 23-1 descreve a estratégia proposta na condução de uma gestação de risco e pode ser sumarizada em três primícias: história obstétrica prévia, genotipagem paterna e estado da Dopplervelocimetria da artéria cerebral média. • História obstétrica
FIGURA 23-1 Algoritmo proposto para seguir paciente com aloimunização Rh. PSV, pico sistólico de velocidade; ACM, artéria cerebral média; MEEP, múltiplos da estimativa do erro padrão. É relevante levar em consideração o grau de acometimento nas gestações anteriores: leve (fototerapia neonatal); moderado (exsanguinitransfusão em recém-nascido de termo) e grave (transfusão intrauterina, óbito intrauterino, exsanguinitransfusão em recém-nascido pré-termo). • Genotipagem paterna É a determinação do genótipo paterno. Caso o marido seja heterozigoto para o antígeno D, pode-se prosseguir a investigação do Rh fetal no sangue materno. Se o feto for Rh-negativo, a gestação é considerada de baixo risco. A verificação do fator Rh fetal no sangue materno é factível e se encontra disponível para uso clínico em nosso meio. Esse método, descrito inicialmente por Lo e colaboradores, demonstrou acurácia de 97%. • Dopplervelocimetria da artéria cerebral média A avaliação do pico sistólico da velocidade (PSV) da artéria cerebral média (ACM) para o rastreamento de anemia fetal, especialmente nas gestantes aloimunizadas, apresenta resultados bastante satisfatórios.
Técnica A ACM pode ser insonada a um ângulo de 0º entre o raio da ultrassonografia e a direção de fluxo sanguíneo e,
consequentemente, a velocidade real de fluxo pode ser determinada (Fig. 23-2).
FIGURA 23-2 Insonação da artéria cerebral média no segmento proximal e com ângulo de insonação zero para aferição do seu pico de velocidade sistólica na artéria cerebral média. O segmento proximal da ACM logo após a sua saída da artéria carótida interna é o preferido pela menor variabilidade intra e interobservador. Não se recomenda o uso de correção de ângulo pela maior possibilidade de erro. O tamanho da amostra do Doppler deve ser de 1 a 2 mm. Idealmente, sugere-se realizar três medidas em cada grupo de sonograma com tempo aproximado de 5 a 10 minutos por paciente. No caso de a PSV ser semelhante em cada grupo de sonogramas, ela pode ser utilizada para auxiliar na tomada de decisões clínicas. Considera-se anemia fetal grave quando o PSV está entre +1,5 e +2,0 acima dos múltiplos da estimativa de erro padrão (MEEP) para determinada idade gestacional. O PSV da ACM acima de +2 MEEP (Tabela 23-1) (múltiplos da estimativa do erro padrão) detecta anemia fetal em 78% dos casos com falso positivo (FP) de 24% para os casos não transfundidos, e para os casos com transfusão prévia, excluindo-se os hidrópicos, os pontos de corte foram +1,5 MEEP, com detecção de 96% e FP de 24%.
TABELA 23-1 Valores do PSV-ACM (cm/s) ao longo da gestação com os valores normais e os pontos de corte (em MEEP).
Por fim, recomenda-se a aferição da PSV e ultrassonografia a intervalos de duas semanas, caso os valores encontrados não ultrapassem o +1MEEP. Se o PSV da ACM se encontrar entre +1 e +2 MEEP, recomendam-se aferições semanais do PSV, e, em caso de ascensão importante, deve-se considerar o valor de +1,5 MEEP como ponto de corte. Caso não haja ascensão importante do PSV-ACM nem sinais de derrame pericárdico, redução na contratilidade ou dilatação cardíaca, utiliza-se o ponto de corte de +2 MEEP como limite para indicar a TIU. Quando se adota conduta expectante em casos com PSV-ACM em torno do +2 MEEP, sugere-se a frequência de avaliação de duas vezes por semana. Após transfusão intrauterina com restauração dos níveis normais de hemoglobina, repete-se a avaliação do PSV-ACM em duas semanas para auxiliar na programação da próxima transfusão. Exceção deve ser feita aos casos com hidropisia, submetidos à primeira transfusão, que devem ser revistos dentro da primeira semana pela gravidade e impossibilidade de normalizar a hemoglobina após o primeiro procedimento. É importante notar que tal abordagem diagnóstica visa realizar transfusões em fetos com anemia com hemoglobina entre 4 e 6 DP abaixo da média. A hidropisia somente aparece quando a hemoglobina fetal cai abaixo de 6 a 7DP abaixo da média para a idade gestacional. Ressalta-se que o acompanhamento de fetos com anemia deve ser realizado por equipe devidamente treinada e em centros com experiência no diagnóstico de fetos anêmicos. • Ultrassonografia Algumas alterações ultrassonográficas podem estar presentes em casos de anemia grave, como derrame pericárdico, redução da contratilidade cardíaca e cardiomegalia (Fig. 23-3) e, mais tardiamente, observa-se aumento da ecogenicidade e espessura da placenta, ascite e edema de tecido subcutâneo. Esses achados demonstram a gravidade da anemia fetal diante de nosso principal objetivo: que a terapêutica fetal (TIU) seja instituída antes da presença desses sinais.
FIGURA 23-3 Imagem ultrassonográfica em feto anêmico com cardiomegalia (esquerda) e ascite (direita) submetido à transfusão intrauterina por aloimunização Rh.
TRANSFUSÃO INTRAUTERINA O pioneiro na transfusão intrauterina foi Liley, por meio da transfusão intraperitoneal percutânea com transfusão intraperitoneal guiada por raios X. Nesses casos, fetos hidrópicos não conseguiam boa reabsorção das hemácias. Em 1981, Rodeck e colaboradores conseguiram realizar duas transfusões nos vasos umbilicais por meio de fetoscopia. Em seguida, Bang e colaboradores e Daffos e colaboradores descreveram a cordocentese guiada por ultrassonografia. A transfusão intrauterina (TIU), idealmente, deve ser realizada entre 18 e 34 semanas de gestação. Após esse período, deve-se realizar o parto em fetos com suspeita de anemia. A Tabela 23-2 resume os passos requeridos na TIU. TABELA 23-2 A transfusão intrauterina: passos importantes a serem observados • Antibioticoterapia profilática com 1 g de cefalotina por via endovenosa 30 minutos antes do procedimento • Equipe: dois obstetras, um para guiar o procedimento com ultrassonografia e fazer a punção e o segundo para injetar o sangue • Assepsia da pele com degermante tópico, colocação de campos, localização do cordão umbilical com ultras-sonografia, botão anestésico com lidocaína a 1% sem vasoconstritor, punção do cordão (veia umbilical) com agulha calibre 20 G • Coleta de amostra de sangue fetal (2 mL) para determinação imediata da hemoglobina (hemoglobinômetro portátil na sala do procedimento). Deve-se enviar 1 mL do sangue coletado para determinação do hemogra-ma completo e 1 mL para tipagem sanguínea • Injeção de 1 mL de soro fisiológico para confirmar a punção da veia umbilical, Deve-se dar preferência para transfundir na veia e, no caso de punção arterial, remanejar a agulha ou realizar nova punção para tentar a veia. A punção em veia apresenta menor risco, pois é mais calibrosa, não apresenta vasospasmo e permite melhor visualização do fluxo sanguíneo durante o procedimento, uma vez que na veia ele flui para o feto e na artéria para a placenta. Na punção venosa, as bradicardias são menos frequentes e de menor duração, e o sangramento após a retirada da agulha é menor • Curarização do feto com pancurônio na dose de 0,1 mg/kg de peso fetal, caso o feto apresente movimenta-ção excessiva • Injeção de papa de hemácias, do tipo O Rh negativo, lavadas e irradiadas com concentração do hematócrito de 85 a 90% • Visualização intermitente da frequência cardíaca fetal durante o procedimento • O volume a ser utilizado na transfusão baseia-se na concentração da hemoglobina pré-transfusão, na concen-tração da hemoglobina do sangue a ser transfundido, na hemoglobina pós-transfusão desejada e no volume fetoplacentário médio para a idade gestacional. Procura-se transfundir um volume que não levaria a uma ex-pansão do volume fetoplacentário maior do que 50%, para que não haja sobrecarga cardíaca muito grande • Em fetos hidrópicos, nos quais pode haver algum grau de insuficiência cardíaca, é realizada a exsanguini-transfusão para evitar sobrecarga de volume • A transfusão intraperitoneal (TIP) é realizada quando não se consegue o acesso vascular, calculando-se o volume a ser injetado de acordo com a seguinte fórmula: volume = (idade gestacional – 20) × 10 mL (para idade gestacional acima de 20 semanas) e volume de 5 mL quando antes da 20a semana de gestação • Verificada a viabilidade fetal, recomenda-se a realização do procedimento em centro cirúrgico devido à eventual necessidade de cesárea de emergência. O local de punção depende da posição fetal, localização placentária e preferência do operador. Os locais mais comuns são a veia umbilical na inserção da placenta ou a veia umbilical intra-hepática. Uma vantagem desta última técnica é que se minimiza a perda sanguínea no local da punção e, em caso de extravasamento sanguíneo, o sangue pode ser reabsorvido na cavidade peritoneal. A punção de alça livre pode ter como complicações a lesão do cordão umbilical causada por movimentação fetal e a perda de uma quantidade de sangue de difícil mensuração após a remoção da agulha. Caso se puncione a artéria umbilical pode haver espasmo, que causa bradicardia. A punção cardíaca é raramente utilizada devido ao risco de
hemopericárdio e arritmia. O objetivo da TIV é elevar o hematócrito a 35% a 40%. A expansão do volume fetoplacentário não deve ser maior que 50% para evitar sobrecarga cardíaca. O volume de sangue a ser absorvido na transfusão intravascular pode ser estimado inicialmente medindo-se o volume fetoplacentário (VFP) calculado com a seguinte fórmula: 1.046 + peso fetal (g) × 0,14. O volume (em mL) a ser transfundido pode ser calculado pela seguinte fórmula:
onde Ht – hematócrito. A fórmula para a transfusão intraperitoneal (TIP) é a seguinte: Volume de sangue a ser infundido (mL) = idade gestacional em semanas – 20 e 5 mL antes da 20ª semana de gestação. Nesse caso, a absorção do sangue é mais lenta (7 a 10 dias), evitando o aumento brusco da viscosidade sanguínea como ocorre na TIV. O sangue a ser utilizado para transfusão deve ser papa de hemácias do tipo “O” Rh-negativo, pareada (cross matched) com o sangue materno, rastreado para hepatites B e C, citomegalovírus e HIV, lavadas, irradiadas e com hematócrito de 75% a 85%. A velocidade de infusão na TIV pode ser rápida (10 mL/minuto) e deve ser lenta na TIP (2 mL/minuto). O sangue materno também pode ser utilizado para a TIU. Tem a vantagem de reduzir a sensibilização a novos antígenos das hemácias. A realização de transfusões top up comparada à exsanguinitransfusão tem sido questão de debate. Na primeira modalidade, o sangue é injetado diretamente no feto sem se remover qualquer sangue, o que pode levar a sobrecarga de volume e comprometimento cardíaco. Na segunda modalidade, operadores aspiram pequenos volumes de sangue (1 a 15 mL, segundo a idade gestacional, de acordo com a seguinte fórmula: 5% da massa sanguínea avaliada a 16 mL/100 g de peso fetal estimado) que são alternativamente retirados (sangue fetal) e injetados (concentrado de hemácias), até se obter uma taxa de hemoglobina em torno de 16 g/100 mL. A duração da exsanguinitransfusão é de 45 a 60 minutos. Na prática, muitos centros realizam transfusões top up por mais de 20 anos e parece que o feto a tolera sem qualquer efeito colateral. Em geral, não é recomendado transfundir um feto hidrópico a um hematócrito final acima de 25% ou maior que quatro vezes o hematócrito inicial. Isso tem sido associado a sobrecarga de volume e morte súbita fetal intrauterina. Em casos de hidropisia secundária à anemia, o objetivo da primeira transfusão deveria ser um hematócrito de 20% a 25%, e a transfusão deveria ser repetida em 48 a 72 h para levar o hematócrito a 45% a 50%. Procedimentos subsequentes deveriam ser realizados com intervalos de 2 a 3 semanas até 34 a 35 semanas. Na TIV, buscamos atingir a hemoglobina final acima de 15 g/dL, ou acima do percentil 75 para a idade gestacional. O intervalo para a próxima transfusão é calculado de acordo com a taxa de hemoglobina final pós-transfusional e a expectativa de queda de 0,3 a 0,4 g/dL por dia, que na maioria dos casos varia de 1 a 3 semanas. Também nos baseamos nos parâmetros da Dopplervelocimetria da artéria cerebral média e da ultrassonografia, que podem antecipar ou postergar a TIV, apesar de não ser tão efetiva quando sem transfusão prévia. Assim, a programação da segunda transfusão em caso de aloimunização Rh geralmente ocorre em 2 a 3 semanas. Após a segunda transfusão, a queda média do hematócrito é geralmente fácil de ser predita, visto que nessa ocasião quase todos os eritrócitos são substituídos pelos eritrócitos do doador e a eritropoise se encontra quase completamente suprimida. Uma via alternativa para punção intravascular é a intraperitoneal, na qual se injeta o sangue do doador na cavidade peritoneal, que é absorvido para a circulação fetal através dos linfáticos subdiafragmáticos e ducto torácico. Tal absorção é variável e se encontra dificultada nos casos de hidropisia. Uma das poucas indicações para a TIP seria a anemia em gestações precoces (antes de 18 a 20 semanas), embora operadores experientes sejam capazes de realizar cordocentese a partir de 17 semanas. As complicações da TIU são poucas, com baixa taxa de mortalidade perinatal. Bradicardia transitória durante a transfusão é a complicação mais comum (8%). Pode ocorrer sofrimento fetal após acidentes de cordão (rotura, espasmo, tamponamento por hematoma), hemorragia no local de punção, sobrecarga de volume, corioamnionite, rotura prematura de membranas ou parto prematuro. Em grandes centros, a taxa de complicações relacionada a TIV chega a 2,9% na ausência de
hidropisia e 3,9% na presença de hidropisia. O algoritmo da conduta na pacientes com aloimunização Rh pode ser visto na Figura 23-3.
Prognóstico do tratamento com TIU A maioria dos estudos apresenta seguimento que varia de 6 meses a 6 anos. Resultados mostraram que o desenvolvimento neurológico dessas crianças não foi diferente dos controles, mesmo para crianças que se apresentavam inicialmente hidrópicos. Por outro lado, um estudo incluindo 12 fetos hidrópicos com aloimunização Rh que sobreviveram aos 10 anos de idade demonstrou que duas crianças (12,5%) tiveram grave comprometimento neurológico. Perda auditiva é mais comum nesses infantes devido, provavelmente, à exposição aos elevados níveis de bilirrubina e seu efeito tóxico no desenvolvimento do oitavo par craniano. Testes auditivos deveriam ser realizados ao nascimento e anualmente nos primeiros anos de vida.
CAUSAS DE ANEMIA FETAL NÃO IMUNE
Infecção congênita por parvovírus B19 A infecção materna com parvovírus B19 pode causar anemia fetal por meio de um processo de hemólise e supressão da medula óssea. Trombocitopenia e cardiomiopatia fetal têm sido observadas. A forma clínica mais comum é hidropisia fetal no exame de rotina, embora as gestantes devidamente orientadas possam apresentar inicialmente apenas sinais clínicos de uma infecção. O tratamento é de suporte, visto que ocorre recuperação espontânea com a passagem transplacentária de IgG materno antiparvovírus. Hidropisia fetal tem sido relatada até 12 semanas seguindo a infecção materna. Portanto, são recomendados exames ultrassonográficos semanais durante esse período em fetos não hidrópicos. Quando o diagnóstico de anemia é suspeitado por meio de elevação do PSV-ACM (Fig. 23-2) ou hidropisia (Fig. 23-3), tendo sido afastada aloimunização Rh, deveria ser realizadas cordocentese para confirmar o diagnóstico de anemia por parvovírus e TIV de sangue e plaquetas se indicado. Elevação na contagem de reticulócitos sinaliza recuperação espontânea em andamento, e transfusões subsequentes em geral não são necessárias. A hidropisia pode levar várias semanas para se resolver. A sobrevida para hidropisia não imune devido ao parvovírus B19 congênito tratado com TIV é de 80%.
Hemorragia fetomaterna maciça A hemorragia fetomaterna maciça é complicação rara, porém de maior gravidade na gestação, podendo resultar em anemia fetal grave, hidropisia e morte. Na maioria das vezes, acontece de forma inesperada e os sintomas clínicos são inespecíficos. A redução dos movimentos fetais e o padrão sinusoidal na frequência cardíaca fetal à cardiotocografia podem levantar a suspeita. Elevação no PSV-ACM também pode ser encontrada. O diagnóstico é confirmado pelo teste de Kleihauer-Betke.
Corioangioma placentário Corioangiomas placentário ocorrem em 1% das gestações. Grandes corioangiomas podem causar anemia importante fetal, com hidropisia e óbito. Há relato de TIU em caso de anemia por corioangioma placentário.
Anemia por doenças hematológicas A talassemia homozigotico alfa-1 é herdada como doença recessiva autossômica com 25% da taxa de recorrência para gestações subsequentes. A alfatalassemia é causa comum de hidropisia entre asiáticos do sudeste. Um anormal tetrâmero de hemoglobina (hemoglobina Bart) é formado como resultado da deficiência na síntese de cadeia α. A hemoglobina Bart tem tanta afinidade por oxigênio, que não os libera suficientemente para os tecidos. Isso causa hipóxia, falência cardíaca e hidropisia não imune. A hidropisia não imune causada por alfatalassemia homozigótica é quase universalmente fatal ao feto e produz morbidade significativa. A gestante com feto que apresenta alfatalassemia pode apresentar hipertensão e edema (pré-eclâmpsia), leve anemia microcítica (sem deficiência de ferro e não responsiva à terapia), falência cardíaca congestiva e polidramnia.
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Capítulo 24
Síndrome Transfusor-Transfundido Cleisson Fábio Andrioli Peralta, João Renato Bennini, Júnior.
INTRODUÇÃO Nas últimas décadas, a taxa de gestação gemelar aumentou significativamente de 1 em 80 (1,25%) para 3 em 100 (3%) gestações. Estima-se que a idade materna avançada seja responsável por cerca de um terço desse incremento, mas a maior contribuição, sem dúvidas se deve à facilidade na utilização das técnicas de reprodução assistida. Quando a gestação gemelar resulta da ovulação e subsequente fertilização de mais de um oócito, os fetos são geneticamente diferentes, chamados dizigóticos ou não idênticos. A gestação gemelar também pode ser devida à divisão de uma única massa embrionária, formando dois ou mais fetos geneticamente idênticos (monozigóticos). Nas gestações dizigóticas cada zigoto desenvolve o seu próprio âmnio, córion e placenta (dicoriônica). Nas gestações monozigóticas, pode haver compartilhamento da placenta (monocoriônica), do saco amniótico (monoamniótico) ou até de órgãos fetais (gêmeos unidos ou siameses), a depender da época em que se deu a divisão da massa embrionária. Na maioria das vezes, o reconhecimento da zigoticidade requer análise do DNA. A determinação da corionicidade – evento importante, pois a ele se relaciona a maioria das complicações das gestacionais gemelares – pode ser obtida pelo exame ultrassonográfico e se baseia na avaliação da genitália fetal, do número de placentas e das características da membrana entre os dois sacos amnióticos. Neste capítulo, abordaremos a síndrome transfusor-transfundido, evento grave que ocorre nas gestações gemelares monocoriônicas.
GESTAÇÃO GEMELAR E CORIONICIDADE Nas gestações dizigóticas, o desenvolvimento de cada concepto ocorre em cavidades amnióticas diferentes e com placentas individualizadas (sempre gestações dicoriônicas, que são invariavelmente diamnióticas). Nas gestações monozigóticas, o número de placentas, cavidades amnióticas e conceptos depende do momento, após a fecundação, em que ocorre a clivagem do trofoblasto e do polo embrionário. Se duas placentas separadas são observadas durante a ultrassonografia (no final do primeiro e durante o segundo ou terceiro trimestres da gravidez), a gestação gemelar é certamente dicoriônica. No entanto, em aproximadamente metade dessas gestações, as placentas encontram-se muito próximas, o que dificulta sua diferenciação da gemelidade monocoriônica. Entre a 6ª e a 9ª semana de gravidez, utilizando-se a ultrassonografia transvaginal, é possível identificar a gemelidade dicoriônica pela visualização de um “septo” hiperecogênico espesso (trofoblasto) entre os dois sacos gestacionais. Esse “septo” torna-se progressivamente mais fino, mas ainda permanece evidente junto à placa corial das placentas, como uma projeção triangular que recebe a denominação “sinal do lambda” (Fig. 24-1). Na gestação monocoriônica, esse sinal não existe, pois as duas lâminas de âmnio (cada uma delimitando a cavidade amniótica de um feto) se inserem juntas e abruptamente na placa corial da massa placentária única. Isso leva à formação de uma imagem ultrassonográfica semelhante a um “T” (“sinal do T”, típico das gestações monocoriônicas – Fig. 24-1).
FIGURA 24-1 Demonstração dos sinais do lambda e do T, típicos das gestações gemelares dicoriônicas (com placentas próximas) e monocoriônicas, respectivamente, até o começo do segundo trimestre de gravidez. Assim, a avaliação ultrassonográfica da base da membrana que separa as cavidades amnióticas, especialmente até o final do primeiro trimestre, é extremamente precisa (sensibilidade: 97%; especificidade: 100%) na diferenciação do número de córions (placentas) da gestação gemelar, quando aparentemente existe uma única massa placentária. Com o avançar da gravidez, depois do primeiro trimestre, há progressiva regressão do folheto interno de córion entre as camadas de âmnio nas gestações dicoriônicas e o “sinal do lambda” pode desaparecer. Com 20 semanas, o sinal pode ser visto em cerca de 85% das gestações dicoriônicas que apresentam massas placentárias muito próximas. Portanto, a não visualização do “sinal do lambda” a partir da 20ª semana não significa que a gestação gemelar é monocoriônica, mas a sua identificação em qualquer idade gestacional (IG) confirma gestação dicoriônica. A ênfase despendida no diagnóstico da corionicidade é justificável pela maior frequência de complicações nas gestações monocoriônicas. Estas, além de suscetíveis a alterações comuns às gestações únicas e às dicoriônicas, podem apresentar intercorrências exclusivas, como a síndrome transfusor–transfundido (STT).
SÍNDROME DA TRANSFUSÃO FETOFETAL
Fisiopatologia e incidência Na gestação gemelar monocoriônica, há anastomoses vasculares placentárias que permitem a comunicação entre as circulações dos dois fetos. Essas anastomoses podem ser dos tipos arterioarteriais (AA), venovenosas (VV) ou arteriovenosas (AV). Estudos anatômicos demonstram que as anastomoses AA e VV são sempre superficiais (ocorrem na superfície da placa corial da placenta) e permitem fluxo sanguíneo bidirecional (Fig. 24-2). Por outro lado, as anastomoses AV são sempre profundas (ocorrem no nível das vilosidades) e possibilitam apenas um fluxo de sangue unidirecional (sempre no sentido arteriovenoso) (Fig. 24-2). Embora profundas, as anastomoses AV são formadas por vasos que caminham inicialmente na superfície da placenta e mergulham em direção à topografia das vilosidades, onde ocorre a comunicação.
FIGURA 24-2 Desenhos que demonstram as anastomoses superficiais (número um – 2a e 2c) e profundas (número dois – 2b e 2c) na transfusão fetofetal; D, doador; R, receptor; seta azul, membrana interamniótica que se dobra sobre a cavidade amniótica do doador; seta preta, superfície corial da placenta. Cerca de 15% das gestações monocoriônicas apresentam desequilíbrio na troca sanguínea entre os gêmeos por meio das anastomoses mencionadas, o que permite o desenvolvimento de uma condição clínica conhecida como STT. Nessa situação, um dos fetos (feto doador) acaba por “perder sangue” para o outro (feto receptor), basicamente por meio das anastomoses AV. O feto doador pode ficar anêmico, torna-se hipovolêmico e passa a apresentar oligoâmnio/anidrâmnio. O feto receptor pode ficar pletórico, apresenta hipervolemia e desenvolve polidrâmnio (Fig. 24-3).
FIGURA 24-3 Imagens de um caso de transfusão fetofetal no estágio III. 3a, Feto receptor com bexiga cheia, em polidrâmnio; 3b, Feto doador em anidrâmnio (stuck twin), encostado na placenta, de localicação anterior; 3c, Doppler alterado no ducto venoso do feto receptor (ausência de fluxo durante a onda A); 3d, Doppler alterado na artéria umbilical do feto doador (diástole zero). Bermudez e colaboradores compararam as placentas de gestações gemelares monocoriônicas diamnióticas que desenvolveram STT com placentas de gestações que não apresentaram a complicação. Observaram que em 81% dos casos em que ocorreu STT havia somente anastomoses AV entre os fetos, ao passo que esse tipo de comunicação vascular não foi encontrado isoladamente nos casos que não desenvolveram a doença. Por outro lado, em aproximadamente 18% dos casos em que houve STT e em 19% daqueles que não apresentaram a doença foram observadas anastomoses profundas (AV) e superficiais (AA e/ou VV) associadas. Tal achado reforçou a teoria de que a presença de anastomoses AV é condição fundamental para o desenvolvimento da STT e de que talvez as anastomoses superficiais contribuam para a proteção contra a doença, ou eventualmente para sua atenuação.
DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO A confirmação da suspeita de de que uma gestação gemelar monocoriônica diamniótica possa evoluir com STT grave pode ser feita durante a ultrassonografia morfológida de primeiro trimestre (o exame de 11 a 14 semanas, para a medida da translucência nucal – TN). Em um estudo que envolveu 512 pacientes com gestações monocoriônicas diamnióticas, Kagan e colaboradores observaram que, quando a discrepância entre as medidas de TN dos gêmeos era maior do que 20%, a incidência de abortamento espontâneo e/ou STT grave foi de 30%. Quando a diferença entre as medidas de TN era menor do que 20%, a taxa das mesmas complicações foi de aproximadamente 10%. Em outro trabalho, Meiz e colaboradores, acompanhando 179 gestações monocoriônias diamnióticas desde o exame de primeiro trimestre, notaram que 30% dos casos em que pelo menos um dos gêmeos apresentava fluxo no ducto venoso com onda “A” reversa desenvolveram STT grave, ao passo que a complicação aconteceu em 11% das gestações monocoriônicas diamnióticas em que ambos os fetos tinham fluxos normais no ducto venoso. Esses resultados sugerem que a avaliação das gestações gemelares no começo do segundo trimestre pode contribuir para detectar precocemente a STT e instituir o eventual tratamento em estágios menos graves. Do segundo trimestre em diante, o diagnóstico ultrassonográfico da STT é feito quando identificamos um feto (doador) com oligoâmnio/anidrâmnio e com a bexiga urinária permanentemente pequena ou vazia, ao mesmo tempo que o outro feto (receptor) apresenta a bexiga permanentemente distendida e polidrâmnio. Os pesos fetais e/ou a discrepância entre eles não são considerados critérios no diagnóstico da STT. A STT pode ter apresentação clínica variável. Em decorrência disso, Quintero e colaboradores sugeriram classificá-la nos seguintes estágios, que têm relação com os prognósticos perinatais: Estágio I: Discrepância entre os tamanhos das bexigas fetais e entre a quantidade de líquido amniótico nas duas câmaras âmnicas (doador com maior bolsão de líquido amniótico com menos de 2 cm; receptor com maior bolsão de líquido amniótico com mais de 8 cm até a 20ª semana de gravidez e com mais de 10 cm após esta idade gestacional). Estágio II: O feto doador fica com a bexiga permanentemente vazia e em anidrâmnio (stuck twin), enquanto o receptor apresenta bexiga distendida e polidrâmnio. Estágio III: Começam as alterações Dopplervelocimétricas em um ou em ambos os fetos (aumento de resistência da Dopplervelocimetria da artéria umbilical no doador; aumento no índice de pulsatilidade/ausência ou inversão de fluxo durante a contração atrial no ducto venoso no receptor) (Fig. 24-3). Estágio IV: O feto receptor desenvolve hidropisia. Estágio V: Há óbito de um ou de ambos os fetos. Os três últimos são considerados estágios graves da doença e apresentam evolução ruim quando acompanhados de forma expectante.
EVOLUÇÃO NATURAL, TRATAMENTO E RESULTADOS PERINATAIS A literatura médica é escassa em relação à história natural das gestações gemelares com STT. Berghella e Kaufmann revisaram 136 casos descritos na literatura até 1991 e relataram que a sobrevida geral foi de 27%, com danos neurológicos em 25% dos sobreviventes. Peralta e colaboradores, em casuística de um único centro (15 pacientes), relataram sobrevida de pelo menos um dos gêmeos e incidência de comprometimento neurológico nos sobreviventes de 53% e 62,5% na amostra geral e de 36,4% e 100% nos casos considerados graves (estágios II, III e IV). Nos casos leves de STT (estágio I), não há consenso na literatura sobre a melhor conduta. Alguns centros recomendam a conduta expectante, outros a amniodrenagem e outros a ablação vascular placentária com laser (AVPL). Atualmente, na europa, encontra-se em andamento um ensaio clínico randomizado que compara a conduta expectante e a AVPL para esses casos. Para os casos graves de STT, é consenso que a AVPL é a melhor opção terapêutica, quando acessível à paciente. Outras condutas, como a amniodrenagem seriada e a septostomia, têm sido gradativamente abandonadas à medida que a disponibilidade da AVPL aumenta. A amniodrenagem seriada foi, por muito tempo, o tratamento de escolha para a doença e ainda vem sendo utilizada em muitos centros especializados em medicina fetal. Tem a vantagem de ser um procedimento tecnicamente fácil e de baixo custo. Proporciona a diminuição do polidrâmnio e o prolongamento da gravidez, sem, no entanto, eliminar a causa da doença. Os estudos mais importantes sobre o uso dessa técnica mostraram sobrevida de 47% a 91% de pelo menos um dos fetos, mas também a ocorrência de danos neurológicos em 22% a 55% dos sobreviventes. A septostomia tem sido abandonada devido a suas possíveis complicações, como a banda amniótica e o aprisionamento do cordão umbilical por entre as lâminas de âmnio. Um único estudo randomizado realizado por Moise Jr. e colaboradores demonstrou não haver diferença significativa na sobrevida entre os casos tratados com septostomia e aqueles tratados com amniodrenagem seriada. Os trabalhos mais recentes sobre os resultados da AVPL demonstraram sobrevidasde 61% a 83% (pelo menos um neonato/lactente), com sequelas neurológicas clínicas em 1,2% a 7,6% dos sobreviventes. O mais importante estudo randomizado que comparou os resultados da amniodrenagem seriada com os do laser para tratamento da STT foi realizado por Senat e colaboradores. Após a randomização de 142 pacientes (72 para laser e 70 para amniodrenagem), foi demonstrado que os resultados do laser foram significativamente melhores do que os observados com a amniodrenagem seriada (sobrevida de pelo menos um gêmeo: AVPL = 76% vs. amniodrenagem = 56%; leucomalacia periventricular: AVPL = 7% vs. amniodrenagem = 35%; IG no parto: AVPL = 33 semanas vs. amniodrenagem = 29 semanas). Desde o relato pioneiro de De Lia e colaboradores sobre a factibilidade da AVPL nos casos de STT, a técnica sofreu várias modificações, que culminaram gradativamente na melhora dos resultados perinatais. Inicialmente, a técnica mais utilizada era a ablação não seletiva dos vasos placentários, originalmente descrita por Ville e colaboradores. Nesse procedimento, todos os vasos da placa corial placentária que cruzavam a inserção da membrana interamniótica eram indiscriminadamente coagulados. Subsequentemente, Quintero e colaboradores propuseram o mapeamento endoscópico das anastomoses entre os gêmeos e a coagulação apenas das anastomoses superficiais e profundas. Tal procedimento foi chamado de ablação seletiva dos vasos placentários e, ao ser comparado com a técnica não seletiva, demonstrou tendência à redução de perdas fetais duplas depois do procedimento. Importante melhora na sobrevida de dois gêmeos foi conseguida quando Quintero desenvolveu a coagulação sequencial dos vasos placentários, uma modificação da técnica seletiva em que os vasos deveriam ser coagulados na seguinte ordem: anastomoses AV do doador para o receptor, anastomoses AV do receptor para o doador, e, por último, as anastomoses superficiais (AA e VV). Embora a técnica seletiva e suas variações tivessem permitido bons resultados, a ocorrência de algumas complicações após o procedimento, como persistência da transfusão fetofetal, transfusão fetofetal reversa (o doador passa a ser receptor e vice-versa) e sequência da anemia-policitemia nos gêmeos (grave discrepância entre os hematócritos fetais sem o quadro ultrassonográfico clássico de STT) não era negligenciável. Visando minimizar essas complicações e melhorar os resultados perinatais, está em andamento na Europa o Salomon trial, um ensaio
clínico randomizado que tem como objetivo comparar os resultados da chamada técnica de Salomon com a técnica seletiva. Na técnica de Salomon é realizada uma linha de coagulação com laser na placa corial, ligando os pontos inicialmente cauterizados de forma seletiva. Um esquema que compara as diferentes técnicas de AVPL é demonstrado na Figura 24-4.
FIGURA 24-4 Desenhos demonstrando diferentes técnicas de ablação dos vasos placentários com laser. Na técnica não seletiva, uma linha de coagulação (linha branca) acompanha a inserção da membrana interamniótica na placa corial da placenta, com a coagulação indesejável de vasos que provêm e retornam para o mesmo feto (setas azuis). Na técnica seletiva, somente as anastomoses (demonstradas por círculos brancos) são cauterizadas, preferencialmente em uma sequência definida (arteriovenosa do doador para o receptor – 1; arteriovenosas do receptor para o doador – 2; anastomoses superficiais – 3). Na técnica de Salomon, os pontos cauterizados na técnica seletiva são ligados por uma linha de coagulação da placa corial, que tenta poupar vasos que não participam de anastomoses entre os gêmeos. As intercorrências mais comuns diretamente relacionadas à AVPL descritas na literatura são a rotura prematura pré-termo de membranas (9% a 12%), a corioamnionite (2% a 8%), o abortamento (2% a 7%) e a perda de líquido amniótico para a cavidade peritoneal materna (2% a 7%). Complicações mais graves, como o descolamento prematuro de placenta normalmente inserida e o sangramento intraperitoneal materno, têm sido considerados eventos raros, ocorrendo em menos de 2% dos casos. É importante salientar, neste momento, a relevância do comprimento do colo uterino no momento do tratamento da STT. Esse parece ser um dos principais fatores que limitam os bons resultados do tratamento e reflete, de certa forma, a adequação do seguimento dessas gestantes. Peralta e colaboradores, a exemplo do que foi previamente descrito por Ville e colaboradores, relataram que a ocorrência de parto prematuro ou abortamento logo após a AVPL esteve diretamente relacionada à medida do comprimento do colo uterino materno antes da cirurgia. Cinco entre sete pacientes (71,4%) que tiveram medidas do colo uterino menores do que 15 mm evoluíram para parto ou abortamento nas primeiras seis horas após o laser. A IG por ocasião da resolução da gravidez nesse subgrupo de gestantes foi de 21,3 semanas. Em nenhum desses casos houve complicações durante os procedimentos, que foram realizados em tempo adequado (menos de 20 minutos cada um) e sem dificuldades técnicas. Recentemente, Salomon e colaboradores relataram experiência semelhante em um estudo em que avaliaram o impacto da cerclagem de emergência nos resultados perinatais de pacientes com STT grave com colo uterino curto (< do que 15 mm de comprimento) tratadas com o uso do laser. Os autores relataram que, em meio às pacientes que não foram submetidas à cerclagem imediatamente após o procedimento, a IG média por ocasião do parto foi de 23,1 semanas, ao passo que no grupo de gestantes nas quais a cerclagem foi realizada, a IG por ocasião do parto foi de 30,5 semanas. Embora a intervenção no colo uterino não tenha impedido a prematuridade extrema, aparentemente contribui para o prolongamento da gravidez. A amostra estudada, no entanto, foi pequena (14 pacientes: 9 submetidos à cerclagem e 5 não submetidos ao procedimento) e, apesar de animadores, os resultados obtidos requerem confirmação por estudos randomizados. Como mensagem final, talvez o mais importante seja ter em mente que a ultrassonografia morfológica do primeiro trimestre (11 a 14 semanas) permite diagnosticar, caracterizar (definir corionicidade), pesquisar sinais que aumentam o risco do desenvolvimento da STT (discrepância entre as medidas de TN e alterações no fluxo do ducto venoso) e, portanto, individualizar o seguimento dessas gestantes. Para as pacientes com menor risco de desenvolver a doença (discrepância entre as TN menor do que 20% e fluxos normais no DV de ambos os gêmeos), alguns serviços preconizam seguimento ecográfico no mínimo a cada quatro semanas. Para aquelas com maior risco (discrepância entre as medidas da TN > 20% e/ou alterações no fluxo do DV de pelo menos um
gêmeo), seguimento em intervalos menores, a cada duas semanas, no máximo, deveria ser oferecido. Esse cuidado provavelmente levaria à redução na frequência de encaminhamentos tardios para os centros de referência (em estágios mais avançados, frequentemente com colo uterino muito encurtado), quando pouco pode ser feito pela gestante.
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Capítulo 25
Derrame Pleural José Antonio de Azevedo Magalhães, Ana Lúcia Letti Müller
INTRODUÇÃO Derrame pleural fetal ou hidrotórax é o acúmulo de líquido no espaço pleural, que pode estar associado a cromossomopatias e outras síndromes genéticas e outras malformações (em 25% dos casos, associado a malformações estruturais). Também é chamado de quilotórax, mas este diagnóstico é confirmado formalmente apenas por punção ou mais comumente no período pós-natal por ser composto de triglicerídeos e linfócitos (Fig. 25-1).
FIGURA 25-1 Líquido aspirado de quilotórax.
PREVALÊNCIA É uma patologia rara, com taxa de 1 em 10.000 a 1 em 15.000 gestações.
ETIOLOGIA O derrame pleural pode ser primário ou secundário. O hidrotórax/quilotórax primário é devido a alterações linfáticas. Em condições normais, o espaço entre as células mesoteliais da pleura parietal permite que o líquido pleural se movimente livremente do e para o espaço pleural. Esse espaço se comunica diretamente com lacunas linfáticas, que se esvaziam dentro dos canais linfáticos e tornam a encher dentro dos linfonodos do mediastino. Se ocorrer rotura nessa drenagem, o fluido linfático é armazenado no espaço pleural. Defeitos do desenvolvimento do sistema linfático e do ducto torácico também causam o hidrotórax. Da mesma maneira, quando a pressão do sistema venoso excede a pressão do ducto torácico, a rotura do próprio ducto ou seus colaterais pode ocorrer, causando hidrotórax. Geralmente, derrames secundários estão associados a quadros de hidropisia fetal. O diagnóstico de hidrotórax primário é um diagnóstico de exclusão (afastando causas infecciosas, imunológicas e anemias). Casos de origem pulmonar, como doença adenomatosa cística, sequestro broncopulmonar e hérnia diafragmática, devem ser excluídos. Tumores mediastinais e tireoidianos também podem ser causas compressivas de derrame pleural.
DIAGNÓSTICO A visão ultrassonográfica do tórax fetal normal compreende a forma regular e a sua transição com o abdome, a curvatura normal das costelas, a aparência normal de ambos os pulmões e a ausência de massas, conteúdos líquidos ou desvios mediastinais. Os pulmões podem ser visualizados a partir do segundo trimestre da gestação como estruturas de aspecto homogêneo dentro do tórax. O hidrotórax aparece na ultrassonografia como espaço anecoico periférico torácico uni ou bilateral, circundando os pulmões (Fig. 25-2). Pode determinar desvio do mediastino, compressão cardíaca e inversão diafragmática. É mais frequentemente diagnosticado no segundo ou início do terceiro trimestre da gestação.
FIGURA 25-2 Derrame pleural, indicado pelas setas. Após o diagnóstico ultrassonográfico, é preciso seguir um protocolo de investigação para verificar se o hidrotórax é primário ou não. Protocolo materno: Hemograma completo, teste de Kleihauer-Betke, grupo sanguíneo, Rh e anticorpos irregulares, eletroforese de hemoglobina, pesquisa de infecções do grupo STORCH (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes) e parvovirose. Protocolo fetal: Ultrassonografia morfológica com estudo Dopplervelocimétrico, incluindo o pico de velocidade sistólica da artéria cerebral média, ecocardiograma, amniocentese para cariótipo fetal, PCR (reação em cadeia da polimerase – polymerase chain reaction) para pesquisa de infecções e erros inatos do metabolismo. Deve-se considerar, no diagnóstico diferencial, do derrame pleural, as seguintes condições: • Pulmonar: quilotórax primário, sequestro broncopulmonar, hérnia diafragmática e linfangiectasia. • Cardíaco: defeitos estruturais, tumores, cardiomiopatias e arritmias. Cromossômicas/genéticas: cariótipo anormal (síndrome de Turner e trissomia do 21 – Fig. 25-3), síndromes genéticas (síndrome de Noonan) • Infecções congênitas: parvovirose e do grupo STORCH (Fig. 24-4). • Hematológicas: isoimunização Rh e anemias não imunes. • Metabólicas: sialidose e doenças do acúmulo de lisossomas e de glicogênio.
FIGURA 25-3 Hidropisia fetal não imune em trissomia do cromossomo 21.
CONSEQUÊNCIAS CLÍNICAS O hidrotórax pode causar hipoplasia pulmonar, que é influenciada pela idade gestacional do início do derrame, sua duração e gravidade. Tem sido sugerido que o desenvolvimento pulmonar está mais sujeito a compressão externa durante a fase canalicular da 16ª à 24ª semana de gestação, quando está se iniciando a diferenciação alveolar e da via aérea distal fetal. Histologicamente, de acordo com a persistência do derrame pleural, o desenvolvimento pulmonar é afetado pela diminuição das células pulmonares, dos alvéolos e das vias aéreas. Isso resulta em redução do peso e tamanho pulmonar, com diminuição do número de vasos teciduais, espessamento da parede e consequente aumento da resistência vascular pulmonar.
FIGURA 25-4 Derrame pleural bilateral em caso de infecção pré-natal. Grandes derrames causam obstrução esofágica, que leva ao poli-hidrâmnio e ao parto prematuro. Levam, também, a aumento da pressão intratorácica e tortuosidade e obstrução da veia cava, com diminuição do retorno venoso, redução das dimensões ventriculares cardíacas e alterações da contratilidade, o que resulta em insuficiência cardíaca e consequente hidropisia.
PROGNÓSTICO O curso clínico do hidrotórax primário é imprevisível. Algumas coleções pequenas podem permanecer estáveis ou até regredir, com taxa descrita de 22%, principalmente se o diagnóstico for feito precocemente no início do segundo trimestre (67%), for unilateral (65%) e não houver hidropisia ou poli-hidrâmnio. Em um estudo brasileiro que avaliou o curso natural dos casos de derrame pleural fetal sem intervenção antenatal, a mortalidade perinatal foi de 79,5% nos casos bilaterais, 90,9% com hidropisia, 27,3% com poli-hidrâmnio e 88,6% com anomalias estruturais e cromossômicas. Derrames bilaterais, hidropisia, parto prematuro e impossibilidade de terapia antenatal estão associados a mau prognóstico. Após a exclusão de anomalias estruturais e cromossômicas, o manejo depende da idade gestacional, taxa de progressão, desenvolvimento de hidropisia e sintomas maternos associados. Nos casos de derrames extensos, com deslocamento do mediastino, hidropisia ou poli-hidrâmnio, ou de crescimento rápido (Fig. 25-5), é necessária a intervenção fetal por meio de drenagem por shunts pleuroamnióticos, a fim de prevenir a hipoplasia pulmonar e reverter a hidropisia e o poli-hidrâmnio (Fig. 25-6).
FIGURA 25-5 Doença adenomatosa cística pulmonar com derrame pleural extenso, ascite e desvio do mediastino. Idade gestacional de 21 semanas.
FIGURA 25-6 Tórax com imagem de shunt pleuroamniótico colocado no caso anterior demonstrando drenagem completa.
CONDUTA CONSERVADORA É apropriada em casos de hidrotórax primários, pequenos e não hidrópicos. A taxa de sobrevida é de 46% a 59% nos casos de manejo expectante.
TERAPIA FETAL Em casos de aumento rápido do derrame ou surgimento de poli-hidrâmnio ou hidropisia, existem procedimentos que podem ser realizados com o objetivo de descomprimir para permitir o desenvolvimento pulmonar normal e a reversão da hidropisia, facilitando a reanimação neonatal. A drenagem pleural pode ajudar a diagnosticar anomalias associadas e a distinguir, em cada feto, entre a hidropisia causada pelo derrame pleural e aquela em que o derrame é uma característica de hidropisia generalizada. A toracocentese, realizada com o uso de agulha espinhal de calibre 20 ou 22 gauge, guiada por ultrassonografia, pode ser resolutiva em alguns poucos casos, mas, na maioria, o fluido reacumula dentro de 1 a 10 dias, sendo necessária nova drenagem. Também pode ser considerada para fins diagnósticos. Teoricamente, toracocenteses repetidas poderiam causar hipoproteinemia, que também levaria à hidropisia. A toracocentese imediatamente antes do parto deve ser considerada para melhorar as condições de reanimação neonatal. O shunt pleuroamniótico é a técnica mais descrita na literatura, indicada para realizar a drenagem permanente do hidrotórax. É guiado por ultrassom com Doppler colorido a fim de evitar transpassar vasos maternos. A técnica inclui a utilização de um trocarte para ótica de 3 mm (fetoscopia) e cânula introduzida por via transabdominal até a cavidade amniótica ou por punção com trocarte do tipo “Harrison”. É, então, colocado um cateter de silicone do tipo double pigtail no tórax fetal, eficaz para drenagem permanente do derrame (Figs. 25-7 e 25-8). A drenagem em casos de malformações pulmonares císticas melhora a sobrevida perinatal em casos que seriam de pobre prognóstico. Pode prolongar a gestação para uma idade gestacional de maior viabilidade neonatal. As complicações descritas são sangramento fetal, cicatrizes e bandas constritivas, além da rotura prematura de membranas amnióticas, trabalho de parto pré-termo e corioamnionite.
FIGURA 25-7 Shunt do tipo double pigtail para uso intrauterino.
FIGURA 25-8 Recém-nascido a termo com shunt pleuroamniótico do mesmo caso anterior. A pleurodese através da injeção intrapleural de substâncias que causam reação inflamatória com aderência da pleura à
superfície pulmonar é um procedimento bastante limitado e ainda tem poucos casos relatados. O procedimento chamado EXIT (ex utero intrapartum treatment) permite realizar intervenções nos recém-nascidos preservando a circulação fetoplacentária, fora do útero, nos casos de obstrução das vias aéreas superiores com extenso derrame pleural de surgimento tardio. A preservação temporária da circulação fetoplacentária permite a drenagem imediata ao nascer e consequente expansão pulmonar. As intervenções associadas ao EXIT incluem traqueostomia, traqueoplastia, broncoscopia, intubação intratraqueal, instilação de surfactante e, mais raramente, ablação cirúrgica de tumor compressivo. O fluxograma apresentado na Figura 25-9 propõe a terapia fetal a ser aplicada nos casos de derrame pleural individualmente.
FIGURA 25-9 Fluxograma de terapia fetal do derrame pleural. Referências Bibliográficas
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Capítulo 26
Conduta na Obstrução Congênita do Trato Urinário Rievani de Sousa Damião, Maria Amélia de Rolim Rangel
INTRODUÇÃO Anormalidades congênitas do trato turinário são anomalias muito comuns identificadas pela ultrassonografia, com taxa de 1 em 250 para 1 em 1.000 nascidos vivos. As uropatias obstrutivas contabilizam a maioria dos casos, incluindo larga variedade de diferentes condições patológicas caracterizadas pela dilatação de parte ou de todo o trato urinário. Quando a obstrução é completa e ocorre em fase precoce da vida intrauterina, ocorrem hipoplasia renal (deficiência em toda a população de néfrons) e displasia (Potter do tipo II; formação anormal de néfrons e estroma mesenquimal). Por outro lado, quando a obstrução intermitente permite o desenvolvimento renal normal, ou quando ocorre no segundo trimestre da gestação, resultará em hidronefrose e a gravidade do dano renal depende do grau e duração da obstrução. Fetos com obstrução podem não apresentar dilatação do trato urinário. A obstrução pode ocorre no nível da junção ureteropélvica (JUPE) ou ureterovesical (JUVE), ou pode ser uretral. Pode ser unilateral ou bilateral, embora obstrução no nível da uretra invariavelmente seja bilateral. O diagnóstico de uropatia obstrutiva é feito durante a avaliação ultrassonográfica do segundo trimestre (ultrassonografia morfológica), porém, com a popularização da ultrassonografia de primeiro trimestre, realizada entre 11 e 14 semanas, anomalias renais graves podem ser diagnosticadas precocemente. Todavia, considerando que os achados ultrassonográficos dependem do nível e da gravidade da obstrução, na presença de obstrução menor com líquido amniótico normal e poucas alterações ultrassonográficas, o diagnóstico será possível apenas no terceiro trimestre. O diagnóstico pré-natal permite o planejamento adequado da conduta pré-natal e pós-natal. O prognóstico da obstrução do trato urinário superior fetal é pior se houver outras alterações associadas. Nas obstruções baixas do trato urinário, a associação com displasia cística renal, oligoâmnio e hipoplasia pulmonar torna essa alteração grave e, por isso, a terapia intrauterina tem sido considerada em casos selecionados para atenuar as complicações secundárias. Aconselhamento pré-natal nessa situação é difícil porque o valor prognóstico dos métodos utilizadas para avaliar a função renal do feto é incerto e a eficácia da terapia intrauterina ainda não está estabelecida. Neste capítulo, nosso principal objetivo é abordar a conduta diante do diagnóstico de uropatia obstrutiva, considerando as opções atuais para investigação e conduta.
EPIDEMIOLOGIA Obstrução alta do trato urinário pode ser detectada de forma consistente no segundo trimestre pela ultrassonografia morfológica. Em uma população de 709.030 gestantes, a prevalência de malformação renal foi de 1,6 por 1.000 nascimentos. A alteração mais frequente foi a dilatação do trato urinário superior em 309 (27%) casos, com 259 (84%) detectados pela ultrassonografia pré-natal. A hidronefrose unilateral é mais comum do que a bilateral, e a maioria dos casos (88% das bilaterais e 69% das unilaterais) são descritas como leve. A obstrução no nível da junção ureteropélvica (JUPE) é a principal causa de hidronefrose (Fig. 26-1) (prevalência de 39% a 64%), o refluxo vesical é a segunda causa (prevalência de 33%), e a obstrução no nível vesicoureteral (JUVE) é a terceira causa (prevalência de 9% a 14%).
FIGURA 26-1
Corte transversal do abdome fetal, demonstrando os rins fetais com avaliação do diâmetro anteroposterior da pelve renal. Obstrução baixa do trato urinário pode ser detectada de forma consistente no primeiro trimestre da gestação e ocorre em 2,2 por 10.000 nascimentos. A válvula de uretra posterior (VUP) é a causa mais comum, ocorrendo em 64% dos casos (1.4/10.000 nascimentos), seguida de atresia uretral em 39% (0,7/10.000 nascimentos) e síndrome de Prune Belly, 4%.
ETIOLOGIA
Obstrução alta do trato urinário Obstrução junção ureteropélvica (JUPE) A etiologia não é clara. Todavia, a obstrução da JUPE pode ser consequência de recanalização anormal do ureter durante o desenvolvimento embriológico, de válvulas mucosas atípicos no nível da junção, de duplicação ureteral ou de estenose ureteral. Causas extrínsecas incluem vasos renais ectópicos. Porém, na maioria dos casos, a causa subjacente parece ser funcional.
Obstrução ureterovesical (JUVE) A etiologia da obstrução da JUVE é multifatorial, sendo a causa mais comum o megaureter primário. Outras causas são estenoses ureterais, atresia ureteral, ureter retrocava, obstrução vascular, divertículo, válvulas, ureterocele ou refluxo vesicoureteral refluxo.
Obstrução baixa do trato urinário Obstrução uretral A causa mais comum de obstrução uretral é válvula de uretra posterior (VUP), que responde por um terço das anomalias renais detectadas na autópsia após interrupção terapêutica da gestação indicada após diagnósticos de anomalias fetais pela ultrassonografia (Fig. 26-2). O feto atingido é tipicamente masculino. Outras causas incluem agenesia uretral e estreitamento uretral. Quanto mais precoce o diagnóstico, maior será associação com atresia uretral.
FIGURA 26-2 Corte coronal de pelve fetal mostrando bexiga dilatada com aspecto típico de válvula de uretra posterior. Síndrome de megabexiga-microcólon hipoperistaltismo intestinal (MMHI) A síndrome MMHI é uma associação de malformações com elevada taxa de letalidade, mais frequente no sexo feminino. Caracteriza-se por bexiga dilatada e hidronefrose na presença normal ou aumentada de líquido amniótico. A musculatura lisa da bexiga e do intestino é disfuncional, sendo descrita ausência de receptor nicotínico para acetilcolina. Ocasionalmente, a falta de diagnóstico ou de intervenção pode resultar na síndrome de Prune Belly (síndrome do ventre em ameixa), caracterizada por ausência ou deficiência da musculatura da parede abdominal anterior, dilatação do trato urinário proximal e distal (hidronefrose, megabexiga) e criptorquidia bilateral presente no período neonatal. É rara em fetos feminos, nos quais uropatia e defeito na parede abdominal estão associados a atresia vaginal, fístula retovaginal ou rectovesical e útero bicorno.
HISTÓRIA NATURAL A obstrução alta do trato urinário pode ser unilateral ou bilateral, e a hidronefrose é sua expressão ultrassonográfica primária. Todavia, a hidronefrose ou dilatação pielocalicial (Tabela 26-1) ocorre em 1% a 5% de todas as gestações, e na obstrução junção ureteropélvica (JUPE) é importante identificar os fetos com dilatação pielocalicial que terão função renal pós-natal alterada. Na maioria das vezes a hidronefrose é transitória, devido ao relaxamento do músculo liso do trato urinário pelo alto nível de hormônios maternos circulantes, ou pela hiper-hidratação maternofetal. Na maioria dos casos, essa condição permanece estável ou se resolve no período neonatal. Em cerca de 20% dos casos, pode estar presente obstrução da junção ureteropélvica (JUPE) ou refluxo vesicoureteral que requeiram seguimento pós-natal com possível cirurgia. TABELA 26-1 Parâmetros de normalidade do diâmetro anteroposterior da pelve renal de acordo com a faixa da idade gestacional Idade gestacional
DAPPR
Até 23 semanas
< 5 mm
24 a 32 semanas
< 7 mm
≥ 33 semanas
1,7 * – Placenta apenas com anastomoses vasculares pequenas (< 1 mm)
*A diferença
na contagem de reticulócitos é calculada divi-dindo-se a contagem de reticulócitos do doador pela conta-gem de reticulócitos do receptor.
Como a SAP é uma alteração heterogênea, a classificação por estágios pode ser útil, principalmente quando se quer comparar resultados perinatais. A SAP pode permanecer não detectada durante a gestação se a dopplervelocimetria não for realizada, levando, portanto, ao nascimento de dois recém-nascidos com grande diferença de hemoglobina, ou, por outro lado, pode acarretar a morte de ambos os gêmeos. Algumas opções terapêuticas têm sido propostas, desde a conduta expectante, indução do parto, transfusão fetal intrauterina (intravenosa ou intraperitoneal), feticídio seletivo (em locais onde é permitido) ou o laser para coagulação das anastomoses. Em casos de transfusão intrauterina, a transfusão intraperitoneal parece ser superior, pois permite uma absorção lenta das células vermelhas na circulação fetal, evitando a rápida perda do sangue transfundido para a circulação do gêmeo recipiente. O laser para a coagulação das anastomoses vasculares é tecnicamente mais difícil do que nos casos de STT, pois não existe o oligo/polidrâmnia que favorece a visualização das anastomoses que, por sua vez, são poucas e menores. Resolução espontânea também já foi relatada na literatura, embora seja pouco provável. Nos casos pós-laser, a prevenção pode ser alcançada reduzindo-se o número das anastomoses residuais. Em um estudo, a sobrevida foi de 75% para os casos que tiveram conduta expectante e de 100% nos casos que realizaram transfusão, laser ou combinação das suas terapias. A morbidade neonatal é principalmente limitada a problemas hematológicos ao nascimento; o feto doador pode apresentar anemia grave, necessitando hemotransfusão, enquanto o receptor pode ser gravemente policitêmico, necessitando de exsanguinitransfusão parcial. Necrose de pele e trombocitopenia também podem ser encontradas no período neonatal, particularmente em recipientes.
Restrição de crescimento fetal seletiva (RCF seletiva) Ocorre em 10 a 15% das gestações monocoriônicas e é definida quando o peso fetal estimado é menor que o percentil 10 em um dos fetos. A discordância de peso maior do que 25% entre os gemelares geralmente acompanha a condição. Apresenta importante contribuição na morbidade e mortalidade perinatal e está associada a alto risco de lesão neurológica em ambos os fetos. A principal causa para o desenvolvimento da RCF seletiva em gestações monocoriônicas é a divisão desigual da placenta. A inserção do cordão umbilical excêntrica ou velamentosa acompanha mais de 45% dos casos e tem sido levantada a hipótese de contribuir para a condição. Além da assimetria placentária, anastomoses vasculares contribuem para a evolução da RCF seletiva. Em geral, grandes discordâncias de placenta são associadas a uma maior quantidade de anastomoses que resulta em maior dependência do gêmeo menor na circulação do maior gemelar. A classificação proposta atualmente, que veremos a seguir, leva em consideração o padrão dopplervelocimétrico na artéria umbilical. Tipo I – Fluxo diastólico positivo Tipo II – Fluxo diastólico persistente ausente ou reverso Tipo III – Fluxo diastólico intermitente ausente ou reverso. O padrão tipo III é único em gestações monocoriônicas e reflete a existência de grande anastomose arterioarterial (AA). O tipo I, com fluxo diastólico presente na artéria umbilical, tem apresentado bom resultado perinatal. Geralmente apresentam diagnóstico em uma fase mais tardia da gestação, maior peso ao nascimento e menor discrepância de peso do que nos tipos II e III. Observa-se um menor grau de discrepância das placentas e/ou uma área de anastomose suficiente para suportar o feto menor. O tipo II está associado a território placentário menor e/ou menor número de anastomoses. Em estudo realizado, o grau de discrepância entre as placentas foi maior do que o tipo I e foi observada alteração do Doppler venoso ou do perfil biofísico fetal em 90% dos casos; lesão cerebral pode ocorrer em 14% dos casos no menor gemelar. A deterioração parece apresentar uma evolução previsível. O tipo III apresenta uma situação distinta, com evolução menos previsível. Apresenta, também, grande discrepância de peso. A alteração do Doppler venoso é menos frequente do que nos casos do tipo II, e morte fetal inesperada do gemelar menor podem ocorrer em 15% dos casos, com consequente morte do gemelar maior em 6% dos casos. A lesão cerebral no maior gemelar ocorre em 20% dos fetos. A evolução clínica atípica dessas gestações reflete a situação hemodinâmica instável devido à presença de grandes anastomoses AA. O acompanhamento dependerá de cada caso, de acordo com a idade gestacional, discrepância do peso e avaliação dopplervelocimétrica. Em geral, a ultrassonografia é recomendada a cada 1 a 2 semanas. Conduta expectante, oclusão do cordão umbilical e coagulação a laser têm sido as opções terapêuticas disponíveis. A coagulação das anastomoses a laser tem sido a terapêutica mais aceitável, com a proposta de dicorionizar a placenta.
SEQUÊNCIA DE PERFUSÃO ARTERIAL REVERSA EM GÊMEO (GÊMEO ACÁRDICO) Ocorre em 1% das gestações monocoriônicas. Decorre da falência circulatória de um dos gêmeos entre 8 e 12 semanas de gestação e da presença de anastomoses AA e VV entre os gêmeos. O gêmeo acárdico geralmente apresenta outras malformações, e a aparência típica é de uma massa ou tumor (Figs. 39-5 e 39-6). É hemodinamicamente dependente do gêmeo normal (gêmeo bombeador). O crescimento do gêmeo acárdico coloca em risco a vida do gemelar normal devido ao risco de falência cardíaca e, consequentemente, morte. A mortalidade perinatal nesses casos varia de 35 a 55%.
FIGURA 39-5 Gemelar acárdico.
FIGURA 39-6 Gemelar acárdico. O acompanhamento da gestação visa identificar precocemente alterações cardíacas de sobrecarga no gêmeo bombeador. Um estudo mostrou que, em gestações acárdicas diagnosticadas no primeiro trimestre, 33% evoluíram para o óbito espontâneo do gemelar bombeador entre o primeiro trimestre e 16 a 18 semanas; em 21% houve resolução espontânea do fluxo sanguíneo no gêmeo acárdico e em 46% dos casos houve persistência do fluxo sanguíneo. A conduta em gemelar acárdico varia de acordo com o tamanho, a velocidade do crescimento e fluxo sanguíneo do gêmeo acárdico (Fig. 39-7) e sinais de falência cardíaca no gêmeo bombeador. A conduta expectante pode ser adotada se o gêmeo acárdico for pequeno e o gêmeo bombeador não apresentar sinais de descompensação. Em casos de gêmeo acárdico grande ou com rápido crescimento ou fluxo sanguíneo abundante e sinais de insuficiência cardíaca do gêmeo bombeador, a interrupção do fluxo sanguíneo parece ser a conduta de escolha. Entre as modalidades terapêuticas para interrupção do fluxo vascular encontramos a ligadura do cordão, coagulação bipolar, coagulação a laser, termocoagulação e ablação por radiofrequência. Alguns estudos sugerem que a ablação intrafetal parece ter melhor resultado quando comparada com a coagulação extrafetal. Os procedimentos geralmente são realizados entre 16 e 18 semanas, após a obliteração da cavidade celômica.
FIGURA 39-7 Fluxo sanguíneo em gemelar acárdico.
Gestações monoamnióticas Ocorrem quando a divisão acontece após o nono dia de fertilização. Há apenas uma placenta e uma cavidade amniótica. Acontecem em cerca de 1% de todas as gestações gemelares e em 5% das gestações monocoriônicas. Predominam no sexo feminino, ocorrendo em apenas 25 a 35% dos pares masculinos. Como estão no mesmo saco amniótico, o entrelaçamento de cordão é frequente e pode ser demonstrado desde o primeiro trimestre. Outro fator importante é que os cordões umbilicais apresentam-se geralmente próximos um do outro, com numerosas anastomoses de grande calibre. O gêmeo acárdico não é incomum em uma gestação monoamniótica, e a gemelidade imperfeita só é demonstrada nesse tipo de gestação. Anomalias estruturais são encontradas em 20% dos casos e ocorrem geralmente em apenas um dos gêmeos. Óbito fetal inesperado também é uma complicação frequente. Evidências sugerem que 1 em 25 gestações monoamnióticas são complicadas com óbito intrauterino após 32 semanas. Entretanto, o risco de morte neonatal por prematuridade nessa mesma idade gestacional gira em torno de 1 em 100. Por esse motivo, a maioria dos centros que acompanham gestações monoamnióticas recomendam a antecipação do parto por volta da 32ª semana.
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Capítulo 40
Aspectos Ultrassonográficos na Predição e Prevenção do Parto Pré-termo Roberto Romero, Eduardo da Fonseca, Lami Yeo, Sonia Hassan O nascimento prematuro é a principal causa de morbidade e de mortalidade neonatal, sendo responsável por 75% a 95% de todos os óbitos neonatais não associados a malformações congênitas. Dos sobreviventes, até 15% apresentam sequelas significativas, tais como alterações do desenvolvimento neuropsicomotor, doenças respiratórias crônicas, predisposição para doenças infecciosas, paralisia cerebral, retinopatia, perda auditiva e distúrbios oftalmológicos, além de complicações neonatais precoces, como membrana hialina, hemorragia intraventricular, infecção e enterocolite necrosante. Dentre as estratégias preventivas do parto pré-termo espontâneo, duas ações são importantes: identificação de fatores de risco e utilização profilática de progesterona exógena.
COLO UTERINO CURTO: PODEROSO PREDITOR DE PARTO PREMATURO A avaliação ultrassonográfica do colo uterino é o método mais objetivo e confiável para avaliar o comprimento cervical. Quanto mais curto o comprimento cervical na ultrassonografia de segundo trimestre, maior o risco de parto prematuro espontâneo. Colo curto tem sido definido como < 15 mm, < 20 mm ou < 25 mm. Pacientes com comprimento cervical de 15 mm ou menos têm risco de quase 50% de parto prematuro espontâneo com idade gestacional igual ou inferior a 32 semanas, quando a morbidade neonatal é significativamente elevada. Vinte e cinco milímetros equivalem ao percentil 10 do comprimento cervical. O ponto de corte de 20 mm emergiu como uma definição pragmática após um estudo clínico randomizado ter demonstrado o sucesso da progesterona vaginal em evitar prematuridade. Sabe-se que, em pacientes com gestações duplas, colo curto também é um fator de risco importante para parto prematuro, e que essas gestantes necessitam de um colo uterino longo para impedir tal resultado (o risco de parto prematuro conferido por um comprimento cervical < 15 mm em gestações únicas é semelhante ao < 25 mm em gestações duplas). Recentemente, a Fundação de Medicina Fetal desenvolveu métodos que permitem estimar o risco individual de parto prematuro com o comprimento cervical ultrassonográfico e outros fatores de risco maternos, tais como idade materna, etnia, índice de massa corporal, tabagismo e cirurgia cervical anterior. É importante ressaltar que o comprimento cervical à ultrassonografia de segundo trimestre é o mais poderoso preditor independente do nascimento prematuro e é muito mais informativo do que história de nascimento pré-termo anterior. A avaliação do comprimento cervical pela ultrassonografia no segundo trimestre é método acurado na determinação do risco e não apenas um simples método de rastreamento. Sua importância deriva da observação de que intervenções como a progesterona vaginal e a cerclagem cervical pode reduzir a taxa de nascimento prematuro e morbidade perinatal.
NATUREZA SINDRÔMICA DO COLO UTERINO CURTO Em sua maioria, as mulheres, à medida que progridem no terceiro trimestre da gravidez para o início do trabalho de parto espontâneo, sofrem o amadurecimento cervical e, como parte deste processo, há encurtamento ultrassonográfico do colo uterino. Portanto, o encurtamento do colo do útero é parte final da via comum do parto, a qual inclui aumento da contratilidade miometrial, amadurecimento cervical e ativação da decídua e membrana. Amadurecimento cervical precoce na gestação pré-termo pode ocorrer em combinação com a ativação de outros componentes da via final do parto ou pode ser assincrônica. Assim, o fenótipo da síndrome de parto pré-termo, ou seja, trabalho de parto prematuro com membranas íntegras, insuficiência cervical, rotura prematura das membranas ovulares ou a combinação dessas apresentações representam o recrutamento dos diferentes componentes da via de útero de parto. Muitas vezes ocorre colo curto quando há amadurecimento cervical prematuro. Todavia, nem todos os colos curtos são amadurecidos, o que pode explicar o fato de que algumas mulheres com colo curto apresentam evolução favorável independentemente de tratamento. O colo curto é sindrômico e pode decorrer de várias causas, tais como: 1) perda de tecido conjuntivo depois de uma operação cervical, como conização ou cirurgia de alta frequência; 2) desordem congênita, como hipoplasia cervical após exposição materna ao dietilestilbestrol (DES); 3) infecção intrauterina, “insuficiência cervical”; 4) suspensão ou diminuição da ação da progesterona e/ou 5) alteração do colo uterino cuja manifestação clínica seja um estado de “insuficiência cervical”. Cada uma dessas diferentes causas da síndrome pode decorrer de fatores genéticos e/ou ambientais. Além disso, mais de um desses mecanismos podem estar presentes em um único paciente. A possibilidade de que surjam novos mecanismos e ainda de não ter sido descoberta a doença responsável deve, também, ser considerada.
BIOLOGIA DO AMADURECIMENTO E REMODELAÇÃO DO COLO UTERINO O colo do útero é, essencialmente, um órgão do tecido conjuntivo. Músculo liso ocorre em menos de 8% da parte distal do colo do útero. É improvável que a competência cervical, definida como a capacidade do colo do útero de reter o concepto durante a gestação, dependa de um mecanismo muscular esfincteriano tradicional. Experiências em que tiras de colo do útero humano foram incubadas com vasopressina (um hôrmonio que induz a contratilidade do músculo liso) indicam que a resposta contrátil do colo uterino é, substancialmente, menor do que a do tecido obtido a partir do istmo e do fundo do útero. Está bem estabelecido que a função normal do colo do útero durante toda a gestação depende da matriz extracelular. A remodelação do tecido conjuntivo do colo do útero durante o ciclo gravídico ocorre em quatro etapas: 1) amolecimento; 2) amadurecimento; 3 dilatação e 4) reparação. Essas fases são sobrepostas e não podem ser nitidamente separadas durante a gestação. O leitor interessado pode consultar revisões e trabalhos originais para uma discussão detalhada sobre os eventos bioquímicos e celulares subjacentes à remodelação do colo do útero durante a gravidez e o parto. Word e colaboradores propuseram que, no início da gravidez, a resistência à tração do colo do útero amolecido é mantida pelo aumento da síntese de colágeno e do desenvolvimento cervical. Colágenos dos tipos I e III conferem resistência ao alongamento do colo uterino. Durante o amadurecimento cervical, o colo do útero torna-se fino e flexível, e as concentrações de colágeno diminuem. Essa diminuição deve-se ao aumento relativo de glicosaminoglicanos hidrofílicos e proteínas não colagenosas. Há aumento do conteúdo líquido, o que, por sua vez, dispersa as fibras de colágeno e aumenta sua solubilidade. Em uma fase mais avançada da gestação há diminuição do glicosaminoglicano, com aumento do ácido hialurônico. Este último enfraquece a ligação entre colágeno e fibronectina, contribuindo para a dispersão de colágeno. O ácido hialurônico de baixo peso molecular pode ligar-se ao CD44, ativar macrófagos e atrair células inflamatórias. Assim, o entendimento corrente é de que, uma vez solubilizado o colágeno, é iniciada a cascata inflamatória. Todavia, estudos em humanos são necessários para determinar a bioquímica desses processos. Fortes evidências sugerem que a suspensão de ação de progesterona pode levar ao amadurecimento cervical.
PROGESTERONA: UM HORMÔNIO ESSENCIAL NA GRAVIDEZ A progesterona é um hormônio central para a manutenção da gravidez de mamíferos. Com efeito, acredita-se que a suspensão da ação da progesterona é a chave para a iniciação do parto na maioria dos mamíferos, incluindo primatas, embora este mecanismo em seres humanos ainda não tenha sido elucidado. “Progestogênio” é um termo genérico que descreve tanto a progesterona “natural” quanto compostos sintéticos com ação similar à da progesterona. Sua administração para evitar o aborto e o parto prematuro espontâneo é estudada há várias décadas. O uso da progesterona no primeiro trimestre da gravidez como “suporte à fasea lútea” é uma prática bem estabelecida na clínica; e formulações de progesterona para esta indicação têm sido aprovadas pelas agências da FDA e regulamentadas na Europa e em outros países.
EFEITO DA PROGESTERONA NO COLO DO ÚTERO A evidência que suporta a importância da progesterona na prevenção do amadurecimento cervical inclui o seguinte: 1) administração de antagonistas dos receptores de progesterona para mulheres no 2º e 3º trimestres de gestação induz o amadurecimento cervical; e 2) a administração de antagonistas dos receptores de progesterona, como a mifepristona (RU486) ou onapristone para cobaias grávidas, induz o amadurecimento cervical. É interessante notar que a capacidade de resposta cervical para antiprogesterona aumenta com o avançar da idade gestacional e que o efeito de antiprogestinas no colo do útero nem sempre é acompanhado por mudanças na atividade do miométrio. Com efeito, há provas que demonstram uma dissociação entre os efeitos da progesterona no miométrio e no colo do útero. Uma observação frequente, tanto em animais quanto em seres humanos, é que os antagonistas dos receptores de progesterona induz o amadurecimento cervical, mas não o trabalho de parto. Na verdade, o trabalho de parto em humanos não inicia ou pode ser adiado por dias ou semanas após o preparo cervical ser realizado. Esses achados sugerem que o principal local da ação da progesterona é o colo uterino. Essa compreensão é importante porque grande parte da ênfase colocada na progesterona em anos anteriores decorrem de sua ação no miométrio. O mecanismo preciso por meio do qual o bloqueio da ação da progesterona pode induzir alterações cervicais são complexos e não estão totalmente elucidados. A diminuição na ação da progesterona provavelmente induz alterações cervicais por ativação da cascata inflamatória, envolvendo a produção de citocinas como a interleucina 8, o óxido nítrico e as enzimas prostaglandina redutase e aquelas responsáveis pela degradação da matriz extracelular. É também possível que a remodelação e o amadurecimento do colo do útero sejam influenciados por NF-kB, um fator de transcrição que medeia o efeito de certas citocinas pró-inflamatórias, tais como IL-1β e TNF-α. Isso é importante porque o NF-kB pode opor-se à ação da progesterona. Portanto, NF-kB sugere uma associação entre inflamação, diminuição da ação local da progesterona e amadurecimento cervical.
PROGESTERONA PARA EVITAR O NASCIMENTO PREMATURO EM MULHERES COM COLO CURTO Fonseca e colaboradores, trabalhando com o grupo de rastreamento de segundo trimestre da Fetal Medicina Foundation, realizaram um estudo duplo-cego, randomizado, controlado por placebo, em mulheres com colo curto (≤ 15 mm pela ultrassonografia transvaginal), entre 20 e 25 semanas de gestação. Elas foram alocadas para receber diariamente 200 mg de progesterona micronizada pela via vaginal (medicamento conhecido comercialmente como Utrogestan®) ou placebo de 24 a 34 semanas. A frequência de parto prematuro espontâneo antes de 34 semanas foi significativamente menor no grupo da progesterona do que no grupo placebo [19,2% (24/125) versus 34,4% (43/125), p = 0,007]. Uma análise secundária desse estudo indicou que, entre as mulheres sem história de parto antes de 34 semanas, a incidência de parto prematuro foi significativamente menor em mulheres que receberam progesterona do que os atribuídos ao placebo [17,9% (20/112) versus 31,2% (34/109); RR: 0,57 IC 95%: 0,35 a 0,93; p = 0,03)]. O estudo não foi idealizado para avaliar a morbidade neonatal e, por isso, essa redução não foi observada. No entanto, ele forneceu a primeira evidência convincente de que a progesterona vaginal poderia reduzir a taxa de nascimento prematuro em mulheres com colo curto no segundo trimestre de gestação. Hassan e colaboradores6 relataram os resultados do estudo PREGNANT trial, em que mulheres com gestação única, comprimento cervical entre 10 e 20 mm (entre 19 e 23 6/7 semanas de gestação) foram distribuídas aleatoriamente para receber progesterona vaginal ou placebo. A progesterona foi administrada como um gel (90 mg, conhecido comercialmente como Prochieve® a 8% ou Crinone® a 8%). A progesterona vaginal ou o placebo foram administrados diariamente a partir de 20 a 23 6/7 semanas de gestação, até 36 6/7 semanas de gestação, ou caso houvesse rotura prematura das membranas. O desfecho primário do estudo foi parto prematuro antes de 33 semanas de gestação. Das cerca de 32.000 mulheres rastreadas, 733 tinham comprimento cervical entre 10 e 20 mm, e 465 concordaram em participar do estudo. Os pacientes alocados no grupo da progesterona tiveram taxa significativamente menor de parto prematuro do que os atribuídos ao grupo do placebo (8,9% vs. 16,1%; RR 0,55, IC 95% 0,33-0,92, p = 0,02 ajustado para local de estudo e estratos de risco). Houve também redução significativa na taxa de parto prematuro com menos de 35 e 28 semanas de gestação. Os recém-nascidos de mães atribuídos ao grupo da progesterona apresentaram redução significativa na taxa de síndrome de angústia respiratória de 61% (3% vs. 7,6%; RR 0,39; 95% CI,17-0 92; P = 0,03). Os eventos adversos foram comparáveis entre os pacientes que receberam progesterona vaginal e aqueles que receberam placebo. Não houve evidência de sinal de risco potencial (ou seja, morte fetal e/ou aborto), identificado pela FDA em um ensaio clínico randomizado para evitar o nascimento prematuro em mulheres que recebem 17-alfa caproato de hidroxiprogesterona. Quatorze mulheres com comprimento cervical entre 10 e 20 mm precisaram ser tratadas com progesterona vaginal para evita rum caso de parto prematuro em < 33 semanas de gestação. Por outro lado, 22 pacientes necessitaram ser tratadas para impedir um caso de síndrome de angústia respiratória neonatal.
REVISÃO SISTEMÁTICA E METANÁLISE CONFIRMAM QUE PROGESTERONA VAGINAL REDUZ NASCIMENTOS PREMATUROS E MORBIDADE NEONATAL Romero e colaboradores apresentaram uma metanálise conduzida para determinar se o uso da progesterona vaginal em mulheres assintomáticas com colo curto (≤ 25 mm) identificado à ultrassonografia de segundo trimestre reduziria a taxa de parto prematuro e melhoraria a morbidade e mortalidade neonatal. Cinco ensaios de alta qualidade foram incluídos, com um total de 775 mulheres e 827 crianças (da revisão sistemática incluiu ambas as pacientes com gestações únicas e gemelares). O tratamento com progesterona vaginal foi associado a redução significativa na taxa de: • Nascimento pré-termo < 33 sem. (RR 0,58; 95% CI 0,42-0,80). • Nascimento pré-termo < 35 sem. (RR 0,69; 95% CI 0,55-0,88). • Nascimento pré-termo < 28 sem. (RR 0,50; 95% CI 0,30-0,81). • Síndrome da membrana hialina (RR 0,48; 95% CI 0,30-0,76). • Morbidade e mortalidade neonatal composta (RR 0,57; 95% CI 0,40 – 0,81) (ocorrência de qualquer um dos seguintes eventos: membrana hialina, hemorragia ventricular, enterocolite necrosante, sepse neonatal comprovada ou morte neonatal). • Peso ao nascimento < 1.500 g (RR 0,55; 95% CI 0,38-0,80). • Admissão em UTI neonatal (RR 0,75; 95% CI 0,59-0,94). • Ventilação mecânica (RR 0,66; 95% CI 0,44-0,98). • Não houve diferenças significativas entre progesterona vaginal e placebo na taxa de eventos adversos maternos ou anomalias congênitas. Os cinco ensaios clínicos randomizados permitiu a realização de análises de subgrupos para uma série de questões relevantes (abordada mais adiante), como as seguintes: a progesterona vaginal evita parto prematuro em mulheres com colo curto e história de parto prematuro? Existe diferença entre 90 mg de progesterona vaginal e 200 mg? A progesterona vaginal é eficaz em mulheres com gestações duplas e colo curto?
A PROGESTERONA VAGINAL EVITA PARTO PREMATURO EM MULHERES COM COLO CURTO E HISTÓRIA PRÉVIA DE PARTO PREMATURO? O caproato de 17 alfa-hidroxiprogesterona foi usado para evitar parto prematuro em mulheres com história prévia de parto prematuro com base nos resultados de um estudo em que a taxa de parto prematuro no grupo de controle foi inesperadamente elevada. Os resultados de dois ensaios clínicos randomizados em mulheres com história prévia de parto prematuro em que a progesterona vaginal foi utilizada apresentaram resultados contraditórios. Fonseca e colaboradores15 relataram que a progesterona vaginal reduziu a taxa de parto prematuro, enquanto O’Brien e colaboradores não confirmam esta observação.16 Portanto, uma questão clinicamente relevante é saber se deve ser dado caproato de 17-alfa-hidroxiprogesterona ou progesterona vaginal a pacientes com colo curto e história de parto prematuro. Os resultados da metanálise descrita na seção anterior sugerem que a progesterona vaginal diminuiu, significativamente, em 46% o risco de nascimento prematuro < 33 semanas de gestação nessa população (RR 0,54; 95% CI 0,30-0,98), ou seja, gestação única, com história de prematuro anterior, e colo curto ao exame ultrassonográfico. Além disso, também diminuiu o risco de morbidade e mortalidade neonatal (RR 0,41, IC 95% 0,17-0,96). Em conclusão, a progesterona vaginal é eficaz na redução da taxa de nascimento prematuro em mulheres com colo curto que possuam ou não história de parto prematuro anterior.
DOSE DA PROGESTERONA VAGINAL PARA PREVENÇÃO DE PARTO PREMATURO Várias doses e formulações de progesterona vaginal têm sido usadas em ensaios clínicos randomizados para evitar o nascimento prematuro, incluindo: 1) gel de progesterona (90 mg); 2) supositórios de progesterona (100 mg) e 3) progesterona micronizada (200 mg). As análises de subgrupos com base na metanálise comparou a eficácia de 90 e 100 mg por dia vs. 200 mg por dia. Ambas as doses foram associados a uma redução estatisticamente significativa na taxa de nascimento prematuro < 33 semanas de gestação e de morbilidade e mortalidade neonatal. No entanto, não existe nenhuma diferença entre as preparações e pode ser necessário considerar outras preparações, incluindo o custo e a disponibilidade das formulações específicas.
O CAPROATO DE 17-ALFA-HIDROXIPRO-GESTERONA É EFICAZ NA REDUÇÃO DA TAXA DE NASCIMENTO PREMATURO EM MULHERES COM COLO CURTO? Recentemente, os resultados de um ensaio clínico randomizado em que o efeito da progestina sintética, caproato de 17-alfacaproato de hidroxiprogesterona, foi testado em nulíparas com comprimento cervical < 30 mm. Foram rastreadas 15 mil mulheres, e 10% tinham comprimento cervical < 30 mm. Pacientes com comprimento cervical < 30 mm foram alocadas aleatoriamente para receber caproato de 17-alfa-hidroxiprogesterona (200 mg intramuscular semanalmente) até 36 semanas de gestação ou placebo. O desfecho primário foi o nascimento prematuro antes de 37 semanas de gestação. O comitê de controle de segurança encerrou o estudo após 657 mulheres terem sido randomizadas (n = 327, caproato de 17-alfa-hidroxiprogesterona e n = 330 para o grupo placebo). A análise preliminar sugere que a adição de mais gestantes improvavelmente demonstraria qualquer diferença significativa entre tratamento e placebo. A frequência de parto prematuro foi de 25,1% em doentes tratados com caproato de 17-alfa-hidroxiprogesterona, e de 24,2% nos pacientes que receberam placebo (p = 0,35). Do mesmo modo, não houve diferença no nascimento prematuro menor que 35 semanas de gestação (13,5% vs. 16,1% p = 0,35) ou parto prematuro menor que 32 semanas de gestação (8,6% vs. 9,7%, p = 0,61). Os autores relataram que, com a potência limitada do estudo, as análises de subgrupo não demonstram benefício em mulheres com comprimento cervical < 15 mm ou naquelas com colo entre 10 e 20 mm. Assim, concluímos que não há evidência de que o caproato de 17-alfa-hidroxiprogesterona reduza a taxa de nascimento prematuro de acordo com os resultados do SCAN trial (este ensaio foi registrado no site ClinicalTrials.gov (http://clinicaltrials.gov) como “RCT de progesterona para prevenir o nascimento prematuro em nulíparas com colo curto – SCAN”). A caracterização da progesterona utilizada no estudo não é acurada, porque o agente ativo caproato de 17-alfacaproato de hidroxiprogesterona, que é uma progestina sintética, é diferente do hormônio natural, a progesterona.
A PROGESTERONA VAGINAL EVITA O NASCIMENTO PREMATURO EM GESTAÇÕES GEMELARES? Norman e colaboradores relataram um ensaio clínico randomizado em que as mulheres com gestações gemelares utilizaram progesterona vaginal ou placebo. Não houve diferença na taxa de nascimento prematuro. Achados semelhantes foram relatadas por Rode e colaboradores. No entanto, há possibilidade de que um subgrupo de mulheres com gestações gemelares se beneficiem do tratamento (p. ex., aquelas com um colo curto). Para dirimir tal dúvida, avaliamos um subgrupo de gestações gemelares com comprimento cervical < 25 mm por ocasião do exame ultrassonográfico de segundo trimestre. Houve redução de 30%, não significativa, na taxa de nascimento pré-termo < 33 semanas de gestação no grupo progesterona (30,4% vs. 44,8%; RR 0,70, IC 95% 0,34-1,44). Contudo, a administração vaginal de progesterona foi associada a uma redução significativa na morbidade e mortalidade neonatal composta (23,9% vs. 39,7%; RR 0,52; 95% CI 0,29-0,93). Esses dados sugerem que as mulheres com gestações gemelares e colo curto podem se beneficiar de progesterona vaginal. No entanto, um ensaio clínico randomizado é necessário para resolver essa questão e gerar evidências de nível I. Vários ensaios clínicos randomizados demonstraram que o caproato de 17-alfa-hidroxiprogesterona não reduz a taxa de nascimento prematuro em mulheres com gestações gemelares tanto ou triplas.
CERCLAGEM VERSUS PROGESTERONA VAGINAL Vários ensaios clínicos randomizados demonstraram que a cerclagem cervical não reduz a taxa de nascimento prematuro em mulheres com colo curto sem história prévia de parto prematuro. Por outro lado, metanálises ou ensaios clínicos randomizados em mulheres com colo curto (25 mm ou menos) e história prévia de parto pré-termo indica que a cerclagem reduz a taxa de parto prematuro e a morbidade neonatal/mortalidade. Essa metanálise foi baseada em dados de pacientes individuais e incluiu cinco estudos randomizados. O parto prematuro antes de 35 semanas de gestação foi menos frequente em pacientes tratados com cerclagem do que naqueles sem cerclagem (28,4% vs. 41,3%; RR 0,7, IC 95% 0,55-0,89). Além disso, a cerclagem também reduziu a taxa de parto prematuro antes de 32, 28 e 34 semanas de gestação. A morbidade e mortalidade perinatal composta foram significativamente menores nas pacientes submetidas à cerclagem cervical do que naquelas que não foram submetidas (15,6% vs. 24,8% cerclagem sem cerclagem; RR 0,64, IC 95% 0,45-0,91). Essa evidência sugere que a cerclagem cervical é uma opção para o tratamento de pacientes com colo curto com idade gestacional < 24 semanas de gestação e história prévia de parto prematuro.
PROGESTERONA VS. CERCLAGEM CERVICAL EM MULHERES COM HISTÓRIA PRÉVIA DE PARTO PREMATURO E COLO CURTO (< 25 MM) Ainda não foi realizada uma comparação direta da eficácia e segurança da progesterona vaginal versus cerclagem cervical. Recentemente, Conde-Agudelo e colaboradores relataram os resultados de uma metanálise indireta que comparou a evolução das pacientes tratadas com progesterona vaginal versus cerclagem em estudos clínicos randomizados (trials). Quatro estudos avaliaram a progesterona vaginal versus placebo (148 pacientes) e cinco cerclagem vs. não cerclagem (504 pacientes). Ambas as intervenções foram associados a uma redução significativa na taxa de nascimento pré-termo < 32 semanas de gestação (RR 0,47, IC 95% 0,24-0,91 para a progesterona vaginal; e RR 0,64, IC 95% 0,45-0,91 para a cerclagem), quando comparadas com placebo/não cerclagem. A metanálise não mostrou qualquer diferença significativa entre progesterona vaginal e cerclagem na redução de parto pré-termo < 32 semanas de gestação (RR 0,71, IC 95% 0,34-1,49) e morbidade/mortalidade neonatal (RR 0,67, IC 95% 0,29-1,57). Os resultados do estudo sugerem que a eficácia e a segurança da progesterona vaginal são semelhantes às da cerclagem cervical, e que qualquer uma das abordagens pode ser utilizada para tratar a paciente com colo curto e história prévia de parto prematuro.
PESSÁRIO CERVICAL PARA PREVENIR O NASCIMENTO PREMATURO Pessários têm sido utilizados há décadas para evitar o nascimento prematuro. No entanto, a maioria dos estudos têm sido retrospectivos ou de caso-controle. Recentemente, um ensaio clínico aberto randomizado e controlado demonstrou resultados encorajadores. Mulheres com comprimento cervical ≤ 25 mm foram aleatoriamente designadas para receberem pessário cervical ou seguri, apenas, com conduta expectante (sem pessário cervical). Das 18.235 mulheres elegíveis, 726 tinham comprimento cervical ≤ 25 mm, e 385 consentiram em participar do estudo. A taxa de parto prematuro antes de 34 semanas de gestação foi 79% menor em mulheres alocadas no grupo pessário em relação ao grupo expectante (7% vs. 28%; OR 0,21, IC 95% 0,10-0,40; valor de p < 0,001). Da mesma forma, pacientes alocadas para pessário tiveram menor taxa de parto prematuro antes de 37 semanas de gestação (22% vs. 59%; OR 0,19, IC 95% 0,12-0,30, p